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    Conheça as principais fake news sobre a nova constituição do Chile e seu impacto

    Campanha de desinformação ameaça aprovação de uma nova Carta Magna no país latino no plebiscito do dia 4 de setembro

    Tiago Tortellada CNN

    em São Paulo

    Os chilenos votarão a nova constituição neste domingo (4) após 42 anos e manifestações populares que se acentuaram em 2019. Porém, algumas pesquisas apontam que há grande rejeição ao texto, muito em virtude de uma campanha de desinformação e fake news.

    A troca da Carta Magna, instituída durante a ditadura de Augusto Pinochet, é uma demanda história no país latino, conforme explica Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Unifesp.

    “Essa constituição é tida como ultrapassada, e a população vem justamente clamando por um texto mais atual, que atenda às demandas contemporâneas e, sobretudo, maior intervenção do Estado em alguns setores-chave, como saúde, educação e aposentadoria”, diz.

    Bressan ressalta que, a partir do teor do que está sendo proposto, grupos conservadores, da direita e da elite começaram a espalhar fake news e boatos que “deturpam totalmente os conteúdos”.

    “Muitas vezes elas trazem ainda aquela ideia do comunismo, de que os índios vão agora tomar o poder”, coloca.

    Principais fake news sobre a nova constituição do Chile:

    • Ataques individuais aos integrantes da Convenção Constitucional;
    • Nome do país vai mudar;
    • Fim da bandeira e do hino chilenos;
    • Não haverá mais polícia;
    • Venezuelanos e haitianos vão tomar o poder;
    • Indígenas ficariam impunes por crimes;
    • Imigrantes e indígenas tomarão o poder;
    • Aborto permitido aos 9 meses de gravidez;
    • Chilenos não podem percorrer o território nacional porque estará sob controle indígena e de imigrantes;
    • Não será permitido comprar garrafas de água e gelo;
    • Não haverá mais educação e saúde privada;
    • Não haverá propriedade privada;
    • Religião será proibida;
    • Há enorme risco de fraude que dará vitória à aprovação;
    • O serviço eleitoral fraudará os votos com nomes de mortos para a aprovação do texto.

    Joana Salém, especialista em América Latina e doutora em história econômica pela Universidade de São Paulo (USP), pontua que essa disseminação acontece principalmente através das redes sociais, canalizado no que foi montado a partir da campanha de José Antônio Kast. Ele foi o candidato de extrema-direita que disputou o segundo turno das eleições presidenciais chilenas no ano passado, sendo derrotado por Gabriel Boric.

    Ela afirma que o método utilizado nessa campanha de desinformação tem sido aplicado “pelas extremas-direitas em diferentes partes do mundo”. “Ele tem sido chamado por alguns de método ‘Bannon’, porque é baseado no Steve Bannon, que foi um assessor político do Trump responsável pela sua comunicação, por essa estratégia de criação de mentiras e notícias falsas que circulam em alta velocidade em portais suspeitos, mas que disfarçam de verdadeiros”, explica.

    Marcelo Santos, pesquisador e professor associado da Faculdade de Jornalismo da Universidade Diego Portales, do Chile, destaca também os diferentes momentos da campanha de desinformação. Quando a Convenção foi formada, e ainda não havia o conteúdo do novo texto, os ataques feitos miravam desacreditar seus integrantes.

    “Como que se faz isso? Nesse momento era atacando as individualidades desde diversas dimensões, desde principalmente do preconceito, principalmente do racismo, do classismo, por exemplo”, observa.

    Um dos exemplos que o pesquisador traz é o ataque à presidente da Convenção, a indígena Elisa Loncón. “Então você ataca o Mapuche por ser índio, você fala que ele não tem educação formal, então quando ele a Elisa Loncón foi eleita presidenta da convenção, circularam muitas notícias que era uma pessoa que não tinha educação – ela tinha dois doutorados”, coloca.

    Quando há a discussão do conteúdo da nova Carta Magna, outros tipos de fake news aparecem, como, por exemplo, de que os símbolos pátrios, como a bandeira, mudariam.

    “Há também muitas acusações e evidências de distribuição de livros da constituição com artigos que não são da convenção”, pontua Santos.

    Papel da imprensa

    Salém pontua ainda que alguns setores de conglomerados midiáticos, que seriam tradicionalmente ligados à direita, estão atuando de forma diferente das campanhas de fake news das redes sociais, mas que pode ser complementar.

    “De certa forma, não disseminam as fake news em si, mas confundem o debate político e tornam o conceito de plurinacionalidade algo confuso para apreensão da maioria. Ao invés de esclarecer debates, jogam cortina de fumaça, criando certo terreno fértil para fake news”.

    A plurinacionalidade, exemplo utilizado pela especialista, é “a compreensão de que um país pode ser composto por mais de uma nação, e que uma nação não anula as demais”, necessitando relação intercultural com as demais dentro do mesmo país.

    “Então seria reconhecer os povos indígenas como nações autodeterminadas, com cosmovisões próprias, também com organismos políticos próprios, com justiça própria dentro de uma outra nação”, adiciona Salém.

    Ao deturpar as informações e conceitos, se abre o espaço para que as informações falsas sejam disseminadas.

    Verificação das informações

    Por outro lado, há instituições que estão trabalhando na verificação das informações e combate às fake news, como o Centro de Investigación Peridística, que publica uma série de matérias denunciando supostas irregularidades. Há, por exemplo, textos que falam sobre supostas organizações fantasmas que estariam pagando publicações sobre a desaprovação em rádios populares e parlamentares que pagariam para aparecer em veículos de comunicação falando sobre o assunto.

    Há também o “LaBot Chequea“, um “robô programado para ensinar a como verificar informação”. Ele mostra como identificar mensagens, vídeos e imagens suspeitas ou falsas.

    Verificador de informações e fake news chileno
    Verificador de informações e fake news chileno / Reprodução

    Outro serviço é o “LaBot Constituyente“, que possui jornalistas em sua equipe. Ele é um programa de disparo semanal de e-mails — para quem se inscrever — com “textos curtos, linguagem simples, conteúdo relevante” sobre como está a discussão sobre a nova Constituição.

    Possível rejeição ao texto

    Mesmo acreditando que possa haver algum impacto no plebiscito deste domingo, o professor Marcelo Santos observa que ainda são estudados os efeitos a longo prazo da desinformação.

    “Quando se tem muita informação contradizendo, o que acontece é que você perde a confiança em toda a informação. Então, um processo tão complexo que é a decisão, que passa por você estudar um documento jurídico, é muito complicado”, diz.

    Uma pesquisa divulgada no dia 20 de agosto revelou que 49% dos entrevistados voariam “rejeição” no plebiscito “com as informações que têm hoje”. Enquanto isso, 39% garantiram que escolheriam “aprovação”. Além disso, 12% declararam que “não sabem/não votarão”.

    O levantamento projetou, então, com a estimativa do número de eleitores para o plebiscito, que 54% deles se inclinaram para a rejeição, enquanto 46% aprovariam a nova Carta Magna.

    Assim, a professora Regiane Bressan avalia que “sim, pode ser que nova constituição não seja aprovada nesse pleito por conta das fake news”.

    A historiadora Joana Salém destaca que há críticas quanto à metodologia das pesquisas, que poderiam não estar captando parte da classe trabalhadora, que tem tendência maior ao “sim”.

    “Apesar dessas pesquisas estarem dando vitória ao rechaço, ainda existe uma margem de possibilidade importante de que o aprovo ganhe também porque a batalha contra as fake news ainda está aberta, ainda está acontecendo”, afirma.

    A especialista ressalta, então, que apenas o próprio plebiscito poderá mostrar o grau de eficiência da campanha de fake news contra a nova constituição chilena.

    *com informações da CNN