Enquanto os casos de Covid-19 batem recordes, Trump fala sobre petróleo
Estados Unidos bate recorde de casos diários e Donald Trump tenta tirar os holofotes da campanha da sua condução da pandemia
Este texto é uma análise feita por Maeve Reston, analista de política da CNN Internacional.
Enquanto os Estados Unidos registraram o maior número de casos de Covid-19 em um dia desde o início da pandemia, o Presidente Donald Trump parece desviar o foco dos números fatais do vírus e focar em comentários de Joe Biden no debate ocorrido na quinta-feira (22) sobre o país repensar sua dependência no petróleo e buscar formas de energia renováveis.
Com as eleições a menos de duas semanas e mais de 50 de milhões de votos já registrados, a disputa sobre a energia deu uma chance a Trump de mudar o foco da campanha para longe de sua falta de habilidade em lidar com a pandemia, que já matou 224 mil americanos, e discutir que as afirmações de Biden poderiam lhe custar cinco ou seis estados no fim do período eleitoral.
O ex-vice presidente, enquanto isso, começou a dar seus argumentos finais para os eleitores, delineando seus planos para lidar com a pandemia com foco na distribuição gratuita de vacinas, mandatos governamentais sobre o uso de máscaras, um plano de testagem nacional e uma produção intensificada de equipamentos de proteção individual.
“Estamos a mais de oito meses nessa crise, e o presidente ainda não tem um plano. Ele desistiu. Ele desistiu de vocês. Ele desistiu da sua família. Ele desistiu da América”, disse Biden em um discurso em Wilmington, no estado de Delaware, na sexta-feira (23).
“Ele só quer que nós fiquemos alheios e renunciemos aos horrores das mortes e da dor que estão causando a muitos americanos”.
A desaprovação da forma como Trump lidou com a pandemia custou bastante nas expectativas de voto do atual presidente, enquanto ele continua a ignorar o novo aumento nos casos em pelo menos 30 estados nessa semana. Na Flórida, na sexta-feira, ele insistiu mais uma vez no discurso de que o país está “virando a esquina” e que em breve a vida voltará ao normal, declarações completamente contrárias aos fatos.
Os ataques de Trump às visões de Biden sobre energia e a crise do clima vêm em um momento no qual o ex-vice presidente está liderando as pesquisas no estado crucial da Pensilvânia, no qual Trump venceu em 2016, e pode decidir quem vence as eleições em 2020.
Enquanto batalham pelos 20 votos do colégio eleitoral que pertencem à Pensilvânia, Trump vem provocando Biden por sua mudança de posição em relação ao “fracking”, uma forma de extrair gás natural do xisto betuminoso que é muito poluente, mas é central na economia americana. Biden fez declarações confusas sobre o assunto ao longo da campanha de 2020, mas ele não propôs o banimento total da prática, como Trump clama.
Muitas dificuldades dos democratas nas urnas estão ligadas a estados dependentes da indústria da energia — políticos do partido nessas regiões, em estados como Novo México e Oklahoma, tentam se distanciar dos comentários de Biden.
Durante dois comícios na Flórida na sexta, Trump destacou a afirmação de Biden no debate de quinta-feira, que ele “iria fazer uma transição da indústria do petróleo” como forma de lidar com a crise do clima e aumentar a dependência do país em energia renovável.
Pressionado por repórteres depois do debate, Biden esclareceu que ele estava se referindo a acabar com os subsídios federais ao petróleo. “Eventualmente nós temos que usar petróleo, não vamos nos livrar de combustíveis fósseis por um bom tempo ainda”, ele disse, e adicionou que “não irá acabar até 2050 provavelmente”.
Mas Trump eliminou qualquer nuance na posição de Biden dizendo a uma platéia de idosos de uma comunidade de aposentados na Flórida que Biden “quer abolir a indústria do petróleo”.
Leia e ouça também:
Trump e Biden fazem debate final mais organizado, mas não abrem mão de ataques
O que pensam Donald Trump e Joe Biden sobre a questão do meio-ambiente
Os momentos-chave do último debate presidencial entre Trump e Biden
Trump promete vacina ‘em semanas’ e Biden critica condução da pandemia nos EUA
Trump acena a eleitores negros, mas critica movimento Black Lives Matter
Podcast: O que significa a vantagem de Biden sobre Trump nos estados?
O presidente afirmou que esse foi o maior “uau” do debate em Nashville e mais uma vez chamou a atenção de estados que seriam afetados: “Texas, vocês estão assistindo isso? Pensilvânia, Oklahoma, Ohio, estão assistindo?”, disse Trump.
“Eu acho que ele deve ter perdido cinco ou seis estados com essa” afirmou Trump sobre os comentários de Biden durante um comício em Pensacola, onde ele disse ao público que eles deviam se preocupar com um aumento no preço da gasolina durante uma presidência comandada por Biden.
Aumentando os comentários de Biden de uma forma que beira o ridículo, Trump também afirmou que a transição de Biden para uma dependência maior em fontes de energia renováveis significaria que os “idosos americanos não terão mais ar condicionado durante os verões, nem aquecimento nos invernos e nem energia elétrica nos horários de pico de uso”. Ele também afirmou falsamente que os planos de Biden incluiriam “se livrar dos aviões”.
Trump tornou uma marca de seu governo o desmonte da regulação ambiental.
As táticas do presidente de assustar o eleitorado na sexta-feira fazem parte de um argumento maior de que a eleição é uma escolha entre uma “super recuperação econômica de Trump” e uma “depressão” de Biden.
A campanha de Trump rapidamente colocou os comentários de Biden sobre o petróleo e as mudanças de posicionamento sobre o fracking do debate em um novo comercial da campanha transmitido na Pensilvânia, que falsamente clama que o ex vice presidente vai “acabar com o fracking” e está disposto a acabar com milhares de empregos para isso.
Oficiais da campanha de Trump anunciaram na sexta-feira que levantaram 26 milhões de dólares em doações para propaganda e comitês como resultado do debate, e afirmaram que esse foi o maior levantamento de fundos da campanha de reeleição. Mas, Biden e comitês democratas aliados angariaram uma vantagem financeira de mais de 107 milhões de dólares no fim da campanha.
Biden traça planos para pandemia em meio ao aumento de casos
Apesar de Trump ter dito a sua audiência em The Villages para serem “cuidadosos, praticar o distanciamento social e todas as outras coisas”, inclusive “usar uma máscara se você não pode se distanciar socialmente”, muitos membros da platéia do seu grande comício ao ar livre não estavam usando máscaras. E em um dia em que Biden delineou planos mais detalhados para lutar contra a pandemia, Trump ignorou os alertas recentes de especialistas de que o país está entrando em mais uma fase obscura da pandemia.
Enquanto manteve um tom otimista, Trump afirmou falsamente na sexta-feira que “vamos acabar com essa pandemia rapidamente” e que a “vida normal logo será retomada”. Ele também previu que o ano que vem será “o melhor ano da economia na história do país”.
Em contraste, o oficial de saúde dos Estados Unidos, Jerome Adams, alertou para o fato de que esta semana provavelmente registrará o “maior número de casos que já tivemos em uma base diária no Estados Unidos”. Em fala na Cúpula de Lideranças Globais do Meridiano, ele disse que as hospitalizações, que geralmente têm números menores que os casos, estão começando a subir em 75% nas jurisdições do país. Essa tendência geralmente é seguida por um aumento nos óbitos.
Delineando suas quatro principais prioridades para lutar contra a pandemia em Wilmington, Delaware, na sexta-feira, Biden disse que o uso de máscaras deve ser obrigatório, que vai aumentar os estoques de equipamentos de proteção individual para trabalhadores da saúde; que iria expandir o acesso a testes no país inteiro e trabalhar para assegurar que a vacina contra a Covid-19 seja gratuita.
“Na noite passada vimos o presidente dos Estados Unidos mentir para o povo americano e mentir repetidamente sobre o estado dessa pandemia”, disse Biden. “Presidente Trump disse que estamos virando a esquina, que está acabando, que vamos aprender a viver com isso…Mas eu disse a ele ontem a noite, nós não estamos aprendendo a viver com isso; estamos aprendendo a morrer com isso. Este vai ser um inverno obscuro.”
Ao chamar Trump de “inconsequente”, o ex vice presidente clamou para que os americanos escolham um caminho diferente. “Não temos que ser prisioneiros dos erros dessa administração”. E fez uma crítica dura à forma como o presidente lidou com a pandemia.
“Se isso é um sucesso, o que será o fracasso então? Estamos a mais de oito meses em crise e o presidente não tem um plano”, disse Biden.
Durante uma entrevista com a CNN na sexta-feira, Anthony Fauci, o principal especialista em infectologia nos Estados Unidos, disse que o país segura o seu próprio destino nas mãos neste momento, e que é hora de “apostar no tipo de medidas para a saúde pública que temos falado por tanto tempo”.
Fauci destacou que controlar o vírus não significa forçar outra baixa da economia, mas sim fazer coisas básicas que podem desacelerar o espalhamento do vírus, incluindo o uso de máscaras, lavar as mãos frequentemente, distanciar-se socialmente e evitar multidões.
“Parece muito simples, mas não estamos fazendo isso de forma uniforme e essa é uma das razões por que estamos vendo esses aumentos”, afirmou Fauci em um programa de televisão americano.
Um novo estudo publicado durante a semana sugere que se 95% dos americanos usassem máscaras em público, mais de 100 mil vidas poderiam ter sido salvas em fevereiro.
Fauci afirma que ele entende o argumento que leis para máscaras podem criar novos desafios por conta da necessidade de forçá-las à população. Mas ele disse, “se as pessoas não estão usando máscaras, então talvez nós devíamos estar obrigando-as”.
Ele disse que é importante que as pessoas evitem formar grupos em locais fechados e prefiram configurações abertas sempre que possível. “Perderemos o controle se não fizermos isso”, disse Fauci.
“Essa é a razão porque eu, até onde posso, peço que o público americano que leve essas coisas a sério”, acrescentou Fauci. “Nós podemos virar o jogo”.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)