Coreia do Norte diz que testou arma mais avançada do mundo pela segunda vez
País teria feito teste com míssil hipersônico, o segundo do regime de Kim Jong Un; especialistas estão em dúvida sobre as alegações norte-coreanas
A Coreia do Norte afirma ter testado um míssil hipersônico, nesta quarta-feira (5), o segundo suposto teste dessa arma durante o regime de Kim Jong Un.
Se as afirmações feitas pela mídia estatal da Coreia do Norte forem verdadeiras, e em algum momento o país ser capaz de implantar uma arma hipersônica, isso poderá ter profundas implicações para a situação de segurança na Ásia.
Mas depois de a Coreia do Norte afirmar ter feito o primeiro teste hipersônico em setembro, e do segundo nesta semana, os analistas estão cautelosos.
“Um míssil hipersônico que pode derrotar sistemas avançados de defesa antimísseis vira o jogo caso uma ogiva nuclear for acoplada a ele”, Drew Thompson, ex-funcionário do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e pesquisador sênior visitante da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew, da Universidade Nacional de Cingapura, disse após o teste de setembro.
Mas ele advertiu: “esse é um enorme ‘se’. Ter e querer não são a mesma coisa”.
Depois do teste de quarta-feira, Cheong Seong-chang, diretor do Centro de Estudos Norte-Coreanos do Instituto Sejong, um think tank sul-coreano privado, disse que mais tempo e refinamentos serão necessários antes que Pyongyang possa usar uma arma hipersônica.
“A Coreia do Norte precisará de pelo menos mais dois ou três lançamentos de teste no futuro para concluir seu míssil hipersônico”, disse ele.
O que é um míssil hipersônico?
Quando nos referimos a um míssil hipersônico, o que estamos realmente falando é sua carga útil, ou o que está acoplado no topo do foguete. Nesse caso, a carga útil é o que se denomina veículo planador hipersônico (HGV, na sigla em inglês).
De acordo com especialistas, os HGVs podem, teoricamente, voar até 20 vezes a velocidade do som e podem ser muito manobráveis durante o voo, tornando-os quase impossíveis de derrubar.
Como os mísseis balísticos, as armas planadoras hipersônicas são lançadas por foguetes na atmosfera. Mas enquanto uma ogiva de míssil balístico é amplamente alimentada pela gravidade assim que começa sua descida até o alvo a partir de uma altura de 1 mil quilômetros, os hipersônicos mergulham de volta à Terra antes de achatar sua trajetória de voo – voando apenas dezenas de quilômetros acima o solo, de acordo com um relatório sobre hipersônicos da Union of Concerned Scientists.
A arma usa então dispositivos de navegação internos para fazer correções de curso e mantê-la no alvo enquanto viaja até 12 vezes a velocidade do som, diz o relatório.
Quem tem armas hipersônicas?
Acredita-se que apenas dois países, a Rússia e a China, tenham mísseis hipersônicos implantáveis.
Em dezembro de 2019, a Rússia disse que seu sistema de mísseis hipersônicos – conhecido como Avangard – havia entrado em serviço.
Em um discurso no Parlamento russo em 2018, o presidente Vladimir Putin chamou o sistema Avangard de “praticamente invulnerável” para as defesas aéreas ocidentais.
Em janeiro de 2020, Putin supervisionou os testes de um segundo sistema hipersônico, o Kinzhal, na Crimeia.
E em novembro, a Rússia disse que testou com sucesso seu míssil hipersônico Zircon.
Em agosto, a China testou um míssil que foi solto de um HGV, de acordo com os militares americanos.
“Eles lançaram um míssil de longo alcance”, disse o general John Hyten, então vice-presidente da Junta de Chefes de Estado, à CBS News. “Ele deu a volta ao mundo, foi liberado por um veículo planador hipersônico que planou todo o caminho de volta para a China, e que atingiu um alvo na China”.
A China negou as alegações, dizendo que o que os EUA chamam de teste de armas hipersônicas era um “experimento de rotina com uma nave espacial”.
Em um desfile militar de 2019, a China exibiu seu míssil DF-17, que pode ser usado para implantar um veículo planador hipersônico. Um relatório do Projeto de Defesa de Mísseis no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, citando oficiais de defesa dos EUA, diz que o DF-17 pode lançar uma ogiva a poucos metros de seu alvo pretendido, a um alcance de até 2.500 quilômetros.
De acordo com um relatório do ano passado da Associação de Controle de Armas (ACA), em Washington DC, os Estados Unidos estão trabalhando em oito tipos de armas hipersônicas. E a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos militares disse que testou com sucesso uma arma hipersônica no último outono.
Podemos confiar nas afirmações da Coreia do Norte?
O regime de Kim certamente testou um míssil na quarta-feira e divulgou uma imagem do teste nesta quinta-feira.
Os especialistas em mísseis que viram a foto não têm certeza do que foi mostrado.
“Este míssil transporta um veículo de reentrada de manobra, ou MaRV (na sigla em inglês). Os norte-coreanos estão classificando-o como ‘hipersônico’, o que não está errado, mas só para ficar claro, isso não significa que seja um novo tipo de arma”, disse na rede social Joshua Pollack, pesquisador associado sênior do Instituto de Estudos Internacionais de Middlebury, na Califórnia.
“Se classificamos isso como HGV (conforme indicado) ou MaRV, não está confirmado”, disse Joseph Dempsey, pesquisador associado de defesa e análise militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em uma postagem nas redes sociais.
Um MaRV é essencialmente uma ogiva de míssil que altera sua trajetória de voo depois de reentrar na atmosfera, uma vez que se separar do foguete que a lançou. É a tecnologia que os militares dos EUA empregam há décadas e a Coreia do Sul já demonstrou antes, de acordo com Pollack.
O que distingue um MaRV de um HGV é a capacidade deste último de achatar sua trajetória de voo e então subir e depois mergulhar em um alvo.
A Coreia do Norte afirmou que o teste de quarta-feira “avaliou o desempenho da nova técnica de movimento lateral”.
“Tendo sido destacado após seu lançamento, o míssil fez um movimento lateral de 120 km na distância de voo da ogiva de planagem hipersônica a partir do azimute (medida de direção horizontal, definida em graus) de lançamento inicial ao azimute do alvo e atingiu precisamente um alvo definido a 700 km de distância”, disse a mídia estatal.
Kim Dong-yub, professor da Universidade de Estudos da Coreia do Norte em Seul, colocou isso em termos leigos, dizendo que a Coreia do Norte testou uma ogiva que pode “se mover para cima e para baixo várias vezes como uma asa-delta descendo de uma montanha, e voar para a esquerda e para a direita […] por uma distância considerável, mas ainda alcançar o alvo com precisão”.
Por que as pessoas estão preocupadas?
“As alegações de manobrabilidade da Coreia do Norte permanecem significativas e podem representar desafios adicionais à defesa antimísseis”, disse Dempsey, o analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, na rede social.
Falando após o teste norte-coreano em setembro, Roderick Lee, diretor de pesquisa do Instituto de Estudos Aeroespaciais da China, da American Air University, disse que as trajetórias de voo de baixa altitude dos hipersônicos significam que eles ficam abaixo dos radares por períodos mais longos, o que significa menos tempo para os sistemas de defesa antimísseis travá-los e empenhá-los.
“Isso torna as coisas realmente complicadas para a defesa”, acrescentou Lee.
Há alguns argumentos de que isso torna os hipersônicos uma arma desestabilizadora de primeiro ataque.
“Cada lado pode acreditar que precisa atacar primeiro e rápido para atingir seus objetivos. Essa dinâmica – muitas vezes chamada de instabilidade da crise – poderia provocar o início de um conflito, mesmo que nenhuma das partes da crise planejasse inicialmente atacar primeiro”, escreveram as analistas Kelley Sayler e Amy Woolf em um relatório para o Serviço de Pesquisa do Congresso dos Estados Unidos em novembro.
O que acontece em seguida?
A Coreia do Norte está mostrando que não vai amenizar as alegações de que é uma vítima das potências ocidentais e deve desenvolver dissuasores militares para o que vê como possíveis movimentos agressivos de inimigos como os EUA e a Coreia do Sul.
“Em vez de expressar disposição para negociações de desnuclearização ou interesse em uma declaração de fim da guerra, a Coreia do Norte está sinalizando que nem a variante Omicron, nem a escassez de alimentos domésticos irão interromper seu desenvolvimento agressivo de mísseis”, disse Leif-Eric Easley, professor associado de estudos internacionais da Ewha Womans University, em Seul.
Cheong, o diretor do think tank sul-coreano, disse que o fato do líder Kim Jong Un não ter observado diretamente o teste de quarta-feira mostra que Pyongyang quer retratá-lo como parte do
curso normal de desenvolvimento das defesas militares, o que significa que podemos esperar mais.
“O lançamento do míssil foi um teste conduzido de acordo com o plano de desenvolvimento de defesa de cinco anos decidido no 8º Congresso do Partido”, disse Park Won-gon, professor de estudos norte-coreanos da Ewha Womans University.
“Esta é a exigência da Coreia do Norte (à comunidade internacional) de retirar a diferença de princípios sobre o desenvolvimento de armas e dizer que esses testes não são diferentes do desenvolvimento de mísseis da Coreia do Sul”.