Em cúpula dos Brics nesta semana, Putin retorna ao cenário mundial
Reunião do grupo pode oferecer imagem bem-vinda ao governo russo, alvo de inúmeras sanções desde o fim de fevereiro
Quando o presidente russo, Vladimir Putin, se conectar à cúpula virtual dos Brics organizada por Pequim nesta quinta-feira (23), será a primeira vez que participará de um fórum com chefes de grandes economias mundiais desde o início da invasão da Ucrânia.
Para Putin, isso pode oferecer uma imagem bem-vinda, com seu rosto na tela ao lado de outros líderes: Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia), Jair Bolsonaro (Brasil) e Cyril Ramaphosa (África do Sul). Um sinal de que a Rússia, embora castigada por sanções e protestos pela invasão, não está sozinha.
A mensagem pode ressoar ainda mais o encontro entre China e Rússia, semanas antes da invasão, onde declararam que seu relacionamento “não tem limites”.
Também pode destacar o fato que nenhum dos líderes dos Brics condenou a Rússia diretamente, mesmo tendo vários níveis de interesse em não serem vistos como apoiadores das ações – o que poderia gerar um conflito com amigos ocidentais.
A invasão de Putin provavelmente trará outra complicação para os Brics, um agrupamento de mais de uma década de grandes economias emergentes, que já sofre com a desconfiança entre os membros e ideologias incompatíveis.
Mas a decisão do grupo de avançar com sua 14ª cúpula anual reflete uma visão dos países sobre a ordem global e, por extensão, a situação na Ucrânia, que se afasta da do Ocidente, dizem especialistas.
“Estamos falando de algumas economias muito importantes cuja liderança está disposta a ser vista com Putin, mesmo que seja apenas em uma plataforma virtual”, disse Sushant Singh, membro sênior do Centro de Pesquisa de Políticas (CPR) em Nova Délhi.
“O fato de Putin ser bem-vindo. Ele não é um pária, não está sendo expulso, este é um compromisso normal, que ocorreu todos os anos e ainda está ocorrendo – isso é uma grande vantagem para Putin”, disse Singh.
Embora os países possam argumentar que envolver a Rússia é melhor do que a deixar de fora, a ótica só se torna mais nítida em contraste. A cúpula dos Brics é seguida dias depois pela reunião do G7. bloco das principais economias do mundo, que se uniu contra a agressão russa, e expulsou Moscou de seu bloco após a anexação da Crimeia em 2014.
Tempos turbulentos
Ao contrário do G7, espera-se que os Brics ajam com cuidado quanto ao assunto da Ucrânia na cúpula de quinta-feira, provavelmente falando a favor de uma resolução pacífica, mesmo que seus membros possam pedir cuidadosamente aos países ocidentais que examinem o impacto de suas sanções na economia global.
Pequim – a anfitriã deste ano e de longe a mais poderosa economia das cinco nações, que juntas representam cerca de um quarto do PIB mundial – parece focada em sua própria agenda: promover suas novas iniciativas globais de desenvolvimento e segurança e condenar o que vê como construção de “bloco” pelos Estados Unidos.
Os países dos Brics devem “fortalecer a confiança política mútua e a cooperação de segurança”, coordenar as principais questões internacionais e regionais, acomodar os interesses centrais uns dos outros e “opor-se ao hegemonismo e à política de poder”, disse Xi em discurso no mês passado, onde convocou o grupo a promover o desenvolvimento neste “período de turbulência e transformação”.
Algumas das crises desse período, como a insegurança alimentar e a crescente crise da dívida no mundo em desenvolvimento, são aquelas que o grupo – estabelecido em 2009 como um meio de “servir interesses comuns de economias de mercado emergentes e países em desenvolvimento” – deve abordar.
Desde a sua criação, os Brics, que adicionaram a África do Sul em 2011, estão unidos em pedir mais representação das principais economias emergentes no cenário mundial – e contra o que vê como um domínio desproporcional das potências ocidentais.
Também vimos os países discutindo questões como liquidar o comércio em suas próprias moedas – fora do sistema do dólar americano – uma questão que agora pode ter mais relevância após as sanções ocidentais à Rússia, de acordo com Shahar Hameiri, professor e economista da Universidade de Queensland, na Austrália.
Essas penalidades cortaram o banco central da Rússia da maioria das transações em dólares americanos e removeram as principais instituições do país dos sistemas bancários internacionais.
Assim os países que continuam a fazer negócios com a Rússia buscam maneiras de evitar a violação das sanções. Tanto a Índia quanto a China continuam sendo grandes compradores de combustível russo.
“Não haverá nenhum abraço total da Rússia (nesta cúpula), não há dúvida sobre isso, e tenho certeza de que haverá muita estranheza … Mas por trás disso, esses governos têm interesses compartilhados”, disse Hameiri.
“Qualquer tipo de medida longe de (um sistema denominado em dólar americano) é potencialmente significativo.”
Objetivos opostos
Apesar de alguns interesses comuns, os Brics têm sido atormentado por questões de coesão, dadas as enormes diferenças nos sistemas políticos e econômicos de seus membros e seus interesses geopolíticos divergentes.
Além disso, as complexidades da invasão da Ucrânia pela Rússia podem atenuar quaisquer resultados importantes da cúpula desta semana, mesmo que – com exceção do Brasil – as nações do grupo tenham se abstido de votar em uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas apoiada por 141 países que pediram a Moscou para se retirar da Ucrânia.
A China, por sua vez, acusou a Otan de provocar a Rússia a atacar a Ucrânia, enquanto uma retórica semelhante circulou no debate público na Índia. Na África do Sul, Ramaphosa, no início deste ano, disse aos legisladores que a guerra poderia ter sido evitada se a Otan tivesse “atendido as advertências” sobre a possibilidade de adesão da Ucrânia ao seu bloco.
E embora o Brasil tenha votado para condenar a agressão da Rússia contra a Ucrânia na ONU, Bolsonaro se esquivou – dizendo dias antes que o país permaneceria “neutro”.
Em circunstâncias normais, a China tomaria as medidas usuais – divulgando o grupo como “uma espécie de alternativa suave ao G7” e buscando “retratar os Brics como líderes para o mundo em desenvolvimento… contra o clube das democracias capitalistas ricas”. de acordo com o analista de relações sino-russas Alexander Gabuev.
“Agora é mais difícil de fazer por causa de Putin na sala”, disse Gabuev.
Enquanto isso, uma fonte de atrito interno de longa data dentro permanece sem solução: as tensões entre a Índia e a China, que em 2020 se transformaram em um violento confronto fronteiriço.
Por um lado, os Brics tem sido uma “maneira de garantir alguma forma de engajamento com a China” para a Índia, segundo Singh. Isso continua sendo crítico, pois Nova Délhi está cautelosa em provocar Pequim, especialmente porque fez parceria com os Estados Unidos, Japão e Austrália em seu grupo de segurança e é cada vez mais vista pelos EUA como parte de sua estratégia para combater a China, disse ele.
Mas esses laços também tornam a Índia mais reticente em apoiar os principais resultados da cúpula desta semana.
“Eu ficaria surpreso se qualquer iniciativa substantiva fosse anunciada, porque a Índia enviaria uma mensagem a seus parceiros ocidentais de que está disposta a trabalhar próxima à China e Rússia”, disse Singh. “Isso tornaria a posição da Índia muito complicada.”