Kamala navega entre Biden e Netanyahu enquanto considera posição sobre Israel
Provável candidata democrata enfrenta desafio de definir se apoia Israel, equilibrando independência e alinhamento com a política de Biden
Quatro dias após a semana mais consequente da vida política de Kamala Harris, ela enfrenta a questão de política externa mais tensa do país, encarando diretamente o primeiro-ministro israelense, que optou por nem mencioná-la em seu discurso ao Congresso na tarde de quarta-feira (24).
Até agora, Harris tem sido definida por trabalhar para o presidente Joe Biden, indiscutivelmente o presidente americano mais explicitamente pró-Israel, apesar de sua relação com Benjamin Netanyahu estar desgastada.
Mas agora que ela é a provável candidata democrata, Kamala Harris precisa definir que tipo de presidente quer ser – nesta e em outras questões, enquanto Biden permanece na Casa Branca tentando fechar um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, e com alguns ao seu redor pensando que reiniciar a normalização das relações com a Arábia Saudita pode ser um projeto de legado importante para o restante de seu mandato.
Harris não presidiu o discurso de Netanyahu ao Congresso, optando por manter uma viagem previamente agendada a um evento de uma irmandade em Indiana, enquanto protestos antissemitas surgiam perto do Capitólio dos EUA, onde cercas de proteção foram erguidas como nos dias seguintes ao motim de 6 de janeiro de 2021.
Nesta quinta-feira (25), ela deve receber Netanyahu em seu escritório cerimonial no Old Executive Office Building. Mas articular uma posição clara sobre Israel exigirá mais do que isso, segundo conversas da CNN com vários ex e atuais assessores, membros do Congresso e outros políticos.
“Não temos evidências suficientes”, disse Richard Haass, ex-presidente do Conselho de Relações Exteriores e oficial do Departamento de Estado de George W. Bush, quando perguntado sobre a posição de Harris em relação a Israel em comparação com Biden. “Qualquer um que diga que pode responder não é muito útil. Você não pode julgar uma pessoa quando ela é vice-presidente”.
Mesmo várias pessoas que conversaram profundamente com Harris sobre a política israelense responderam às perguntas da CNN – se, por exemplo, ela teria feito o mesmo que Biden ao enviar algumas e suspender outras armas para Israel – com uma série de pausas prolongadas e insistências de que é impossível julgar hipóteses.
Assessores dizem que ela deixará seus sentimentos mais claros na quinta-feira, após sua reunião com Netanyahu. Harris tentará enfatizar sua independência de Biden sem romper com ele, dizem pessoas que a conhecem, e tentará mostrar a mesma clareza que demonstrou ao atacar Donald Trump, em vez de se perder em uma tentativa confusa de agradar a todos não dizendo nada.
A incerteza sobre sua posição é tão alta que o marido de Kamala, Doug Emhoff, fez uma aparição surpresa em uma chamada de Zoom rapidamente organizada na tarde de quarta-feira pelo Conselho Democrático Judaico da América e Mulheres Judaicas por Kamala.
“Quero deixar isso claro: a vice-presidente tem sido e será uma forte apoiadora de Israel como um estado democrático e judaico seguro, e ela sempre garantirá que Israel possa se defender, ponto final. Porque é isso que Kamala Harris é”, disse Emhoff.
Mas a mudança está chegando, previu o senador Chris Murphy, de Connecticut, membro do Comitê de Relações Exteriores que tem sido crítico de Israel nesse período e observou o pensamento de política externa de Harris quando serviram juntos no Comitê de Inteligência do Senado.
“O presidente Biden trouxe para a Casa Branca uma relação de longa data com Bibi Netanyahu e uma história muito madura sobre o relacionamento EUA-Israel”, disse Murphy. “Este certamente parece ser um momento para uma reconsideração do relacionamento e para um novo pensamento sobre como abordar um cenário político israelense que está se movendo mais para a direita do que jamais poderíamos imaginar”.
Murphy acrescentou: “Acho que todos nos beneficiaríamos de um novo olhar sobre este conflito e a forma como os Estados Unidos poderiam tentar criar um estado palestino viável”.
Uma questão de se considerar sionista
Mas Harris tem tantas considerações diferentes sobre ela que um assessor não deu uma resposta direta quando perguntado se a vice-presidente se considera uma sionista – um termo que Biden novamente abraçou com orgulho há poucas semanas.
Isso reflete o quanto o sionismo, que por um século significou acreditar no direito de existência de uma pátria judaica, foi cooptado por forças anti-Israel, que argumentam que passou a simbolizar colonialismo e a morte de palestinos.
Isso também reflete a diferença de pensamento e retórica entre a nova líder do Partido Democrata e um presidente que fez da aliança com Israel uma de suas posições definidoras por 50 anos na política nacional.
“A vice-presidente tem sido uma forte e duradoura apoiadora de Israel como uma pátria segura e democrática para o povo judeu. Ela sempre garantirá que Israel possa se defender de ameaças, incluindo do Irã e de milícias apoiadas pelo Irã, como o Hamas e o Hezbollah”, disse Dean Lieberman, vice-conselheiro de segurança nacional de Harris, quando questionado se ela se considera sionista.
“Pode-se criticar políticas específicas do governo de Israel enquanto ainda se apoia fortemente o estado de Israel e o povo de Israel. E esse apoio a Israel de forma alguma conflita com a visão forte da vice-presidente de que o povo palestino merece liberdade, dignidade e autodeterminação”, concluiu ele.
Muitos observadores próximos veem um sinal de onde estão as inclinações de Harris em sua escolha de Phil Gordon como seu conselheiro de segurança nacional. Ex-funcionário da administração Obama, Gordon coescreveu em 2016 um relatório para o Conselho de Relações Exteriores que, sete anos antes dos ataques de 7 de outubro, começa:
“O relacionamento dos EUA com Israel está em apuros”. A raiz do problema, escreveram os autores, é que, enquanto os EUA e Israel costumavam concordar sobre as ameaças à segurança israelense e o que fazer sobre elas, agora essas ameaças se tornaram mais amplas e complicadas, e as opiniões sobre como enfrentá-las também.
Gordon viajou para a região desde 7 de outubro, realizando reuniões separadas das que o secretário de Estado, Antony Blinken, o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, e outros têm realizado.
Um funcionário profundamente envolvido com a política do governo Biden em relação a Israel disse que as diferenças de Harris serão fundamentais para impedir que o relacionamento geral piore.
“Ela será capaz de se comunicar com outra geração. Ela tem a capacidade, por quem ela é, de ser enormemente útil para nós, que nos preocupamos profundamente com Israel e como vamos superar esse desastre”, disse o funcionário. “Ela é o futuro do relacionamento entre nós e Israel”.
Substância x retórica
Assessores e aliados que conversaram com Harris – desde seus dias no Senado até estar na linha para quase todas as conversas que Biden teve com Netanyahu – insistem que substantivamente há pouca diferença entre ela e o presidente.
A diferença é retórica, mas essa diferença, dizem eles, é muito importante. Ela tem se preocupado desde logo após 7 de outubro tanto em expressar empatia pelos palestinos quanto em pensar nas repercussões políticas que podem surgir em casa da forma como Biden abraçou Netanyahu, figurativamente e depois literalmente em sua viagem a Israel duas semanas após os ataques.
Essa é a explicação, segundo assessores envolvidos, para a fúria que irrompeu da Ala Oeste em março sobre a forma como Harris pontuou um texto preparado que condenava tanto a “catástrofe humanitária” em Gaza quanto o Hamas.
Ela fez uma pausa longa após ler “deve haver um cessar-fogo imediato”, acrescentando depois o resto da frase aprovada: “pelas próximas seis semanas, que é o que está atualmente em discussão”.
Muitos democratas fora da Casa Branca fazem suposições otimistas de que ela se alinha com eles.
“Como a maioria dos americanos, a vice-presidente se enquadra no mainstream pró-Israel – em algum lugar entre a extrema direita de ‘Grande Israel’ e a extrema esquerda de ‘Palestina Livre'”, disse o deputado Ritchie Torres, um democrata de Nova York que se posicionou como um dos defensores mais inabaláveis de Israel.
Ele acrescentou que espera que essa posição se traduza em ser a favor de uma solução de dois estados, manter a ajuda à segurança e o financiamento do Domo de Ferro para Israel e apoiar os Acordos de Abraão negociados pela administração Trump.
Política complicada permanece
Apesar de todos os discursos de Biden que tiveram que ser interrompidos enquanto os manifestantes eram removidos das salas, a primeira semana de Harris efetivamente no topo da chapa não viu tal interrupção até agora. Isso não significa que a política disso esteja resolvida.
Abbas Alawieh – um delegado que conquistou uma vaga na convenção democrata porque representa algumas das 730 mil pessoas que votaram “não comprometido” nas primárias democratas do Michigan – disse à CNN na quarta-feira que permanece “muito curioso para saber como ela diferenciará uma política para Gaza“.
Alawieh disse estar esperançoso. No mínimo, ele acha que o partido sob a liderança de Harris não o fará mais se sentir “negligenciado, ignorado e em alguns casos difamado”, como aconteceu em uma ligação de delegados estaduais na noite de terça-feira, quando outra pessoa lhe disse para calar a boca quando ele tentou falar. O presidente do Partido Democrata de Michigan condenou esse comportamento em um e-mail aos delegados.
Enquanto isso, a Coalizão Judaica Republicana lançou um anúncio online na quarta-feira referindo-se repetidamente a Harris com uma versão mal pronunciada de seu primeiro nome e alegou falsamente que ela “se alinhou com os manifestantes pró-Hamas” e desprezou Israel por não comparecer ao discurso de Netanyahu no Congresso.
Trump também a acusou disso, dizendo em um comício na Carolina do Norte que “ela está fugindo de Israel” e “totalmente contra o povo judeu” por não comparecer. Nem o anúncio nem o candidato mencionaram que o senador de Ohio, JD Vance, também não compareceu ao discurso, embora ele não tivesse outra agenda pública, com o porta-voz da campanha Jason Miller dizendo à CNN que ele “tem deveres a cumprir como o candidato republicano à vice-presidência”.
Doug Emhoff é a chave
A conexão de Harris com essas questões vai além da política. Envolve a filha de Emhoff, que tem sido notavelmente ativa em causas pró-palestinas desde 7 de outubro. Isso tem surgido em jantares no Observatório Naval. E mais do que qualquer coisa, está enraizada no marido da vice-presidente.
Emhoff falou longamente sobre sentir um senso de dever, não apenas quando se tornou o primeiro cônjuge judeu de uma vice-presidente ou presidente, e canalizando isso para ajudar a desenvolver a estratégia do governo para combater o antissemitismo. Ele também falou sobre quanta dor sentiu pessoalmente após 7 de outubro.
Halie Soifer, CEO do Conselho Democrático Judaico da América, lembrou uma viagem a Jerusalém que fez com Harris e Emhoff em 2017, quando ela trabalhava no novo gabinete do Senado da democrata da Califórnia. Ela ainda tem fotos de Harris tirando um kippah, um pequeno chapéu circular tradicional entre os judeus, para Emhoff quando visitaram o Muro das Lamentações.
Soifer disse estar satisfeita de que Harris continua comprometida com Israel – mesmo após ouvir a resposta indireta sobre se a vice-presidente se considera sionista.
E Emhoff enfatizou que, mesmo com o início desta campanha, ele continuará falando sobre o judaísmo e Israel, como tem feito ao longo deste governo com o incentivo de sua esposa.
Na chamada de Zoom na quarta-feira, ele contou que não estava com sua esposa no domingo (21) quando Biden disse que estava saindo da corrida, usando um pouco de iídiche, idioma tradicional dos judeus, ao culpar “essa mishigas de voo” que o deixou preso em Los Angeles.
Então, ele fez uma promessa às 1.700 pessoas que ouviam: “Vou continuar vivendo abertamente como um judeu e talvez haja uma mezuzá na Casa Branca, como há na residência da vice-presidente”.