Eleição de Peña consolida direita no Paraguai e dá força para renegociar Tratado de Itaipu
Candidato governista também terá de lidar com a questão do reconhecimento de Taiwan em detrimento da China continental; Partido Colorado conquistou maioria nas duas casas do Congresso
A eleição de Santiago Peña consolida o poder da direita no Paraguai, e dá ao Partido Colorado um sólido mandato para renegociar o Tratado de Itaipu Binacional com o Brasil.
Poderia também dar ao ex-presidente Horacio Cartes, que dirige o partido, uma carta na manga para negociar com os Estados Unidos uma postura mais branda em relação aos seus supostos crimes, em troca de o Paraguai manter as relações diplomáticas com Taiwan.
“Foi a maior vitória do Partido Colorado desde a queda da ditadura”, avalia a analista política paraguaia Marta Ferrara, diretora-executiva da ONG Sementes para a Democracia, de Assunção.
O tradicional partido conquistou a maioria nas duas casas do Congresso e ganhou 15 dos 17 governos e assembleias estaduais.
“Foi uma derrota catastrófica para a oposição”, continua Ferrara.
A oposição de centro e de esquerda se dividiu. Como terceira força, emergiu o populista Paraguayo Cubas. Com isso, desbancou a esquerda, liderada pelo ex-presidente Fernando Lugo, que recebeu apoio do Brasil sob Dilma Rousseff quando sofreu impeachment, em 2012.
Efraín Alegre, do Partido Liberal, ficou em segundo lugar com 27% dos votos, contra 43% para Santiago Peña. Um resultado bem inferior ao das eleições anteriores, quando perdeu para o atual presidente Mario Abdo Benítez, também do Partido Colorado, por menos de 4 pontos percentuais.
Segundo a analista, Alegre perdeu votos ao abandonar o centro e se aliar à direita.
O Tratado de Itaipu completou 50 anos dia 26, e com isso pode ser renegociado.
“A principal conversa será a respeito do Anexo C, que se refere às bases financeiras e ao Custo do Serviço de Eletricidade”, observa o economista Julio Cesar Insaurralde, que foi controller da Itaipu por quase 13 anos.
A cada um dos países cabe 50% da energia produzida. Como o Paraguai não consome toda essa fatia, o contrato atual obriga o Paraguai a ceder ao Brasil a energia que não utiliza, a preço subsidiado.
O Paraguai gostaria de vendê-la a preço de mercado, inclusive para outros países. O Brasil, tradicionalmente, não aceita essa hipótese.
O consultor diz também que a parte do Anexo B sobre obras de desenvolvimento regional e navegação não foi cumprida. Uma eclusa não foi construída porque os dois países não tiveram capacidade de investimento. “Ou se dá em concessão ao setor privado, ou já não se fará mais.”
Insaurralde informa que, segundo dados oficiais, há 239 indústrias montadoras no Paraguai, das quais 70%, ou seja, 167, são brasileiras.
Ele diz que o objetivo é chegar a mil indústrias. E consumir toda a metade da energia produzida em Itaipu que cabe ao Paraguai em 2035.
O Paraguai é um dos 13 países que reconhecem Taiwan, em vez da China, que pressiona fortemente os países a mudar de posição.
“O Paraguai tem uma relação histórica com Taiwan, que representa benefício direto ao governo de turno no valor de US$ 50 a 100 milhões anuais, com disponibilidade muito flexível para os governantes”, descreve o analista Roberto Codás, da consultoria Desa, de Assunção.
Segundo ele, os Estados Unidos deixam claro para o governo paraguaio que a continuidade dessa relação diplomática entre Paraguai e Taiwan é de interesse americano. O que é curioso, porque os próprios Estados Unidos trocaram Taiwan pela China em 1979.
“Agora, a pressão por uma relação mais ampla com a China é muito maior, porque o Paraguai importa da China continental quase tudo o que consome internamente em equipamentos, maquinário, fertilizantes, etc.”, analisa Codás. Os exportadores paraguaios de soja, carne e açúcar também pressionam pela mudança, para poderem exportar diretamente para o mercado chinês, o que só fazem hoje por meio de intermediários.
A oposição defende uma aproximação gradual com Pequim, e o presidente eleito sempre disse que não faria isso. Entretanto, o analista político Enrique Vargas Peña, do jornal ABC Color, de Assunção, considera que isso poderia ser objeto de negociação entre o presidente do Partido Colorado, Horacio Cartes, e o governo americano.
Cartes foi submetido em janeiro a sanções americanas, sob acusação de contrabando, associação criminosa e apoio ao terrorismo. “Ele está em posição de negociar com os EUA o tema de Taiwan”, avalia Vargas: “Parem de me aborrecer, se não reconheço a China.”
O jornalista considera Cartes “o grande vencedor” dessas eleições. Ele fez campanha contra o ensino de questões de gênero nas escolas e as ameaças ao setor agropecuário, vindas da Europa.
No dia 7 de março, o Parlamento holandês aprovou moção em favor do bloqueio do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.
O principal motivo apresentado é o que chamou de “concorrência desleal” com os produtores de gado holandeses por causa das práticas supostamente adotadas pelos países do Mercosul, que causariam sofrimento aos animais e não são permitidas pela lei na Holanda. “Isso causou horror no Paraguai”, afirma o jornalista.
“A Concertação abraçou essas pautas”, acrescentou ele, referindo-se à frente de esquerda. Isso não a ajudou.