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    Coreia do Norte, Tanzânia e Turcomenistão: onde a pandemia virou ‘ficção’

    Coreia do Norte, Tanzânia e Turcomenistão escondem dados sobre a Covid-19 em seus territórios e preocupam autoridades sanitárias globais

    Pessoas usam máscaras na capital da Coreia do Norte, Pyongyang
    Pessoas usam máscaras na capital da Coreia do Norte, Pyongyang Foto: REUTERS

    Laura Smith-Spark, da CNN

    No ano passado, países em todo o mundo compartilharam dados sobre casos e mortes de Covid-19 com a Organização Mundial da Saúde (OMS). As informações são cruciais para avaliar a luta global contra a doença.

    No entanto, três países se destacam por parecerem menos do que transparentes ou por negarem a escala do problema.

    A Tanzânia, nação da África Oriental, não atualiza seus dados da Covid-19 desde o início de maio, mantendo o último número de casos confirmados relatados em 509 e o número de mortos em 21.

    O Turcomenistão, país da Ásia Central, um estado secreto e altamente autoritário, “não relatou nenhum caso de Covid-19 à OMS até agora”, de acordo com uma declaração da OMS. Mas grupos de direitos humanos dizem que a doença está se espalhando amplamente por lá.

    Da mesma forma, a Coreia do Norte não registrou um único caso de Covid-19. A maioria dos especialistas considera essa afirmação suspeita. O recluso país testou apenas uma fração de sua população de quase 26 milhões de habitantes e tem uma fronteira compartilhada com a China, onde a pandemia começou.

    A doutora Dorit Nitzan, diretora regional de emergência do Escritório Regional da OMS para a Europa, disse à CNN que 14 países não relataram nenhum caso até agora, acrescentando que a organização “não pode verificar de forma independente se nenhum caso relatado representa a verdadeira ausência de casos ou não”.

    O Painel da Covid-19 da OMS não faz distinção entre países que relataram nenhum caso do vírus e países que não enviaram nenhum dado. No entanto, em contraste com o Turcomenistão e a Coreia do Norte, os outros locais de caso zero são comunidades insulares pequenas e isoladas, como Santa Helena, Kiribati e Tuvalu.

    “Encorajamos todos os países a compartilhar dados, publicamente ou com a OMS, pois isso nos permite rastrear a doença de forma global”, acrescentou Nitzan. “Como a Covid-19 é uma doença transmissível, o rastreamento dos casos é especialmente importante, auxiliando em uma resposta rápida e apropriada de saúde pública”.

    O presidente da Tanzânia, John Magufuli, minimizou repetidamente o vírus, exortou os cidadãos a “orar para que o coronavírus desaparecesse” e recomendou curas bizarras. Ele também se recusou a adquirir vacinas da Covid-19 para a população de 58 milhões, dizendo que elas são “perigosas” e “não são boas para nós”.

    Mas a morte de duas autoridades tanzanianas nas últimas semanas minou suas afirmações e há sinais de que a Tanzânia pode estar mudando sua posição.

    A Embaixada dos Estados Unidos na maior cidade do país, Dar es Salaam, alertou que os casos aumentaram significativamente desde janeiro. Na semana passada, o embaixador dos EUA na Tanzânia afirmou que era “crítico coletar e relatar informações sobre testes e casos” e exortou os especialistas em saúde da Tanzânia a revisar as evidências sobre vacinas.

    O doutor Peter Drobac, especialista em saúde global da Saïd Business School da Universidade de Oxford, na Inglaterra, disse à CNN que a pandemia deixou claro “quão crítica é a liderança e quão perigoso é ter líderes que não estão dispostos a admitir o problema e unir as pessoas para responder”.

    Segundo ele, um exemplo é como as mensagens confusas ou o negacionismo no ano passado em torno de intervenções básicas, como o uso de máscaras, ajudaram a alimentar a rápida disseminação do vírus nos Estados Unidos e no Brasil, levando a muitas mortes evitáveis.

    Mas esses países estavam rastreando os dados da Covid-19, e sofreram pressão para agir, disse Drobac. “O que é realmente preocupante em lugares como a Tanzânia é que nem mesmo temos esses dados”.

    OMS: “ação robusta”

    A OMS deu o passo incomum de visitar duas vezes a Tanzânia nas últimas semanas para começar a colher dados transparentes.

    Casos envolvendo tanzanianos infectados em viagem ao exterior enfatizaram a necessidade de uma “ação robusta”, como disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em um comunicado de 20 de fevereiro.

    Duas pessoas que viajaram da Tanzânia para o Reino Unido eram portadoras da variante B.1351, detectada pela primeira vez na África do Sul, que parece ser mais transmissível do que outras versões do vírus, e pode escapar de parte da proteção imunológica oferecida pelos anticorpos.

    “A OMS ainda não recebeu nenhuma informação sobre quais medidas a Tanzânia está tomando para responder à pandemia”, disse Tedros. “Eu renovo meu apelo para que a Tanzânia comece a relatar os casos de Covid-19 e compartilhar dados”.

    Um dia depois do apelo de Tedros, Magufuli disse aos frequentadores de igrejas em Dar es Salaam que eles deveriam se proteger, mas usar “máscaras produzidas localmente em vez de importá-las de fora, pois não são seguras”. O presidente também insistiu que os tanzanianos deveriam usar recursos locais para lutar contra problemas respiratórios, incluindo inalação de vapor, e continuar a confiar na oração.

    John Magufuli
    John Magufuli, presidente da Tanzânia
    Foto: REUTERS

    Em uma postagem no Instagram no mesmo dia, a ministra da saúde da Tanzânia, doutora Dorothy Gwajima, incentivou o uso de ervas tradicionais para combater doenças infecciosas e atacou rumores que circulavam online de que uma segunda onda de coronavírus estava matando muitos tanzanianos. Gwajima não respondeu a um pedido de entrevista da CNN.

    Entretanto, há sinais de que seu ministério pode estar evoluindo em sua mensagem. Em 25 de fevereiro, o embaixador dos EUA na Tanzânia tuitou que estava “satisfeito em ver o Ministério da Saúde agora instando os tanzanianos a tomarem medidas preventivas mais fortes contra a Covid-19, incluindo o uso de máscara, evitando multidões e distanciamento social”.

    Ele tuitou capturas de tela de uma declaração do Ministério da Saúde datada um dia antes, dizendo que era “muito importante para nós aumentarmos os esforços de tomar precauções”, exortar os tanzanianos a “usar as máscaras certas e certificar-se de usá-las adequadamente, especialmente ao participar de reuniões”. O embaixador também disse que os comunicados instruíam as pessoas a evitar reuniões desnecessárias, inclusive em locais de transporte público.

    As medidas provavelmente serão bem-vindas por especialistas globais em saúde. A negação traz grandes riscos, de acordo com o doutor Drobac, de Oxford, sendo o primeiro deles o custo humano dentro do próprio país.

    Em segundo lugar, disse ele, “há a chance real de ter incêndios fora de controle no fogo mais amplo da pandemia. Nenhum de nós está seguro em qualquer lugar até que todos nós estejamos seguros em todos os lugares”.

    Isso torna os países vizinhos da Tanzânia, como Quênia e Ruanda, “muito vulneráveis” e pode minar os grandes sacrifícios que eles e outros fizeram para tentar conter a Covid-19.

    Outro risco é o da disseminação descontrolada do vírus, levando ao surgimento de variantes que podem reduzir a eficácia das vacinas contra a Covid-19.

    Turcomenistão

    No Turcomenistão, uma ex-república soviética rotulada como uma das nações mais repressivas do mundo pela Human Rights Watch (HRW), as autoridades restringiram as viagens e pediram distanciamento social e uso de máscaras. Mas não afirmaram que isso ocorre porque Covid-19 é circulando no país.

    No meio do ano passado, o governo afirmou que máscaras são necessárias para proteger contra “a poeira” transportada pelo ar.

    O Relatório Mundial 2021 da HRW acusou o governo turcomano de ter “negado de forma imprudente e mal administrado a epidemia de Covid-19 dentro do país”, agravando uma crise alimentar pré-existente, e disse que havia “coagido” os profissionais de saúde ao silêncio sobre a propagação do vírus.

    A Embaixada dos EUA no Turcomenistão afirma em seu site que recebeu relatórios “de cidadãos locais com sintomas consistentes com Covid-19 passando por testes de coronavírus e sendo colocados em quarentena em hospitais de doenças infecciosas”. Segundo a embaixada, o Turcomenistão “pode não estar inclinado” a reconhecer oficialmente quaisquer casos que sejam confirmados.

    Diana Serebryannik, diretora do grupo europeu de exilados Direitos Humanos e Liberdades de Cidadãos do Turcomenistão, descreveu a situação no país como um “desastre”, pois o governo se recusou a reconhecer Covid-19, deixando os doentes sem acesso a cuidados adequados e a maioria dos médicos sem o conhecimento básico para tratá-los.

    Funcionária da saúde na Tanzânia
    Funcionária da saúde na Tanzânia
    Foto: REUTERS

    Seu grupo, que inclui dois médicos turcomanos, montou um serviço online que oferece consultas a pessoas dentro do Turcomenistão que adoeceram com a suspeita de Covid-19. Segundo Serebryannik, até agora mais de 3.500 pessoas contataram o grupo.

    “Não há reconhecimento desse vírus dentro do país. E o problema é que o tratamento para a Covid é bastante caro e algumas pessoas que estão em contato conosco não podem pagar”, afirmou, mencionando os altos custos nas farmácias com medicamentos importados. “Algumas pessoas enfrentam a escolha de comprar comida ou algum tipo de medicamento. É um problema enorme”.

    Também há suprimentos insuficientes de oxigênio, o acesso a respiradores mecânicos é limitado e os médicos não têm equipamentos de proteção individual.

    Como conta a diretora, testes para Covid-19 estão sendo feitos, mas apenas duas ou três semanas depois que os pacientes doentes procuram atendimento, gerando sempre resultados negativos. Nenhum teste de anticorpos está sendo conduzido, ela acrescentou.

    Rachel Denber, vice-diretora da Europa e Ásia Central da HRW, disse à CNN que a negação do governo de qualquer caso de Covid-19 no Turcomenistão era “completamente falsa”.

    “O governo ou enfiou a cabeça embaixo da terra ou está sendo intencionalmente imprudente, mas o resultado é o mesmo: a miséria em massa. Não há política para reconhecer e lidar com a Covid e não há políticas para lidar com a insegurança alimentar e a pobreza que precedeu o coronavírus e só piorou desde então”, lamentou.

    É difícil obter informações de dentro do Turcomenistão, que tem uma população de quase 6 milhões, mas nenhuma mídia independente, de acordo com o grupo de vigilância independente Freedom House. Mas, para Denber, “houve surtos muito significativos de Covid-19 e momentos em que o número de funerais, de acordo com fontes locais, estava bem acima do que a média normal”.

    As mensagens de saúde pública que promovem medidas como o distanciamento social foram diluídas porque não estão vinculadas à Covid-19. “Curiosamente, isso está combinado com muita pressão e intimidação contra os profissionais de saúde para não falar sobre a Covid-19, não reconhecer que há casos, não falar sobre o que estão vendo em seus hospitais”, acrescentou Denber.

    O Ministério da Saúde do Turcomenistão ainda não respondeu a um pedido da CNN para comentar sobre a presença da Covid-19 no país.

    Uma declaração do Ministério da Saúde em janeiro afirmou que o Turcomenistão foi o primeiro país da Ásia Central a registrar a vacina russa Sputnik V contra a Covid-19.

    Uma equipe da OMS que visitou o país em julho passado disse que o Turcomenistão “não relatou nenhum caso confirmado de Covid-19 à OMS até o momento”. Mas a líder da equipe, doutora Catherine Smallwood, escreveu que a OMS “aconselha a ativação de medidas críticas de saúde pública no Turcomenistão como se a Covid-19 estivesse circulando”.

    Em agosto, a OMS expressou preocupação sobre um aumento nos casos de pneumonia atípica no Turcomenistão e exortou o presidente Gurbanguly Berdymukhamedov a permitir a realização de testes independentes de coronavírus no país.

    Um homem de 26 anos, Nurgeldi Halykov, que publicou uma imagem da equipe da OMS no país em julho para o Turkmen.news, um site da Holanda, foi condenado a quatro anos de prisão em setembro. Segundo a ONG Repórteres sem Fronteiras a acusação ao delator foi uma fraude.

    Nitzan, da OMS, disse: “Embora o Turcomenistão não tenha relatado nenhum caso de Covid-19 à OMS até o momento, o país ativou medidas para prevenir a transmissão de infecções respiratórias dentro das comunidades. Desde julho de 2020, o país também introduziu e determinou medidas de proteção individual e, às vezes, medidas sociais restritivas como se a Covid-19 estivesse circulando”.

    “A OMS continua a trabalhar em estreita colaboração com as autoridades governamentais no Turcomenistão com o apoio direto de seu escritório no país para avaliar as necessidades de saúde e implementar ações relacionadas à Covid-19”, concluiu.

    Coreia do Norte

    Pessoas usam máscaras na capital da Coreia do Norte, Pyongyang
    Pessoas usam máscaras na capital da Coreia do Norte, Pyongyang
    Foto: REUTERS

    Há também questões sobre a precisão dos dados da Coreia do Norte.

    Um relatório da OMS publicado em 8 de janeiro deste ano disse que a Coreia do Norte afirmou ter testado 13.257 pessoas e não encontrou nenhum caso positivo de Covid-19. O relatório foi baseado nos dados de 15 laboratórios da Coreia do Norte que o Ministério da Saúde Pública da Coreia do Norte forneceu à OMS.

    Nenhuma atualização foi emitida desde então.

    A prioridade da Coreia do Norte desde o surgimento da pandemia no ano passado tem sido impedir que o coronavírus sobrecarregue sua infra-estrutura de saúde dilapidada.

    Isso é provável porque a Coreia do Norte cortou quase todos os seus laços com o mundo exterior em 2020 para evitar casos de Covid-19, incluindo o corte de quase todo o comércio com o governo da China, uma tábua de salvação econômica de que o país pobre precisa para evitar que seu povo passe fome.

    A repressão ao comércio esmurrou a economia, mas do ponto de vista da saúde pública parece ter funcionado. Não parece que a Coreia do Norte tenha sofrido grandes surtos de Covid-19 dentro de suas fronteiras. O líder Kim Jong Un tem sido confiante o suficiente para aparecer em público sem usar máscara em várias ocasiões durante a pandemia.

    O isolamento do país pode protegê-lo até certo ponto. Mas, à medida que as vacinações abrem gradualmente a perspectiva de um retorno à vida normal, os cantos do globo onde o vírus permanece fora de vista apresentarão uma ameaça cada vez maior.

    Para Drobac, de Oxford, lutar contra Covid-19 é responsabilidade de todos e a pressão diplomática deve ser aplicada aos países que não cumprem suas obrigações.

    “Quanto mais tempo deixarmos esse vírus se espalhar em qualquer lugar, mais bilhetes de loteria daremos ao vírus para sermos capazes de criar uma nova mutação legal que tornará nossas vidas mais difíceis”, disse. “Não é apenas uma potencial tragédia para o próprio povo do país, é um risco para todos nós.”

    Stephanie Busari, Radina Gigova, Bethlehem Eoin McSweeney, Hannah Ritchie, Yoonjung Seo e Joshua Berlinger contribuíram para esta reportagem.

    (Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).