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    Deslocamentos pandêmicos: Europa e Oriente Médio

    Veja relatos de quem aproveitou laços com países europeus e do Oriente Médio, onde a oferta de doses é maior e o processo menos burocrático, para se vacinar

    Ana Carla Bermúdez, de Montevidéu; Edison Veiga, de Bled (Eslovênia); Eloá Orazem, de Los Angeles; , Fernanda Bassette, de São Paulo; e Juliana Sayuri, de Toyohashi (Japão)

    Ser vacinado em outro país é uma oportunidade que se busca ou que se apresenta em determinadas circunstâncias. A CNN mostra nesta série que essa oportunidade tem sido aproveitada por estrangeiros em vários países. Na Europa e no Oriente Médio, os relatos revelam histórias de quem, por questão de idade ou de um histórico de problemas de saúde, correu atrás da imunização contra a Covid-19.

    Mas também há casos como o de um pedreiro brasileiro que não perde trabalho ao mesmo tempo em que não deixa de tirar uns dias para garantir a vacinação. Contam ainda os laços culturais e históricos com países do Oriente Médio, como Israel e Líbano. Os casos mostram que, mesmo que não seja incentivado oficialmente, o deslocamento para a vacinação encontra brechas e se efetiva onde a oferta de doses é maior e menos burocrática.

     Destino: Reino Unido

    O paulista Lucas*, 36, trabalhava como pedreiro em Londres desde 2018. Apesar de admitir não estar com “toda a documentação em dia” — por isso pediu para ter o nome trocado nesta reportagem –, foi cadastrado no sistema público de saúde do Reino Unido, onde mais de 57% da população recebeu ao menos uma dose de vacina contra a Covid-19.

    Na última semana de março, decidiu ir a uma unidade de atendimento de saúde em busca de mais informações. “Disse que queria ter certeza de que iria ter vacina para mim quando chegasse minha vez”, conta. A atendente informou que ele poderia se cadastrar em uma lista para as “spare doses” – em bom português, a xepa.

    “Na hora, não entendi muito bem o que significava. Perguntei, e ela explicou: o frasco tem uma quantidade de remédio [no caso, o imunizante] suficiente para dez doses, não pode ficar um restinho de um dia para o outro”, relata. “Aí podia deixar meu nome para ser chamado para esse chorinho se rolasse, por ordem de preferência da lista. Se chamassem, tinha de ir no dia, já de tardinha. Como morava perto, achei uma boa ideia. De repente eu conseguia apressar minha vez, né?”

    Dois dias depois, o telefone tocou. Era uma enfermeira chamando Lucas, que correu para lá, feliz da vida, e tomou a primeira dose de AstraZeneca. O agendamento para receber a segunda dose ficou para dali a três meses, no final de junho.

    Deslocamentos: Lucas
    Foto: Arte CNN

    O que ele não contava é que, pouco tempo depois, teria uma oportunidade de migrar novamente. Como ele “não é de recusar trampo”, como diz, partiu na primeira semana de maio para trabalhar como pedreiro em uma grande obra na Espanha.

    Apesar da mudança, ele diz que não vai perder a chance de retornar e tomar a outra dose. “Já ajeitei tudo. Volto pra Londres só para isso. Meu nome já está no sistema, sou louco de recusar? Quero é tomar as duas logo para poder dizer bem alto: eu sobrevivi a essa Covid. Vou dizer em português, em inglês e até em espanhol, né?”, afirma.

    Não vai sair de graça essa injeção. Lucas já fez as contas. Além da passagem aérea (19 euros, ida e volta, pela companhia mais barata que opera o trecho), vai precisar levar um teste negativo do tipo PCR (100 euros) e “quarentenar” por dez dias quando chegar em Londres — considerando as regras em vigência hoje. “Esses dez dias eu tenho onde ficar, me arranjo na casa de amigos [que, caso aceitem o hóspede, também estarão sujeitos a cumprir a quarentena]”, diz Lucas. “Claro que é sempre ‘perder dinheiro’ ficar tanto tempo sem trampar.”

    No caso de Lucas, o deslocamento pode até ter cara de turismo para matar as saudades de seu lar londrino. Mas é um caso sui generis de quem só vai em busca da segunda dose.

    Destino: Sérvia

    Janez*, 42, um empresário do setor do turismo em Bled, na Eslovênia, recorreu à Sérvia para conseguir se vacinar antes. Para isso, teve a ajuda de um amigo. “Como meu trabalho envolve interação com muita gente no dia a dia e eu tive problemas de saúde nos últimos anos, inclusive pneumonia, entendi que era necessário ser vacinado o mais rápido possível”, comenta o empresário, que pediu para não ser identificado.

    “Meu amigo tem uma fábrica na Sérvia e me falou da possibilidade [da vacinação]. Ele pediu para um de seus funcionários preencher o formulário para mim, porque o documento estava em cirílico e nem eu nem ele somos fluentes”, conta.

    Segundo Janez, a única exigência era ter um número de celular sérvio. Para tanto, usou o de seu amigo no cadastro. Foi o amigo quem recebeu um SMS com a data e o endereço do centro de vacinação.

    Ele foi comunicado que poderia comparecer ao local em 27 de março, na cidade de Novi Sad. Dirigiu quase 1,2 mil quilômetros para ir e para voltar de carro. Só de combustível, gastou 120 euros. De pedágios, 44 euros. Nas fronteiras com a Croácia e a Sérvia, teve de apresentar um teste de Covid do tipo PCR feito antes de sair da Eslovênia, com resultado negativo – custou 100 euros. Passou a noite do dia 27 para o dia 28 em um hotel em Novi Sad – mais 48 euros.

    Deslocamentos: Janez
    Foto: Arte CNN

    “O local era um grande centro de conferências. Fui vacinado em minutos, um processo rápido e profissional. Em seguida foi emitido para mim um ‘passaporte verde’, com QR code”, narra Janez, que recebeu a AstraZeneca e tem a segunda dose agendada para o fim de junho.

    Segundo o empresário, nenhum documento sérvio foi solicitado, apenas a confirmação do número de telefone — no caso, um número que não era o dele. Conta que chegaram a perguntar o que ele fazia, mas desconversou, e não pediram mais detalhes. “No formulário [preenchido pelo funcionário do amigo], estava que eu trabalhava na empresa do meu amigo. Isso nem era necessário, outros disseram que apenas usaram o número de telefone sérvio e foram vacinados sem nenhum questionamento”, diz.

    “O curioso é que conheci um casal de brasileiros na mesma fila. Eles não falavam sérvio, e a enfermeira não falava inglês. Então ela solicitou que eu traduzisse a eles a explicação sobre os possíveis efeitos colaterais”, conta. “Foi quando eu descobri que eles eram do Brasil e tinham sido cadastrados [para a vacina] com ajuda de amigos sérvios, com telefones sérvios”, completa.

    A campanha de vacinação sérvia exigia dados pessoais com endereço de residência e um número de celular local no cadastro. Ou seja: na teoria, as vacinas ainda são reservadas aos moradores do país, sem abertura para turistas. Mas, de acordo com Janez, na hora da vacinação de fato, nada foi solicitado.

    Destino: Croácia

    Na borda do Espaço Schengen (área de livre circulação entre 31 países europeus) e banhada pelas águas do Mediterrâneo, a Croácia é um tradicional destino de férias de verão na Europa.

    Fortemente abalados pela pandemia, os hotéis de lá criaram incentivos para garantir ao menos parte da clientela: da possibilidade de remarcação da estadia em caso de imprevistos de saúde ou mesmo novas restrições para cruzar as fronteiras a auxílio para testagens de Covid-19 no país.

    “Providenciamos testes de Covid-19 por 20 euros por pessoa para nossos hóspedes e, em caso de necessidade, agendamos consulta online com médicos”, diz um comunicado da Valamar, uma rede de resorts e hotéis. “Em caso de alguém ter contraído covid-19, damos extensão grátis da estadia até a recuperação”, completa.

    Uma movimentação semelhante tem ocorrido por conta da vacina. Em abril, cerca de 70 mil trabalhadores do setor do turismo foram incluídos entre os grupos prioritários da vacinação. Extraoficialmente, entre empresários do setor hoteleiro já circula a possibilidade de que, caso seja possível adquirir doses na iniciativa privada — ou mesmo se a vacinação pública estiver adiantada o suficiente a ponto de o governo permitir –, os próprios hotéis ofereçam vacinação a quem quiser se hospedar lá.

    Destino: Israel

    Residir em Israel é um pré-requisito para ser vacinado no país. Quem migrou para lá no meio da pandemia acabou se beneficiando da eficiente campanha que imunizou cerca de 60% da população. Como judeus têm direito a pleitear cidadania, foram muitos os brasileiros que se deslocaram para lá recentemente, em busca de uma vida pós-covid o mais próximo possível da normalidade.

    Foi o caso do jornalista gaúcho Augusto Lerner Krieger, 29. Se estivesse no Brasil, considerando sua faixa etária, ele ainda nem conseguiria imaginar quando chegaria sua vez de se vacinar. Como mudou para Jerusalém em dezembro de 2020, conseguiu brindar a primeira dose da Pfizer em 1o de fevereiro e a segunda, 21 dias depois. “Se estivesse no Brasil ou em outro país não tão desenvolvido como Israel, não teria tomado a vacina até hoje”, afirma.

    Já a dona de casa catarinense Mariana Klein Erran Lenis, 27, transferiu-se para lá em janeiro, ao lado do marido e dos dois filhos pequenos, o mais velho de 4 anos e o caçula, que então contava apenas 9 meses. Ela recebeu a primeira dose da vacina em 7 de fevereiro, e a segunda, em 7 de março.

    Deslocamentos: Augusto Krieger
    Foto: Arte CNN

    “Um sentimento de paz e liberdade”, diz Mariana, sobre a tranquilidade de andar nas ruas israelenses. “Não precisamos mais andar de máscara nas ruas, com boa parte da população já vacinada. Esse sentimento é realmente incrível”, comenta ela, que vive em Berseba.

    Augusto e Mariana precisaram organizar um tipo de operação especial, já que atravessaram o Atlântico para entrar no pequeno país no meio da pandemia. Eles fizeram testes de Covid-19 antes do embarque no Brasil e na chegada a Israel. Negativados em ambos, foram levados a um hotel em Tel-Aviv, onde precisaram ficar confinados por 12 dias.

    “Eles (a equipe do sistema de saúde público) nos ligavam para saber como estávamos, sempre cautelosos com nossa família. Soldados nos deixavam comida e produtos de limpeza e higiene pessoal na porta do hotel. Fomos muito bem tratados”, conta Mariana. Todas as despesas foram bancadas pelo governo israelense.

    “Ter vindo para cá no meio da pandemia e ter conseguido me vacinar logo foi algo muito bom, muito importante, jamais vou me esquecer”, acrescenta Augusto. “Todo judeu tem direito a migrar para Israel e eu exerci esse direito.”

    Destino: Líbano

    O empresário do ramo hoteleiro Mohamad Khalil Hallak, 67, é libanês, mas mora em Cuiabá, Mato Grosso, desde os 14 anos. Como parte de seus familiares vivem no Líbano, ele costuma viajar com frequência para o país do Oriente Médio. A pandemia, no entanto, atrapalhou os planos de visitar a família em 2020, e a viagem foi adiada para 2021.

    Em fevereiro, Hallak se programou para visitar os filhos que nasceram no Brasil e estudam no Líbano. Pagou US$ 1.100 (R$ 5.800 reais em média) na passagem aérea de ida e volta. Antes de viajar, teve de apresentar um exame PCR negativo para Covid-19 para poder embarcar. Ao desembarcar, um novo exame foi colhido — em caso de resultado positivo, receberia uma ligação e teria de cumprir quarentena. Caso o resultado fosse negativo, estaria liberado. “O meu exame deu negativo, graças a Deus, mas mesmo assim fiquei uns quatro dias isolado no quarto”, conta.

    Deslocamentos: Mohamad Hallak
    Foto: Arte CNN

    Ao saber que o governo estava vacinando a população idosa, na qual ele se encaixa, resolveu se inscrever com sua identidade libanesa para ser imunizado. Dias depois, recebeu a resposta com data e hora marcadas para a primeira dose da Pfizer: 29 de abril. A próxima foi agendada para o dia 3 de junho. Hallak celebrou o fato de ter recebido o imunizante em seu país de origem, que aplicou ao menos uma dose em 10% da população. 

    “Estamos lidando com um vírus traiçoeiro, invisível, que surgiu de repente. Não tenho plano de saúde no Brasil. Aqui no Líbano, minha cidade tem cerca de 5 mil habitantes. Se acontecer alguma coisa, aqui estou perto da minha família”, disse o empresário, que só pretende voltar ao Brasil no final de junho.

    Destino: Emirados Árabes

    Passar as festas de fim de ano na casa da filha e ver os netos foi o que levou a massoterapeuta brasileira Elizete Terezinha Alves Lavor, 65, a Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes. Ela embarcou em novembro de 2020, pouco depois de terminar um tratamento contra o câncer de mama.

    Ao desembarcar, precisou cumprir o protocolo rigoroso de quarentena para estrangeiros: usou uma pulseira eletrônica durante 15 dias, exigência do governo para ter certeza de que quem chega ao país respeita as regras de isolamento.

    Deslocamentos: Elizete Lavor
    Foto: Arte CNN

    Com a vacinação adiantada na população residente – cerca de 40% está imunizada –, a notícia da possibilidade de receber vacinas no país não demorou a circular entre os grupos de brasileiros. Elizete, que estava a passeio, tentou a sorte.

    Em janeiro, foi a uma das tendas de vacinação, munida de passaporte e comprovante de residência de sua filha. Preencheu um formulário com dados pessoais e pouco tempo depois foi chamada para receber a vacina do laboratório chinês Sinopharm. Em fevereiro, tomou a segunda.

    “Mostrei o passaporte com o visto de turista e não me perguntaram absolutamente nada. Fiquei mais tranquila e me senti mais segura, ainda mais por ter a imunidade mais baixa por causa do tratamento do câncer”, diz Elizete, que não deixa de usar máscara, de manter o distanciamento social e de carregar álcool em gel quando precisa sair. “Se fosse esperar para ser vacinada no Brasil, talvez fosse vacinada só agora.”

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