Em quarta eleição, Netanyahu se equilibra entre o sucesso com vacina e corrupção
Israelenses escolhem nesta terça-feira a nova composição do parlamento; país teve quatro eleições em dois anos por conta de crises no governo
O rosto podia estar coberto por uma máscara, mas o prazer de Benjamin Netanyahu era visível no momento em que o chanceler austríaco Sebastian Kurz o elogiava pela condução do combate à pandemia. Naquele momento, durante um evento em Jerusalém no início deste mês, o primeiro-ministro era louvado pela campanha de vacinação no país, considerada líder mundial.
Kurz, que visitava Israel com a primeira-ministra dinamarquesa para discutir um pacto de vacina trilateral, deu crédito a Netanyahu por ter agido logo no início do surto de Covid-19. Depois de conversas e uma visita a um ginásio aberto só para pessoas que foram vacinadas ou se recuperaram da Covid-19, Áustria, Dinamarca e Israel anunciaram uma aliança para garantir o fornecimento de vacinas a longo prazo.
“Nunca me esquecerei do início de 2020, quando recebemos um telefonema e Bibi Netanyahu me disse que esse vírus seria uma grande ameaça para o mundo inteiro, para a Europa, e não sabíamos disso no momento”, contou o chanceler Kurz. “O senhor foi, talvez, a razão pela qual agimos tão cedo na Áustria, quando a primeira onda nos atingiu com força na União Europeia”.
Netanyahu reconheceu logo no início da pandemia que as vacinas poderiam salvar não apenas Israel, mas seu futuro político.
Por anos, Netanyahu se promoveu como o homem que transformou Israel em uma potência global de tecnologia. Agora, ao enfrentar na terça-feira (23) a quarta eleição em dois anos e com um julgamento de corrupção em andamento, o primeiro-ministro está se fiando em seu histórico de transformar Israel da “nação das start-ups” em “nação da vacinação”.
Netanyahu tornou pessoal o tratamento da pandemia no país, especialmente sua robusta campanha de vacinação. O primeiro-ministro apareceu quase todas as noites em anúncios transmitidos pela TV para todo o país nas primeiras semanas da pandemia, negociou obsessivamente vacinas com empresas farmacêuticas, recebeu as primeiras doses no aeroporto de Tel Aviv e foi vacinado no horário nobre da TV.
No início deste mês, Netanyahu saudou o país com passes “verdes” de vacinação contra a Covid-19 em um café recém-reaberto em Jerusalém, dizendo que Israel estava “ganhando a vida”. Trazer a sociedade israelense “de volta à vida” (seu último slogan de campanha) pode ser a melhor chance de Netanyahu de manter acesa sua longa carreira política. Ganhar seu sexto mandato como primeiro-ministro com maioria parlamentar poderia protegê-lo de um julgamento de corrupção em andamento e mantê-lo fora da prisão.
No momento em que os israelenses vão às urnas novamente, na terça-feira (23), a vida está começando a parecer normal no país, com escolas funcionando e restaurantes abertos novamente.
A questão agora é se os eleitores irão creditar a Netanyahu esse retorno à normalidade o suficiente para sacudir o impasse político que assolou o país nos últimos dois anos.
“Na política, julgamos o líder pelo resultado, ou seja, como o líder lidou com a crise e qual foi o seu resultado”, disse Aviv Bushinsky, ex-assessor de mídia de Netanyahu. No caso do programa de vacinas, acrescentou, “os israelenses estão muito felizes”.
O perigo das ondas
A pandemia do coronavírus andou lado a lado com uma crise política em Israel. O primeiro aumento nas infecções ocorreu em março do ano passado, poucas semanas após a terceira eleição do país em um ano e enquanto Netanyahu estava montando uma coalizão com Benny Gantz, o rival que se tornou seu parceiro.
Como observou o chanceler austríaco, Netanyahu agiu rapidamente para combater o surto, alertando publicamente sobre os perigos do vírus e efetivamente fechando Israel antes que o país registrasse sua primeira morte.
Cabines móveis implantadas nas ruas permitiram testes de Covid-19 facilmente acessíveis. Algumas pessoas com casos leves do vírus foram enviadas para se recuperar em instalações de isolamento estatais, geralmente hotéis convertidos para a ocasião. A Páscoa, um dos feriados judaicos mais importantes do ano, no qual as famílias se reúnem em grandes grupos para um grande jantar do seder, foi cancelada depois que os israelenses ficaram proibidos de se reunir em grupos ou viajar.
Em maio, depois de quase um ano e meio de impasse político, Netanyahu finalmente conseguiu empossar seu governo de coalizão, com um número sem precedentes de ministros e deputados. Com as taxas de infecção despencando, o governo começou a permitir o retorno da vida pública. Israel parecia ter encerrado a primeira onda com vitória. Enquanto países como a Itália já registravam dezenas de milhares de mortes até maio, o número de óbitos por Covid-19 em Israel na época era inferior a 300.
Mas, à medida que as pessoas voltaram para restaurantes e eventos como casamentos, o vírus também retornou.
Em julho, com os casos aumentando novamente, os críticos alertaram o que a abordagem do governo havia sido aleatória e inconsistente. Os índices de aprovação de Netanyahu despencaram. A frustração com a forma como Netanyahu lidou com a pandemia se espalhou e causou protestos em frente à residência do primeiro-ministro em Jerusalém, levando a polícia a usar jatos de água para dispersão.
Em setembro, Israel teve o pior índice de novas infecções per capita do mundo, e o país se envolveu em uma disputa política sobre quem era o culpado.
O professor Eran Segal, do Instituto de Ciência Weizmann de Israel, elogiou a resposta inicial do governo, mas disse à CNN que os erros começaram após o primeiro lockdown. Para o professor, a relutância em impor restrições direcionadas em nível local, especialmente em bairros ultraortodoxos e árabes, pode ter ajudado a propagação do vírus ainda mais.
“Provavelmente por uma variedade de razões, imagino que sejam muitas razões políticas, não tivemos sucesso em conter os contágios onde eles ocorreram”, opinou, disse Segal.
Embora seu partido, o Likud, tenha a maioria dos assentos no Parlamento israelense, chamado de Knesset, Netanyahu não foi capaz de formar uma coalizão governamental sem o apoio de vários partidos religiosos menores. Além disso, em algumas comunidades ultraortodoxas, as restrições do coronavírus nas reuniões foram recebidas com ceticismo, recusa e, em alguns casos, confrontos violentos.
Segal também criticou o teste decisivo de suas políticas de governo para lockdown estipulada no verão: caso fossem registrados 800 pacientes em estado crítico simultaneamente, o país seria fechado. Para ele, se Israel tivesse decretado lockdowns antes, teria havido menos óbitos e um período geral de lockdown mais curto.
Mas Netanyahu nunca assumiu a responsabilidade por qualquer falha em sua resposta à pandemia. Quando questionado em setembro sobre quem deveria arcar com a culpa pelo fracasso de Israel em conter o vírus, ele respondeu: “Não há falhas, apenas conquistas”.
O comentário marcou um tom notavelmente diferente daquele do presidente de Israel Rivlin apenas alguns dias depois, quando o chefe de Estado de Israel ofereceu um pedido de desculpas direto à nação.
“Eu sei que não temos feito o suficiente como liderança para sermos dignos de sua atenção. Vocês confiaram em nós e nós os decepcionamos”, declarou Rivlin. “Vocês, cidadãos de Israel, merecem uma rede de segurança dada pelo país. Os tomadores de decisão, ministérios governamentais e implementadores de políticas devem trabalhar para vocês e somente para vocês – para salvar vidas, para reduzir infecções, para resgatar a economia. Eu entendo a sensação de que nada disso foi feito de forma satisfatória”.
Com a aproximação do final de 2020, com Israel enfrentando uma terceira onda de infecções, o Knesset israelense desistiu das tentativas de aprovar um orçamento, levando à dissolução do Parlamento e desencadeando as eleições atuais. Os críticos de Netanyahu, que incluíam seu parceiro de coalizão Gantz, suspeitaram que o primeiro-ministro nunca pretendeu que o atual governo durasse muito. Agora. o líder israelense podia ver sua salvação política chegando ao virar da esquina.
Israel “de volta à vida”
No início da pandemia, Netanyahu pressionou para que Israel fosse um dos primeiros países a receber as vacinas contra a Covid-19, gabando-se de estar em contato regular com as principais empresas farmacêuticas e seus CEOs.
Embora ele tenha assinado um acordo antecipado com a Moderna, foi o contrato especial com a Pfizer – e seu CEO judeu Albert Bourla – que garantiu a posição de Israel como líder global em vacinas. Israel pagou um preço alto e recebeu as doses rapidamente. Em troca, está dando à Pfizer acesso aos dados do sistema de saúde centralizado de Israel para estudar a eficácia do imunizante. Israel não detalhou o preço exato por pessoa que pagou pela vacina da Pfizer, mas um comitê parlamentar revelou esta semana que o país já desembolsou 2,6 bilhões de shekels (cerca de R$ 4,34 bilhões) para “várias transações de vacinas” e espera gastar um valor semelhante para mais doses no futuro.
Apesar do envolvimento pessoal de Netanyahu, seus oponentes eleitorais, como o líder trabalhista Merav Michaeli, dizem que o sucesso da vacina de Israel não se deve apenas à capacidade de compra de Netanyahu, mas também ao sistema de saúde público de Israel, que Michaeli diz ter sido construído por governos de esquerda anteriores.
Mas Netanyahu está fazendo tudo o que pode para ficar com os créditos do programa de vacinas e seu sucesso, tornando-o uma parte central de sua nova campanha positiva e edificante de “volta à vida” – o que, para Bushinsky, é um distanciamento marcante das eleições anteriores.
“Nos últimos anos, a plataforma de Netanyahu sempre buscou usar a campanha do medo de que, se Netanyahu não estiver por perto, os iranianos desenvolverão a bomba, ou o Hamas ficará mais forte, ou o Hezbollah atacará”, relatou Bushinsky. “Acho que esta é a primeira eleição de que Netanyahu participa em que ele não está usando a campanha do medo, mas a campanha da esperança”.
Tempo e sorte também estiveram do lado de Netanyahu. Com o programa de vacinação começando no final de dezembro, Netanyahu teve pelo menos três meses entre a primeira vacina aplicada e o dia das eleições – tempo suficiente para a maioria da população ser vacinada e começar a sentir o gostinho da normalidade sob o programa “passe verde” do país.
“Alguns dizem que Deus tocou Netanyahu, que ele tem muita sorte”, disse Bushinsky. “Imagine se as eleições fossem há alguns meses, quando a maioria das pessoas não estava vacinada”.
Tzachi Hanegbi, um ministro do gabinete que serviu ao lado de Netanyahu por décadas, acha que os israelenses vão recompensar Netanyahu pela forma como ele lidou com o vírus.
“Acredito que, depois do ano do corona, as pessoas foram expostas de verdades às habilidades do primeiro-ministro de tirar Israel da Covid-19 com novas expectativas, trazer a vacinação a que todos têm direito e livrar milhões de israelenses da doença. Acredito que isso vai refletir no resultado”, afirmou Hanegbi.
Para Hanegbi, Netanyahu tem um “sentimento dentro de si de que está lá porque Deus o enviou para salvar o povo de Israel e conduzi-lo em tempos difíceis”.
“Acho que isso dá a ele o poder e o apoio do povo. Isso se chama carisma”.
Oren Lieberman, da CNN, contribuiu para esta reportagem.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).