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    Enchentes no RS atingem refugiados que escaparam da fome e da violência

    Após perderem documentos, imigrantes do Haiti e da Venezuela precisam recomeçar do zero

    Sobreviventes sentam em caminhão enquanto são retirados em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul
    Sobreviventes sentam em caminhão enquanto são retirados em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul 14/05/2024REUTERS/Diego Vara

    Lisandra Paraguassuda Reuters

    Vítimas da fome, da violência e de desastres naturais em seus países de origem, milhares de refugiados haitianos e venezuelanos encontraram guarida ao longo dos últimos anos no Rio Grande do Sul, mas as chuvas avassaladoras que assolaram o estado nas últimas semanas os obrigaram, novamente, a recomeçar a vida do zero.

    De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), cerca de 46 mil refugiados vivem hoje no Estado, a maioria formada por venezuelanos (29 mil) e haitianos, (12 mil). Chegaram, em boa parte, no programa de interiorização feito pelo governo federal para retirar da fronteira norte do país os imigrantes que entravam por terra em busca de um asilo humanitário.

    Reginald Descilong, de 39 anos, foi um dos haitianos que vieram para o Rio Grande do Sul nesse movimento, depois de cruzar o Caribe e a América Central de barco, ônibus e a pé.

    Ele chegou ao Brasil em 2013, três anos depois do terremoto que devastou o Haiti, onde perdeu parentes e amigos. Trabalhou na construção civil e como entregador de aplicativos, e tinha conseguido alugar uma casa para trazer a esposa e as três filhas.

    Agora, por causa das chuvas que alagaram a maior parte do Rio Grande do Sul e deixaram ao menos 151 mortos, ele está com a família toda em um dos abrigos temporários de Porto Alegre.

    “Parece que os problemas estão sempre correndo atrás da gente. Não está fácil não”, disse Descilong à Reuters enquanto cuidava das filhas em um abrigo na zona norte da capital gaúcha.

    “Perdemos tudo, está lá debaixo d’água, nem de barco conseguimos chegar”, afirmou.

    No abrigo em que Descilong está, chegou também Jhony Lecont, de 37 anos, acompanhado da esposa e do bebê de 2 anos do casal. No dia da inundação, a família deixou a casa em um barco da Polícia Militar gaúcha, largando tudo para trás.

    “Não sei para onde vou agora, todas as minhas coisas estão debaixo d’água. Vamos começar tudo de novo”, disse. Ainda assim, não pensa em sair de Porto Alegre ou voltar para o Haiti. “Está muito violento lá.”

    Sem documentos e sem destino

    Além de haitianos, o Rio Grande do Sul foi o terceiro estado que mais recebeu imigrantes no processo de interiorização dos venezuelanos, de acordo com a oficial de proteção do Acnur Silvia Sander. Ao todo, 21.035 venezuelanos foram para o Estado na operação.

    Além disso, de acordo com dados do Ministério da Justiça, entre 2011 e 2019, 14.063 refugiados tiveram empregos com carteira assinada no Rio Grande do Sul, o maior índice registrado no país.

    A maior parte dos refugiados em Porto Alegre vive em Sarandi, um bairro simples na zona norte da cidade e um dos que mais sofreu com as inundações depois do rompimento de um dique. São 26.042 moradores com suas casas debaixo d’água, o maior número entre os bairros da capital gaúcha.

    Hoje estão espalhados por diversos abrigos da cidade, em grupos de parentes e vizinhos, às vezes sem os documentos que deixaram para trás nas casas inundadas, o que traz uma preocupação adicional.

    A venezuelana Carina Gonzalez, de 27 anos, teve que deixar para trás uma mochila quando tentava sair de casa com água na altura do peito. Nela, estavam seus documentos e os da filha de 11 anos.

    “Eu fiquei meio enrolada com as mochilas, meu marido disse para eu largar a mochila ou a minha cachorrinha. Eu não ia soltar minha cachorrinha, soltei a mochila com meus documentos. Estou sem documentos e minha menina também. É a minha preocupação. Nós somos estrangeiros, sem o documento a gente não faz nada”, disse.

    O governo do Estado, as prefeituras e o governo federal estão fazendo mutirões para tirar novas cópias dos documentos de quem perdeu tudo, inclusive as próprias identidades. Mas ainda não chegaram em Carina e na filha.

    “Muita gente perdeu os documentos que tinham, por exemplo, a carteirinha do Registro Nacional Migratório, o documento provisório, dentre outros que são expedidos pela Polícia Federal, e agora vão precisar contar com a organização, por exemplo, de mutirões de emissão de documentos para que não fiquem indocumentadas aqui no Brasil”, comentou a oficial do Acnur.

    Carina, assim como o marido, Xavier Velazquez, de 30 anos, trabalham com carteira assinada, ela em um hotel, ele na construção civil — dois dos muitos estrangeiros que conseguiram colocações profissionais no Rio Grande do Sul. Por enquanto, os empregos estão garantidos, mas a preocupação de conseguir voltar ao trabalho é constante.

    Os dois, com a filha, entraram no Brasil por Pacaraima (RR), na fronteira com a Venezuela, em 2018. Lá, viveram um ano, morando na rua, esperando o visto humanitário dado pelo governo brasileiro, quando então conseguiram viajar para o Rio Grande do Sul.

    Depois disso tudo, o abrigo em que estão, em Porto Alegre, nem parece ruim, diz Xavier. O desejo é voltar logo para casa, mas não sabem como. “A gente nem sabe para onde vai, mas não temos destino agora”, disse.