COP26 entra em dia final com expectativa de prorrogação para últimas negociações
Cúpula do clima realizada em Glasgow deve resolver temas travados, como o fundo para países em desenvolvimento e o mercado de carbono
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) tem fim previsto oficialmente para esta sexta-feira (12), quando é esperado um texto que abranja quais foram os acordos consensualmente atingidos pelos países participantes.
No entanto, a expectativa de especialistas ouvidos pela CNN é que haja um alongamento dos debates para aparar as últimas arestas de temas ainda em debate, como o fundo de países desenvolvidos para ajudar nações em desenvolvimento a reduzir emissões, além da apresentação das linhas gerais de um mercado de carbono global.
A CNN também procurou, para comentários sobre a conclusão da COP26, a cúpula do governo federal que chefia as negociações do Brasil em Glasgow, mas não recebeu retorno até o fechamento desta reportagem.
No calendário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), para hoje estão agendados apenas a plenária final da cúpula e debates paralelos entre membros da sociedade civil que compareceram à conferência. Segundo pessoas presentes na COP de Glasgow, na Escócia, o clima dos corredores já é de despedida.
Por outro lado, diversas reuniões “a portas fechadas” acontecem entre os negociadores dos grupos existentes na conferência – que debatem separadamente para, depois, enviarem seus textos para a mesa diretora da COP26.
Neste momento, os representantes dos países apontam possíveis inconsistências, expressões e termos que podem desagradar os respectivos interesses nacionais e quais são suas exigências para que se atinja o almejado consenso. Segundo as regras da COP, é preciso que todos os países concordem com a versão final.
“Esse é um momento decisivo. Alguns grupos de trabalho temáticos já foram concluídos e submeteram seus textos para o secretariado, e outros ainda não”, explica Márcio Astrini, diretor-executivo do Observatório do Clima que acompanha o momento final da COP.
“Existe a produção de um ‘draft [rascunho] final’, com todos os assuntos e o que os países concordam em colocar ali como um entendimento. Ainda assim, há países que vão discordar do que foi posto. Eles colocam as opções levantadas no texto entre colchetes”, diz.
“Os textos mostram o que é discutido, negociado e o que pode ou não ficar de entendimento, enquanto a quantidade de colchetes que eles têm demonstra o quanto o assunto está perto ou não de ser finalizado”, pontua.
Carlos Rittl, especialista sênior em política ambiental da Rainforest Foundation da Noruega, acredita que a COP26 seja alongada pela madrugada ou até a manhã de sábado. Essa não seria a primeira vez que isso acontece, recorda ele, e essa situação era esperada para uma reunião que foi o primeiro encontro presencial das nações sobre decisões climáticas depois de quase dois anos de pandemia de Covid-19.
“Acho muito difícil que a COP termine nesta sexta. Algumas COPs se estenderam na noite e madrugada de sexta para sábado, mas, como os assuntos são grandes e com repercussão por muito tempo, essa COP pode se estender por mais um dia”, disse Rittl.
Divergências
Apesar dos pontos ainda em aberto, a presidência da COP26 publicou uma versão preliminar do trabalho final da cúpula na quarta-feira (10). Entre os pontos de destaque, está o reconhecimento de que o mundo deveria ter como objetivo limitar o aquecimento global a 1,5ºC.
Se aceito por todos os participantes, o texto seria o primeiro forte reconhecimento de que 1,5ºC é o limite que o mundo deve almejar, o que exigirá metas mais ambiciosas das nações. Isso porque, em 2015, o Acordo de Paris estabelecia que os países procurariam limitar o aquecimento a 2ºC, com a menção de que seria “preferível” se a meta fosse 1,5ºC.
Mas alguns países ainda levantam dúvidas sobre a discussão. A Bolívia, por exemplo, fez uma fala contra a tentativa da presidência da COP26 de “mudar o Acordo de Paris”. Para o representante do país latino, obrigar que todos os países alcancem metas como a emissão zero de carbono até 2050 seria ignorar “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
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Essa visão se reflete em outro dos pontos ainda enroscados nas salas de negociação: o financiamento climático advindo dos países ricos. Há mais de 10 anos se fala de um fundo de US$ 100 bilhões para dispor recursos, às nações pobres e em desenvolvimento, que ajudassem na implementação de tecnologias que reduzissem a emissão de carbono na atmosfera.
O ministro do Meio Ambiente brasileiro, Joaquim Leite, abordou o tema em um discurso feito em Glasgow na quarta-feira.
De acordo com ele, são necessários volumes mais ambiciosos do que os US$ 100 bilhões, além de fácil acesso e execução ágil, para que a transformação ocorra de forma inclusiva em cada território ao redor do mundo.
Leite argumentou que não é possível que os países continuem a “postergar ainda mais um compromisso assumido em 2015 e até o momento não realizado em sua plenitude”, afirmou.
Além disso, também há expectativas para o que deve consolidar os entendimentos sobre o Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono.
Esse artigo estabelece que países podem criar mecanismos para “negociar” emissões de carbono e, dessa forma, colaborar para que todos alcancem suas metas. Assim, nações que emitem mais poluentes por possuírem uma base energética de termelétricas, por exemplo, poderiam pagar “créditos” a outra nação para que o recurso seja investido na preservação de florestas, grandes captadoras de carbono na atmosfera.
Segundo Carlos Rittl, os principais pontos a serem discutidos são os chamados “mecanismos de mercado”, que devem estabelecer regras para que o mesmo carbono “sequestrado” da atmosfera não seja contabilizado nas metas dos dois países que o negociam. Além disso, deve ser determinado o que será feito com créditos de carbono negociados antes do Acordo de Paris.
Alguns países tinham a intenção de fazer com que o carbono compensado no passado valesse entre os esforços mais recentes de emissões de gases, mas Márcio Astrini afirma que a pauta, neste momento, deve ser destravada dessas antigas exigências – feitas, inclusive, pelo Brasil.
Segundo fontes ouvidas pela CNN, o clima na delegação brasileira é de otimismo com relação à aprovação do Artigo 6, que regulamenta o mercado de carbono, mas não em relação a outros artigos ligados à transparência, contabilidade das metas e financiamento para adaptação e mitigação.
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”552037″ title_galeria=”Ativistas protestam na sede da COP26, em Glasgow, na Escócia”/]
A discussão agora estaria apenas direcionada para transição de metodologias do Protocolo de Kyoto para o Acordo de Paris. E o Brasil está aberto a negociar considerando fazer concessões para aprovação do texto sobre créditos de carbono.
Vitórias e fracassos da COP26 até agora
Desde o dia 31 de outubro, a COP26 conseguiu articular alguns novos acordos ou compromissos vistos como promissores pela comunidade internacional. Outros, por sua vez, não avançaram em direção ao consenso necessário. Relembre os principais:
EUA e China
A mais recente movimentação positiva foi um acordo “surpresa” entre a China e os Estados Unidos, os dois maiores poluidores do mundo, apresentado na quarta-feira (10) à noite.
Ele incluiu a intenção de ambos países apresentarem novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) em 2025, colaborarem abertamente na redução da emissão de metano na atmosfera e considerarem, em conjunto, que a década que se encerra em 2030 é o momento de ação para assuntos envolvendo as mudanças climáticas.
Em COPs passadas, a relação entre os chineses e os norte-americanos em relação a quem deveria “pagar a conta” das emissões de carbono gerou atrasos no estabelecimento de ambições em nível global.
Carros net-zero
Também na quarta, a presidência da COP26 do Reino Unido queria que os governos, fabricantes e investidores prometessem “trabalhar para que todas as vendas de carros e vans novos tenham emissão zero em todo o mundo até 2040, e o mais tardar em 2035 nos principais mercados”.
No entanto, esse movimento foi frustrado de obter sucesso completo. Alemanha, China, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos não assinaram a declaração. Toyota, Volkswagen, BMW e Nissan também se abstiveram.
Empresas como a Ford e a General Motors concordaram, assim como a Jaguar Land Rover, Mercedes-Benz e Volvo. Entre os países, estados e cidades que se inscreveram estavam Reino Unido, Canadá, Polônia, Quênia, Índia, Território da Capital da Austrália, Catalunha, Atlanta, San Diego, Nova York, São Francisco e Seul.
Acordo sobre carvão
Ao menos 77 países concordaram em encerrar o financiamento de projetos de combustíveis fósseis no exterior em um acordo anunciado no 4º dia da COP26.
As nações já debatiam encerrar o financiamento internacional para o carvão, mas o acordo foi o primeiro do tipo a incluir também projetos de petróleo e gás.
Apesar de China, Índia e EUA serem os maiores emissores de carvão do mundo, os três países não entraram na aliança. Em um movimento paralelo, os EUA, Reino Unido, França, Alemanha e União Europeia anunciaram que ajudarão a financiar a transição da África do Sul contra o carvão.
União para diminuir emissão de metano
Cento e três nações assinaram uma promessa global de reduzir as emissões de metano em 30% até 2030, um resultado anunciado logo no 2º dia da COP26. O Brasil é um dos signatários da resolução.
Aço (quase) verde
Nos primeiros dias de COP também foi anunciado que mais de 40 países, incluindo Reino Unido, Estados Unidos, Índia, China e União Europeia, apoiaram o primeiro compromisso internacional de atingir uma produção de aço com emissão “quase zero” até 2030.
Acordo sobre florestas
Cento e dez países, incluindo o Brasil, se comprometeram com o fim do desmatamento até 2030. O acordo sela o comprometimento por ações coletivas para deter e reverter a perda florestal e a degradação do solo até o fim da década.
Novas metas
Alguns países aproveitaram a COP26 para atualizar suas metas internas de redução de carbono na atmosfera.
O Brasil, por exemplo, prometeu reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e neutralizar as emissões de carbono até 2050, segundo anunciado por Joaquim Leite no dia 1º de novembro. A meta anterior prometia 43% de redução em 2030.
No entanto, há controvérsias sobre o cálculo feito pelo governo – já que o ano-base considerado no cálculo, que é 2005, teve um reajuste recente que permitiria com que o Brasil emitisse proporcionalmente mais neste momento; entenda.
Além do Brasil, os Estados Unidos aumentaram de 26% para 50% a meta de redução de gases estufa até 2030, e a União Europeia prometeu um salto de 28% para 55%. Já o Reino Unido subiu as ambições de 68% para 78% de redução até o fim da década.
*Com informações de Lourival Sant’Anna, Adriana Freitas, Ivana Kottasová, Angela Dewan, Amy Cassidy e Ella Nilsen, da CNN