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    Em dia de greve geral, militares ocupam hospitais e universidades de Mianmar

    No fim de semana, moradores relataram que forças de segurança invadiram áreas residenciais e efetuaram várias prisões noturnas para tentar reprimir os protestos

    Repressão militar contra protesto em Mianmar (03.mar.2021)
    Repressão militar contra protesto em Mianmar (03.mar.2021) Foto: CNN Brasil

    Hele Regan, da CNN

    Tropas militares de Mianmar ocuparam hospitais e universidades e aumentaram os ataques noturnos às vésperas de uma greve nacional, marcada para esta segunda-feira, para protestar contra o golpe militar, de acordo com relatos da mídia local. 

    Esse é o movimento mais recente da junta militar, que tomou o poder em 1° de fevereiro, para consolidar o controle do país em face dos protestos em massa e da resistência ao regime cada vez mais violento. Mais de 54 pessoas morreram vítimas da repressão aos protestos, incluindo muitos adolescentes e jovens, segundo as Nações Unidas. 

    Em muitos distritos da maior cidade, Yangon, no sábado e no domingo, testemunhas relataram sons de tiros e granadas de choque. Moradores aterrorizados assistiram a tudo e filmaram enquanto as forças de segurança invadiam áreas residenciais na cidade e efetuavam várias prisões noturnas. Moradores disseram à Reuters que a polícia disparou e não justificou os motivos para as prisões, que continuaram até a madrugada de domingo. 

    Um dos detidos nas batidas de sábado era um oficial do partido da Liga Nacional para a Democracia (NLD) de Aung San Suu Kyi. Khin Maung Latt morreu enquanto estava sob custódia, de acordo com o grupo de defesa Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos (AAPP) e a Reuters. 

    “Na noite de sua prisão, Khin Maung Latt foi torturado até a morte em sua cela”, disse a AAPP em um comunicado à imprensa no domingo. Relatos de hematomas na cabeça e no corpo de Khin Maung Latt levantaram suspeitas de que ele havia sofrido abusos, disse o legislador da NLD Myo Thein à Reuters. 

    A CNN não pôde verificar de forma independente essas informações e os detalhes em torno da morte de Khin Maung Latt não estão claros. 

    Latt havia trabalhado como gerente de campanha de um dos dois legisladores muçulmanos eleitos em 2020. Enlutados se reuniram para o funeral dele no domingo em Yangon. 

    Ocupação hospitalar 

    Ainda no fim de semana, tropas foram vistas ocupando hospitais e universidades em Yangon e Mandalay, de acordo com o site local Myanmar Now. Ativistas temem que a presença de militares nesses locais possa prejudicar o tratamento de manifestantes feridos ou possibilitar prisões. 

    Um funcionário do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) disse que pelo menos cinco hospitais estavam sendo ocupados na segunda-feira. 

    “Recebemos relatos confiáveis de hospitais ocupados em Mianmar hoje, incluindo pelo menos quatro hospitais em partes de Yangon e pelo menos um em Mandalay”, disse James Rodehaver, chefe da equipe do ACNUDH e Mianmar. 

    “Essa atividade é completamente inaceitável. Hospitais são locais protegidos pelo Direito Internacional Humanitário”. 

    Na segunda-feira, o grupo internacional Médicos pelos Direitos Humanos condenou a “invasão e ocupação de hospitais públicos e o uso de força excessiva desenfreada contra civis”. 

    “Se não era óbvio antes, está absolutamente claro agora: os militares de Mianmar não vão parar de violar os direitos do povo até que a comunidade internacional aja decisivamente para prevenir e responder por esses atos ultrajantes”, protestou o grupo em um comunicado. 

    A ONG Physicians for Human Rights disse que a ocupação militar de hospitais foi “uma violação da lei internacional – que só serve para minar ainda mais um sistema de saúde já comprometido pela pandemia de Covid-19 e pelo recente golpe de estados dos militares”. 

    “Este cerco generalizado a hospitais segue vários dias de ferimentos e vítimas civis proeminentes, e pode ser interpretado como uma tentativa direta de impedir o acesso a cuidados para civis”, disse um comunicado de Sandra Mon, do Centro de Saúde Pública e Direitos Humanos da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. 

    “Também é uma ameaça comparecer aos médicos para alertá-los contra o tratamento adicional de manifestantes feridos. Os militares de Mianmar têm impunidade, apesar de seus atos intencionais de terror noturno. Podemos estar vendo um aumento nacional na retaliação militar contra manifestantes e médicos pacíficos nos próximos dias.”

     Desde o golpe, as forças de segurança têm repetidamente alvejado trabalhadores médicos, muitos dos quais foram os primeiros a liderar o movimento de desobediência civil. Na semana passada, policiais e militares foram filmados forçando três trabalhadores de instituições médicas de caridade a saírem de uma ambulância antes de espancá-los brutalmente com armas e cassetetes. Houve casos em que funcionários de hospitais se esconderam depois que os manifestantes feridos foram transferidos para um hospital militar. 

    A força policial de Mianmar disse que as forças de segurança estão “protegendo” várias universidades e hospitais em todo o país “para o benefício do povo”, relatou o jornal estatal Global New Light of Myanmar. 

    Greve 

    Os sindicatos de Mianmar convocaram uma greve nacional para esta segunda-feira como parte de uma campanha de desobediência civil contra o golpe. Dezoito sindicatos das principais indústrias, incluindo agricultura, energia, mineração, construção, alimentos e transportes, pediram uma “paralisação total da economia de Mianmar”. 

    “As organizações trabalhistas de Mianmar estão unidas em apoio a uma extensa paralisação do trabalho em todo o país contra o golpe militar e pelo futuro da democracia no país”, diz um comunicado conjunto. “Ninguém pode forçar nenhum cidadão de Mianmar a trabalhar, não somos escravos da junta militar agora e nunca seremos”. 

    Enquanto isso, grupos de mulheres pediram que as pessoas comparecessem para marcar o Dia Internacional da Mulher e usassem seus Htamains (sarongues) como parte do movimento anti-junta. Imagens mostravam mulheres marchando com os sarongues – um pano típico do Sudeste Asiático – como bandeiras atrás delas, ou pendurados nas ruas em frente às barricadas. 

    Durante os protestos desta segunda-feira, pelo menos duas pessoas morreram na cidade de Mytkyina, no norte do país, depois que a polícia abriu fogo contra os manifestantes, de acordo coma Reuters, citando testemunhas. Vários outros ficaram feridos. 

    Fim de semana 

    A convocação para greve ocorre depois de manifestações massivas no domingo que foram reprimidas com violência pelos militares, de acordo com o Myanmar Now. Os relatórios afirmam que as forças de segurança dispararam balas vivas e de borracha em cidades de todo o país, incluindo Mandalay e Nyaung-U – perto da cidade antiga e Patrimônio Mundial da Unesco de Bagan.

    Militares de Mianmar foram filmados espancando um homem nas ruas de Mandalay e, em Nyaung-U, imagens obtidas pela Reuters mostraram forças de segurança em equipamentos de choque com escudos marchando pelas ruas atirando enquanto os manifestantes se protegiam.

    Imagens da mídia local mostram as balas nas mãos dos manifestantes que foram usadas contra eles. Testemunhas disseram à CNN que a polícia também segurava pequenos punhais, forçando os manifestantes a se dispersarem. 

    Pelo menos 1.790 pessoas foram detidas, presas, acusadas ou condenadas pela junta militar desde que ela tomou o poder, de acordo com o grupo de vigilância AAPP.

    A AAPP disse que a junta estava “aterrorizando intencionalmente os residentes com munição real em Yangon”.

    “Depois de repressões brutais contra protestos pacíficos no sábado pela polícia e militares, atos brutais continuaram noite adentro, invasões em áreas residenciais e casas, tiros e buscas e detenções ilegais”, disse AAPP.

    A violência contra os manifestantes atraiu centenas de milhares de pessoas para se juntar a manifestações e campanhas de desobediência civil em vilas e cidades em todo o país. Alguns deles eram policiais, que romperam as fileiras para se juntar aos manifestantes.

    Na semana passada, um oficial do estado de Chin – que faz fronteira com Índia e Bangladesh – solicitou a detenção e o retorno de oito policiais que buscaram refúgio no estado indiano de Mizoram.

    Na carta ao seu homólogo indiano, o vice-comissário no distrito de Falam, em Mianmar, disse que eles deveriam ser devolvidos “para manter relações amistosas”. De acordo com um documento obtido pela CNN, dos oito funcionários, quatro têm aproximadamente 20 anos.

    Em uma entrevista coletiva, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Anurag Srivastava, disse: “A partir de agora, estamos apurando os fatos. Voltaremos assim que tivermos mais detalhes.”

    Srivastava disse que a Índia está de olho na situação em Mianmar. “Estamos conversando com nossos países parceiros sobre isso. Já dissemos que a questão deve ser resolvida pacificamente”, disse ele.

    Enquanto isso, a Austrália disse que suspendeu um programa de cooperação bilateral de defesa com os militares de Mianmar após o golpe e a “escalada da violência e aumento do número de mortos”, disse a ministra das Relações Exteriores, Marise Payne.

    O programa foi restrito a áreas de não combate, como o treinamento da língua inglesa, mas foi criticado por grupos de direitos humanos por se envolver com os militares, apesar dos abusos e conflitos documentados em estados étnicos. Os críticos também citaram a ofensiva militar de 2017 contra civis Rohingya no estado de Rakhine, que forçou 740 mil pessoas a fugir para a vizinha Bangladesh e gerou um caso de genocídio no Tribunal Internacional de Justiça.

    Payne disse em um comunicado que o programa de ajuda da Austrália será redirecionado para “as necessidades humanitárias imediatas dos mais vulneráveis ??e pobres, incluindo os Rohingyas e outras minorias étnicas”.

    Philip Wang, Zahid Mahmood, Vedika Sud e Sarah Faidell, da CNN, contribuíram com a reportagem.

    Texto traduzido. Leia aqui a versão original em inglês.