Entenda a Guerra da Ucrânia em 10 pontos
Batalha mudou cenário geopolítico e é maior crise humanitária em anos na Europa
Antes do início da guerra da Ucrânia, especialistas de todo o mundo acreditavam que o conflito poderia ser decidido em dias (ou até em horas). Porém, passados nove meses desde o início da invasão russa, não há perspectiva para um fim — muito menos para um acordo de paz.
Em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia iniciou os ataques ao território ucraniano, inclusive bombardeando a capital Kiev.
Desde então, inúmeros desdobramentos aconteceram, como reuniões e moções na Organização das Nações Unidas (ONU), sanções, ameaças de uso de bombas nucleares táticas e a anexação de mais regiões da Ucrânia por parte do governo russo.
Veja abaixo 10 pontos para entender como a guerra da Ucrânia chegou ao patamar atual.
1. Justificativas da Rússia
Desde o final de 2021, a Rússia reforçava a presença militar em torno da Ucrânia com milhares de tropas, veículos e equipamentos. Além disso, realizava diversos treinamentos militares, incluindo em Belarus, um dos únicos países que apoia expressamente a invasão.
Em dezembro daquele ano, o presidente Vladimir Putin apresentou à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) um alista de exigências de segurança. A principal era que a Ucrânia nunca integrasse o bloco militar ocidental, pois a Rússia entende a expansão do grupo como uma ameaça à sua integridade territorial.
Mesmo com esforços diplomáticos para que a mobilização cessasse, isso não aconteceu.
Dias antes de iniciar a invasão, Vladimir Putin reconheceu a independência de duas áreas separatistas pró-Rússia da Ucrânia, autodenominadas República Popular de Donetsk e República Popular de Luhansk.
No primeiro dia de ataques, o chefe de Estado justificou a ação por meio de uma declaração gravada transmitida na TV. Ele afirmou, entre outros fatores, que estaria acontecendo um “genocídio” no Leste da Ucrânia, por tropas “neonazistas” do país, contra russos étnicos e separatistas.
“Era preciso pôr fim imediatamente a esse pesadelo: um genocídio voltado contra milhões de pessoas que lá vivem e cuja única esperança está na Rússia, pessoas que só têm esperança em nós, ou seja, em mim e em vocês”
Vladimir Putin em discurso em 24 de fevereiro, dia da invasão da Ucrânia
Nas semanas iniciais de guerra (ou operação militar especial, segundo Putin), delegações de ambos os países se reuniram diversas vezes para tentar um acordo de paz.
Ente as reivindicações russas estavam o comprometimento de uma neutralidade militar — o que, na prática, faria com que a Ucrânia não entrasse na Otan. Além disso, o Kremlin exige a desmilitarização e “desnazificação” da Ucrânia, o reconhecimento da independência de Donetsk e Luhansk, bem como o entendimento de que a Crimeia faz parte do território russo desde 2014, quando a península foi anexada no primeiro movimento militar de Putin na região.
2. O que diz a Ucrânia
Um dos principais atores do conflito é o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, um ex-comediante e ator que surpreendeu a comunidade internacional ao puxar os holofotes e a liderança para si, permanecendo no país e mantendo contato ativo com líderes de outras nações.
Ele negou diversas vezes a atuação de grupos neonazistas em seu território e suplicou a outros países sanções contra a Rússia e o envio de equipamentos militares para a defesa da Ucrânia — o que foi atendido frequentemente, mas sem armas de ataque, por outros líderes.
O presidente ucraniano chegou a propor até a criação de uma nova aliança internacional visando assegurar a paz em territórios invadidos.
Com o desenrolar do conflito, o governo da Ucrânia acusou a Rússia de atacar deliberadamente alvos civis e cometer crimes contra os direitos humanos. Um dos momentos de maior tensão nesse sentido foi a descoberta de centenas de corpos na cidade de Bucha.
3. Reação global e sanções
Desde o início da do conflito, países do Ocidente e da Europa sancionaram a Rússia em diversas áreas. A invasão e as sanções ocidentais levaram a aumentos acentuados nos preços de fertilizantes, trigo, metais e energia, propiciando uma crise alimentar e uma onda inflacionária na economia global.
Assim, logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os preços internacionais do petróleo atingiram seus níveis mais altos desde os registros de 2008.
Ativos de bancos russos foram congelados em diversos países, bem como os de oligarcas russos e pessoas ligadas ao governo de Vladimir Putin. Vários bens desses empresários foram apreendidos por outros governos, assim como essas pessoas foram impedidas de viajar até outros países.
O rublo atingiu a mínima recorde e o Banco Central russo suspendeu, por diversos dias, as negociações na Bolsa de Valores de Moscou.
Um dos mais duros golpes foi a exclusão de bancos russos do sistema global de pagamentos Swift, o que isolou ainda mais a Rússia do ambiente de negócios internacional. Assim, os impactos à economia global foram e continuam sendo grandes.
A certificação do gasoduto NordStream 2, um grande e importante projeto para transporte de combustível fóssil entre Rússia e Europa, também foi suspenso pela Alemanha.
No final de novembro, o Parlamento Europeu reconheceu, em um ato simbólico, a Rússia como um “Estado patrocinador do terrorismo e como um Estado que usa meios de terrorismo”, continuando o isolamento diplomático em que o país se encontra desde então.
Outro ponto determinante para o “sucesso” da defesa ucraniana é o repasse de armamentos de defesa por países ocidentais, como os os Estados Unidos. Isso inclui, por exemplo, dispositivos portáteis antitanques.
Também se relaciona um bom aproveitamento de missões da Ucrânia à ajuda do departamento de Inteligência dos EUA.
4. Quem apoia a Rússia?
Como dito anteriormente, o governo russo tem forte apoio de Belarus e seu presidente, Aleksander Lukaschenko. O país faz fronteira tanto com a Rússia quanto a Ucrânia, tendo sido utilizada como caminho para o exército invasor durante o conflito.
Outros líderes que demonstraram apoio a Vladimir Putin são Nicolás Maduro, da Venezuela, Daniel Ortega, da Nicarágua, e do governo Sírio.
Além disso, outras nações se abstiveram em votações na ONU que condenavam a guerra, como Coreia do Norte, Índia, Emirados Árabes Unidos, China e Irã.
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”706035″ title_galeria=”Veja imagens de protestos contra a guerra na Ucrânia em todo o mundo”/]
A China, inclusive, foi um dos focos sobre essa questão. Além de ter um dos exércitos mais poderosos do mundo, entrou em embate diplomático constante com os Estados Unidos por causa da reivindicação sobre o controle de Taiwan.
Outro ponto é que o governo chinês manteve aberto o comércio com a Rússia, não adotando a maioria das sanções dos países ocidentais. Outro ponto foi ter culpado a Otan por levar a tensão entre os países em guerra “ao ponto de ruptura”.
Mesmo assim, o país liderado por Xi-Jinping se colocou por vezes a favor do diálogo e da manutenção da paz.
5. Ameaça nuclear
Desde o início da guerra, uma das maiores preocupações era a possibilidade de uma escalada para a utilização de armamento nuclear. Putin, inclusive, disse em certo momento que não descartava usar armas nucleares táticas contra a Ucrânia.
Porém, no desenrolar da batalha, ficou clara outra ameaça: a destruição (intencional ou não) de usinas nucleares no território ucraniano.
O principal foco dessa apreensão é a planta de Zaporizhizhia, a maior da Europa. Especialistas alertam que o impacto de um desastre no local poderia ter consequências mais graves do que em Chernobyl.
Ela está sob controle russo, mas, mesmo assim, são recorrentes as notícias de que mísseis caíram próximos à usina.
Além disso, em novembro, quatro plantas nucleares foram desconectadas da rede, “forçadas a depender de geradores a diesel de emergência para a eletricidade de que precisavam para garantir sua segurança e proteção contínuas”, segundo o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, em inglês), Rafael Grossi.
Essa foi a primeira vez em 40 anos que as quatro usinas foram fechadas simultaneamente, de acordo com a empresa local de energia nuclear Energoatom.
A Ucrânia é fortemente dependente da energia nuclear, de acordo com a Associação Nuclear Mundial. Tem 15 reatores em quatro usinas que, antes da invasão em grande escala da Rússia em fevereiro, geravam cerca de metade de sua eletricidade.
6. Chegada do inverno e gás natural
Com a aproximação do inverno na Europa, o exército russo deve escolher quais frontes de batalha priorizar. Cerca de 20% do território ucraniano está sob controle da Rússia, além da Crimeia.
A nova estação traz uma nova fase — possivelmente ainda mais mortal — da guerra, visto que os ataques à infraestrutura de energia pode deixar casas sem aquecimento em um período em que as temperaturas podem ficar abaixo de 0°C.
Além disso, também dificulta o trabalho de manutenção das equipes do país, bem como transporte e logística por parte de ambos os exércitos. Os russos também não têm a mesma capacidade para produzir armamento com as sanções ocidentais.
O cenário mais provável, segundo algumas análises, é de que a guerra entre num impasse, com os dois lados defendendo suas posições e constantes bombardeios.
Um outro ponto crucial para o conflito é que a Rússia é grande fornecedora de gás natural para países da Europa — a Alemanha, inclusive, consome muito combustível proveniente de lá.
Assim, sempre houve receio entre os líderes do continente europeu de que o combustível pudesse ser utilizado com barganha no período mais crítico do ano. Isso também os coloca em uma posição delicada frente aos russos.
Em 22 de novembro, por exemplo, a Gazprom, empresa estatal russa, informou que reduziria o fornecimento de gás natural através de um gasoduto que atravessa a Ucrânia.
7. Anexação de regiões
Em setembro, um desdobramento crucial na guerra aconteceu: o presidente Vladimir Putin assinou um decreto confirmando a anexação de quatro regiões do território ucraniano à Rússia: Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhizhia (onde está a maior usina nuclear da Europa, dominada pelo exército russo desde o início do conflito).
Esse movimento aconteceu logo após a realização de referendos nessas áreas, que estariam questionando exatamente a vontade da população sobre a anexação. A consulta, porém, foi rechaçada pela comunidade internacional, com recusa da maioria das nações em aceitar o resultado.
A Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou, inclusive, uma resolução que condena os “referendos ilegais” da Rússia e a “tentativa de anexação” de territórios ucranianos. Se posicionaram a favor da medida 143 países; 5 votaram contra; e 35 se abstiveram.
Segundo o texto, o ato é “uma violação da integridade territorial e soberania da Ucrânia e incompatível com os princípios da Carta [da ONU]”. Ele também reconhece que os referendos “não têm validade sob direito internacional e não constituem base para qualquer alteração do status dessas regiões da Ucrânia“.
Mesmo sem controlar todo o território anexado, o Kremlin destacou que qualquer ataque a ele seria considerado uma agressão à Rússia. Isso causou apreensão, pois essa classificação poderia aumentar a escala da guerra, com o governo russo justificando autodefesa para realizar outros ataques.
Poucos dias antes da assinatura do decreto, Putin anunciou uma mobilização parcial de seus cidadaõs.
“Para proteger nossa pátria, sua soberania e integridade territorial, para garantir a segurança de nosso povo e do povo nos territórios libertados, considero necessário apoiar a proposta do Ministério da Defesa e do Estado-Maior de realizar uma mobilização parcial na Federação Russa”, afirmou Putin.
Segundo o ministro da Defesa, isso englobaria 300 mil pessoas, restrito àqueles que seviram nas Forças Armadas ou que têm “certas epecialidades militares e expreiência relevante”.
O ato gerou grande insatisfação na Rússia, acarretando em filas enormes de veículos tentando deixar o país, assim como o esgotamento de passagens de avião para outras nações.
8. Contraofensiva ucraniana
Com o estender indeterminado do conflito, foram percebidos dois graves problemas com as forças russas: problemas de logística — com falta de armamento, alimentos, entre outros recursos — e moral baixa das tropas.
O conhecido blogueiro russo Dmitry Puchkov, apoiador da operação militar de seu país na Ucrânia, cheogu a reconhecer que algumas derrotas abalaram a confiança de muitas pessoas.
Nos últimos meses, além do assentamento das unidades da Rússia, teve início um movimento de contra-ataque por parte do exército ucraniano, empurrando os russos de volta para a fronteira.
Uma conquista marcante — e comemorada por Zelensky — foi a retomada de Kherson. Em 11 de novembro, a Rússia afirmou ter completado a “retirada estratégica da cidade”.
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”1930720″ title_galeria=”Cidade recapturada pela Ucrânia após meses de ocupação russa”/]
9. Fome e acordo de grãos
Tanto a Ucrânia quanto a Rússia são grandes produtores de alimentos, que são exportados para diversas regiões do mundo. O presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, afirmou durante uma de suas falas sobre o conflito que um terço do trigo de todo o globo é cultivado por essas duas nações.
Segundo a ONU, o país normalmente fornece ao mundo cerca de 45 milhões de toneladas de grãos por ano, estando entre os cinco maiores exportadores globais de cevada, milho e trigo. É também o maior exportador de óleo de girassol, respondendo por 46% das exportações mundiais.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, um órgão da ONU, alertou que até 47 milhões de pessoas podem ter “insegurança alimentar aguda” por causa da guerra.
Com o avançar da batalha, navios ucranianos foram impedidos de deixar os portos de seu país, gerando grande preocupação por parte da ONU de como isso poderia aumentar a fome e a insegurança alimentar em outras regiões.
Em julho, um acordo foi negociado junto às Nações Unidas e à Turquia, estabelecendo um procedimento que garantia a segurança para essas embarcações.
Porém, no final de outubro a Rússia afirmou que estava suspendendo por tempo indeterminado sua participação no acordo após acusar a Ucrânia de utilizar o corredor humanitário dos navios para realizar um ataque com drones contra a cidade de Sebastopol.
10. Ataque a ponte na Crimeia
Em 8 de outubro, um outro ponto-chave do conflito aconteceu: uma explosão danificou gravemente a ponte de Kerch, que liga a península da Crimeia à Federação Russa.
Parte da rodovia cedeu, e os trilhos para trens também foram afetados por um incêndio posterior. Inicialmente, o Comitê de Investigação da Rússia afirmou que três pessoas morreram na explosão.
A estrutura atravessa o estreito de Kerch, que liga o Mar Negro ao Mar de Azov, onde estão localizados os principais portos ucranianos, incluindo o da cidade de Mariupol — um dos principais focos no início da guerra, que eperenciou um cerco violento de tropas russas, deixando milhares de pessoas sem água, luz e deslocadas. Além disso, ela é a principal ligação de transporte entre a Rússia continental e a Crimeia.
Porém, há um outro ponto que deve ser levado em consideração: para Putin, a ponte simbolizava a “reunificação” entre a região e o território russo, sendo considerada uma situação humilhante para as autoridades do país.
Um dia depois, as Forças Armadas da Ucrânia afirmaram que um bombardeio foi realizado contra a cidade de Zaporizhizhia, matando ou ferindo dezenas de pessoas.
Desde então, uma série de ataques com mísseis foram realizados a diversas cidades ucranianas. Segundo autoridades russas, os alvos seriam instalações de energia. Em meados de novembro, essas investidas continuaram, deixando várias localidades sem luz e água — incluindo a capital Kiev.
Mais recentemente, em 26 de novembro, as autoridades da Ucrânia informaram que as forças russas bombardearam a região recém-libertada de Kherson 54 vezes em um dia.
A Rússia voltou as atenções para a destruição da infraestrutura de energia na Ucrânia antes do rigoroso inverno, e sucessivas ondas de ataques deixaram grande parte do país enfrentando apagões contínuos.
*com informações da CNN, da Reuters e de Giovanna Galvani, Américo Martins, Léo Lopes, Ingrid Oliveira e Mariana Catacci, da CNN