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    Cubanos são seduzidos por promessas de dinheiro e cidadania para lutar pela Rússia na guerra contra a Ucrânia

    Dificuldade em manter uma vida digna no país caribenho - que enfrenta estagnação econômica, aumento da inflação e a renovação das sanções dos Estados Unidos - explica a facilidade no recrutamento

    Patrick Oppmannda CNN

    Durante meses, centenas de cubanos deixaram discretamente seu país de origem para lutar pela Rússia na guerra da Ucrânia, perseguindo promessas de dinheiro e cidadania russa de recrutadores digitais, disseram familiares à CNN.

    Em grande parte de Cuba, a economia estagnou à medida que a ilha sofre com uma queda acentuada no turismo, aumento da inflação e a renovação das sanções dos Estados Unidos.

    Em locais como Santa Clara – uma cidade com cerca de 250 mil habitantes, que sofre com apagões frequentes e de várias horas de duração, de paisagem com mais carroças do que carros – havia aparentemente um número ilimitado de homens insatisfeitos para recrutar.

    Homens como Miguel, que em julho viajou para a Rússia e logo depois esteve na linha de frente da guerra com a Ucrânia, disse sua mãe Cecília à CNN.

    “Meu filho ganhava cerca de 2.000 pesos por mês trabalhando em Santa Clara”, disse ela. “Você não pode comprar uma caixa de ovos com isso agora. Ele só queria tornar nossas vidas melhores”.

    Cecilia afirmou ter medo de represálias russas contra seu filho e pediu à CNN que não identificasse nenhum dos dois e usasse pseudônimos em vez de seus nomes verdadeiros.

    Depois que seu filho respondeu a uma postagem no Facebook procurando cubanos para trabalhar como cozinheiros e trabalhadores da construção civil na Rússia, Cecília disse que duas mulheres entraram em contato com ele via WhatsApp.

    Cecilia disse que ouviu algumas ligações e uma das mulheres falava espanhol com sotaque russo. A segunda mulher era cubana.

    Em uma semana, disse Cecília, Miguel assinou um contrato para trabalhar no reparo de infraestruturas danificadas pela guerra e as mulheres enviaram uma passagem de avião de Varadero (Cuba) para Moscou.

    A bordo do avião, Miguel disse a ela que viu dezenas de outros jovens em idade militar que tinham sido recrutados, incluindo dois primos distantes.

    A princípio a aventura de Miguel parecia estar valendo a pena. Ele enviou dinheiro para sua mãe e sua avó idosa, o que lhes permitiu comprar itens como carne e café.

    Ele mandou uma mensagem para sua mãe com fotos da comida que estava comendo: pizza e sorvete. “Eles estavam o engordando para o abate”, disse Cecília.

    Na última vez que conversaram por videochamada, Miguel estava com a cabeça raspada e vestia uniforme militar russo, disse ela. Ele ia para o front, mas disse à mãe para não se preocupar e até a colocou ao telefone com seu comandante, também cubano, que prometeu que cuidaria do rapaz.

    Mas logo Miguel disse à mãe que queria voltar para casa. “Ele viu o que você vê em uma guerra”, disse Cecília. “Ele disse que viu feridos, que ao hospital chegavam pessoas com braços e pernas faltando.”

    Miguel queixou-se de doenças para evitar ter de lutar, mas os superiores russos não aceitaram as desculpas. Na última vez que Miguel falou com a mãe, no início de setembro, disse que os oficiais russos tinham tomado seu telefone como castigo e que ele teve de subornar um deles para poder ligar.

    “Ele disse ‘Mamãe, estou na linha de frente na Ucrânia’. Ele está lá, onde é perigoso”, lembrou Cecília. “Eles estão lá para proteger as tropas russas. Eles são bucha de canhão.”

    A situação dos recrutas cubanos como Miguel é ainda mais complicada pelo anúncio das autoridades cubanas de que tratariam os cidadãos que lutam pela Rússia como mercenários ilegais e os recrutadores online como traficantes de seres humanos.

    “Cuba não faz parte do conflito de guerra na Ucrânia”, afirmou um comunicado do Ministério das Relações Exteriores de Cuba. “Atua e atuará com rigor contra quem, desde o território nacional, participe de qualquer forma de tráfico de pessoas para fins de recrutamento ou mercenarismo para que os cidadãos cubanos utilizem armas contra qualquer país”.

    Um programa especial dedicado ao caso na TV estatal cubana apresentou entrevistas com autoridades dizendo que uma rede de 17 pessoas, incluindo supostos mercenários e traficantes, haviam sidos presas e, se condenadas, poderiam enfrentar penas que variam de 30 anos de prisão até a sentença de morte.

    Veja também: Imagens mostram a destruição da guerra entre Rússia e Ucrânia

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    Em Santa Clara, Pedro Roberto Camuza Jovas disse à CNN que um de seus filhos viajou para a Rússia durante o verão e um segundo foi preso por agentes de segurança de Cuba em setembro, antes de poder embarcar no avião e seguir o irmão para a guerra.

    “Ele foi enganado”, disse Camuza. “Espero que levem isso em conta e avaliem porque, como ele, há muitos outros. O que quer que o promotor decida, pelo menos ele está em Cuba. O outro, espero que me ligue.

    O Ministério da Defesa da Rússia não respondeu aos pedidos da CNN para comentar o recrutamento de cubanos para lutar na Ucrânia.

    Os meios de comunicação russos publicaram histórias de cubanos que aderiram ao esforço de guerra em troca de promessas de cidadania russa e de salários mensais de 200 mil rublos, pouco mais de 2 mil dólares.

    Mensagens conflitantes

    O recrutamento aberto ameaçou prejudicar as relações da Rússia com o seu antigo aliado da Guerra Fria, Cuba.

    Desde o início da guerra, as autoridades cubanas têm ecoado cada vez mais a propaganda russa de que a agressão da OTAN foi a culpada pela invasão da Ucrânia. A Rússia, por sua vez, enviou mais remessas de petróleo bruto para a ilha e prometeu maior investimento estrangeiro.

    Ainda assim, as autoridades cubanas têm demonstrado que recusam envolvimento direto na guerra, impedindo que seus cidadãos sirvam nas forças armadas russas sem aprovação explícita do estado.

    Mas mensagens confusas rapidamente deixaram perplexos até mesmo observadores experientes de Cuba.

    Na quinta-feira (14), o embaixador de Cuba em Moscou foi citado pelos meios de comunicação russos. Ele teria dito que Cuba não se opõe à “participação legal” dos seus cidadãos na operação especial russa na Ucrânia, desde que não tenham sido recrutados por terceiros.

    “Não temos nada contra os cubanos que querem assinar um contrato e participar legalmente nesta operação com o exército russo. Mas nos opomos à ilegalidade”, disse o embaixador de Cuba na Rússia, Julio Garmendía Peña, referindo-se aos esforços de recrutamento online, segundo a agência estatal de notícias RIA Novosti.

    Sem responder diretamente aos comentários de Garmendía, horas depois, o ministro das Relações Exteriores cubano, Bruno Rodríguez Parrilla, voltou a emitir um comunicado dizendo que os cidadãos cubanos em nenhuma circunstância estavam autorizados a lutar no exterior.

    Nos bastidores, as autoridades cubanas indignaram-se com o fato de os comentários do embaixador terem sido uma distração no momento em que diplomatas cubanos se reuniam com autoridades norte-americanas em Washington e um dia antes de Havana acolher a reunião do G77+China dos países em desenvolvimento.

    “É uma comédia de erros”, disse Pedro Freyre, um advogado cubano-americano que se reuniu frequentemente com autoridades em Havana durante a distensão da era Obama. “Seria engraçado, exceto pela infeliz circunstância de que jovens cubanos estão sendo expostos à morte.”

    Para os cubanos que lutam por dinheiro no outro lado do mundo, as suas escolhas por ora parecem ser o exílio numa zona de guerra, um processo e uma longa pena de prisão no seu país.

    Quando informada pela CNN sobre as declarações conflitantes das autoridades cubanas, Cecília respondeu com uma pergunta. “O que acontecerá com meu filho?”

     

     

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