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    Conheça as implicações da segunda acusação de Trump

    Críticos dizem que uso do sistema legal "como arma" é prejudicial aos EUA

    Análise por Stephen Collinsonda CNN

    Donald Trump, que muitas vezes mentiu, disse com toda a certeza a verdade ao declarar que a quinta-feira (8) era um “dia sombrio” para os Estados Unidos.

    O post do ex-presidente em sua rede social descreveu corretamente a magnitude de sua acusação formal no caso do manuseio incorreto de documentos sigilosos – mas não deu qualquer sinal de comentar sua culpa no caso.

    Mas a primeira acusação já feita de um ex-presidente por um grande júri federal levou o país a um momento inédito e perigoso em sua história – justamente numa época em que a política já vive grandes divisões.

    Imediatamente, republicanos liderados pelo presidente da Câmara, Kevin McCarthy, disseram que a acusação é uma evidência do “uso descarado do poder como arma” pelo governo Biden diante de uma eleição que terá Trump. A reação é uma mostra do tamanho do teste agora enfrentado pelas instituições judiciais do país.

    A lealdade do presidente da Câmara a Trump – que ainda é extremamente popular entre os eleitores de base no Partido Republicano (conhecido pela sigla GOP) – é digna de nota, uma vez que as provas contra o ex-presidente ainda não estão disponíveis publicamente.

    Embora Trump tenha direito à presunção de inocência, a pressa para o julgamento sugere que alguns de seus apoiadores acreditam que um ex-presidente que sofreu dois impeachments, tentou roubar uma eleição e já é réu em outro processo está essencialmente acima do escrutínio legal.

    É uma posição que tem enormes implicações para a democracia dos EUA.

    Investigações criminais de ex-presidentes e atuais candidatos presidenciais podem ser comuns em países em desenvolvimento com democracias ameaçadas. Mas não há paralelo de um ex-presidente enfrentando acusações federais nos EUA, muito menos um que já incitou a violência para obter vitórias políticas e que está atualmente tentando recapturar a Casa Branca.

    Se isso não fosse suficientemente grave, as acusações federais – relacionadas com documentos sigilosos que Trump levou para seu resort em Mar-a-Lago, na Flórida – chegam num momento em que Trump é o primeiro colocado para a nomeação do Partido Republicano em 2024.

    As sete acusações trazem uma série de complicações políticas, mesmo que o Departamento de Justiça argumente que está simplesmente seguindo as evidências e está provando que ninguém, nem mesmo ex-presidente, está acima da lei.

    Em suma, Trump deverá ser julgado pelo Departamento de Justiça do seu sucessor. Numa outra reviravolta profunda, esse sucessor – o presidente Joe Biden – pode enfrentar o acusado nas eleições gerais de 2024, num cenário que injetaria novo fervor nas alegações de Trump de que é vítima de uma justiça politizada.

    Os apoiadores de Trump já pensavam que um havia algum tipo de organização do “estado profundo” criada para pegar o seu herói. Agora, esse tipo de pensamento conspiratório pode ser ainda pior.

    Trump, que tem preparado o terreno para uma possível acusação federal há meses, e que tem sido extremamente bem-sucedido em convencer os seus apoiadores de que qualquer investigação da sua vida, decisões políticas ou assuntos empresariais contribui para a politização, não perdeu tempo.

    “Eu sou um homem inocente. Eu não fiz nada de errado”, disse o ex-presidente em um vídeo que mostrou que ele está disposto a incendiar o sistema eleitoral democrático dos EUA se isso for preciso para limpar seu nome.

    “É interferência eleitoral. Eles tentam destruir sua reputação para que possam ganhar uma eleição. Isso é tão ruim quanto fazer qualquer uma das outras coisas feitas ao longo dos últimos anos”, declarou Trump. O ex-presidente deve comparecer ao tribunal em Miami na terça-feira (13) para a audiência preliminar.

    Foto de docuementos encontrados na residência de Mar-a-Lago de Donald Trump / Reprodução/Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

    Por que a nova acusação pode ser mais séria

    O incrível é que esta não foi a primeira acusação formal imposta a Trump. Ele já havia se tornado o primeiro ex-presidente tornado réu ao ser acusado formalmente por um grande júri de Manhattan.

    Nesse caso, ele enfrenta mais de 30 acusações relacionadas a fraudes empresariais em virtude de um pagamento de suborno em 2016 para a atriz pornô Stormy Daniels. O caso deve ser julgado em março do ano que vem, bem no meio da temporada das primárias. Trump declarou-se inocente.

    Mas a nova acusação, feita pelo advogado especial especialmente designado para o caso dos documentos sigilosos, é muito mais grave e politicamente sensível, já que vem diretamente do Departamento de Justiça de Joe Biden.

    Trump está enfrentando uma acusação sob a Lei de Espionagem, segundo revelou seu advogado Jim Trusty à CNN na quinta-feira (8), bem como acusações de obstrução da justiça, destruição ou falsificação de registros, conspiração e declarações falsas.

    Embora as acusações exatas contra Trump não sejam totalmente claras, as potenciais infrações atingem o cerne de alguns dos deveres mais sombrios da presidência – incluindo a proteção dos segredos mais vitais do país.

    E qualquer alegação de obstrução envolve outro papel fundamental da confiança pública que Trump manteve e ao qual ele alardeia na campanha atual: a obrigação de um presidente de defender as leis.

    O cenário atual irá testar se os EUA continuam a ser uma nação de leis. Se houver provas de que Trump cometeu as alegadas violações do código penal, uma decisão de não o acusar destruiria o princípio de que todos são iguais perante a lei.

    Mas alguns perguntarão se a acusação é verdadeiramente do interesse nacional, dada a reação contra as instituições democráticas e judiciais que elas estariam batendo no ex-presidente.

    As notícias da quinta-feira à noite provocaram um firme posicionamento de alguns republicanos, ansiosos para provar sua lealdade a Trump.

    “Hoje é de fato um dia sombrio para os Estados Unidos da América”, tuitou McCarthy. “Eu e todos os americanos que acreditam no estado de direito estamos unidos com o presidente Trump contra essa grave injustiça”. Ele lembrou que Biden também guardou alguns documentos sigilosos depois de deixar o cargo de vice-presidente.

    A distinção aqui, no entanto, está no fato de Trump ter obstruído ativamente os esforços do governo para recuperar seus segredos e descaradamente os usado.

    A deputada Elise Stefanik, membro da liderança republicana, repetiu o argumento político de Trump, tuitando: “A extrema esquerda radical não vai parar em nada em seu esforço para interferir nas eleições de 2024 a fim de sustentar a presidência catastrófica e a campanha desesperada de Joe Biden”.

    O senador Josh Hawley, do Missouri, tuitou: “Se as pessoas no poder podem prender seus oponentes políticos à vontade, não temos uma república”. Os comentários do republicano ignoram o fato do ex-presidente ter o direito de se defender num tribunal.

    Embora não se saiba toda a amplitude da investigação do advogado especial Jack Smith, reportagens nos últimos dias sugeriram uma investigação agressiva perto da sua conclusão.

    A CNN informou no final de maio que os procuradores tinham obtido uma gravação de áudio na qual Trump reconhece que manteve um documento confidencial do Pentágono sobre um possível ataque ao Irã. Isso contradiz seus argumentos de que ele havia tirado o sigilo de tudo o que tirou da Casa Branca.

    “A gravação elimina muitas das defesas que ele lançou nos últimos meses”, disse o ex-diretor adjunto do FBI Andrew McCabe. “Ela estabelece de forma conclusiva não só que ele tomou informações confidenciais, porque ele admite isso, como também que ele sabia que tinha informações secretas.

    Ele admite isso também, e que sabia que ainda era confidencial, e que havia limitações em como ele poderia lidar com isso ou distribuir a informação”.

    Em outra notícia, a CNN informou com exclusividade esta semana que um funcionário de Mar-a-Lago drenou a piscina do resort em outubro passado e acabou inundando uma sala onde servidores de computadores contendo registros de vídeo de vigilância eram mantidos.

    O incidente aconteceu cerca de dois meses depois de o FBI recuperar centenas de documentos confidenciais da residência e quando promotores que examinavam possíveis obstruções obtiveram vídeos de vigilância para rastrear como os documentos da Casa Branca foram transportados dentro do resort.

    Não está claro se a sala foi inundada intencionalmente ou por engano, mas o incidente ocorreu em meio a uma série de eventos que os procuradores federais consideraram suspeitos.

    Sabe-se agora também que o conselho especial tem usado dois grandes júris, um em Washington e outro em Miami, o que pode significar que o advogado especial Smith está estudando se quer executar apenas partes ou todo o processo criminal no tribunal federal da Flórida, em vez de na capital do país.

    Em outra revelação que engrossou o mistério do caso e pode ter piorado a situação de Trump, o jornal “The New York Times” noticiou que Mark Meadows, o ex-chefe da Casa Civil da Casa Branca, testemunhou perante um grande júri que lhe perguntou sobre a manipulação de documentos confidenciais por Trump e as tentativas de cancelar o resultado das eleições de 2020 – pontos que Smith também está investigando.

    Na quinta-feira, Zachary Cohen, da CNN, revelou que um importante ex-funcionário da Casa Branca que trabalhou nos governos de Trump e Obama foi entrevistado por procuradores do conselho especial no início deste ano.

    O funcionário disse que contou aos promotores que Trump conhecia o processo adequado para tirar o sigilo de documentos e os seguiu às vezes enquanto estava no cargo.

    A informação poderia rebater as alegações de Trump de que ele achava que poderia simplesmente tirar o sigilo de qualquer material por pura vontade e também chegar à questão de sua intenção – um ponto importante em um caso criminal.

    As reverberações políticas

    Nenhum desses vislumbres da investigação de Smith acontece no vácuo. As primárias republicanas estão ficando mais lotadas a cada dia, mas os rivais de Trump estão lutando para defender suas candidaturas em um partido que ainda pende para o ex-presidente.

    Os problemas legais de Trump, no entanto, se desenrolam em meio a uma enorme incerteza sobre como vários processos poderiam limitar a sua capacidade de campanha e se poderiam fazer com que alguns eleitores republicanos enxergassem suas vulnerabilidades numa eleição geral.

    Com a data de julgamento marcada para março no caso de Manhattan, Trump também deve saber nos próximos meses se ele ou seus subordinados serão acusados em um caso separado na Geórgia relacionado à sua tentativa de reverter a vitória de Biden no estado em 2020.

    Em um sinal da forma como Trump tentará que este caso seja julgado pela opinião pública antes de chegar aos tribunais, sua campanha imediatamente enviou emails para captar recursos.

    As primeiras pesquisas após a primeira acusação formal sugeriram que Trump pode ter se beneficiado politicamente da ação do procurador-geral de Manhattan, Alvin Bragg, do caso Stormy Daniels.

    As acusações forçaram efetivamente seus principais rivais a defendê-lo, a fim de evitar alienar os eleitores do GOP, suavizando os potenciais ataques de aliados a um ex-presidente que constantemente testou o estado de direito.

    O governador da Flórida, Ron DeSantis, respondeu da mesma forma na noite de quinta-feira adotando a linguagem de “uso do poder como arma” de Trump.

    “O uso da lei federal como arma representa uma ameaça mortal para uma sociedade livre”, ele tuitou antes de fazer sua própria propaganda para a Casa Branca. “O governo DeSantis trará a responsabilização do Departamento de Justiça para acabar com o preconceito político e o seu uso como arma de uma vez por todas”.

    Numa sabatina da CNN na noite de quarta-feira (7), o ex-vice-presidente Mike Pence – que acaba de anunciar sua própria pré-candidatura para a Casa Branca – alertou que “ninguém está acima da lei” e ao mesmo tempo pediu ao Departamento de Justiça que não indicie seu ex-chefe e que tal movimento “enviaria uma mensagem terrível para o mundo em geral”.

    A posição de Pence foi logicamente contraditória, mas politicamente compreensível, dada a dinâmica do Partido Republicano.

    Embora Trump tenha conseguido usar a exposição legal a seu favor até agora na campanha, não é certo que ele vá se manter assim. A questão da elegibilidade pode virar mais um ponto importante no próximo ano, quando o partido tentará reconquistar eleitores de estados indecisos.

    Além disso, como o cronograma do julgamento de Trump em Manhattan no ano que vem mostra, os réus costumam ter suas agendas cheias de datas para apresentação na corte, audiências e outros compromissos. Isso pode se tornar uma questão séria para o ex-presidente se ele estiver enfrentando vários dias em tribunal no próximo ano.

    Ao mesmo tempo, no entanto, o sistema constitucional e judicial que ele criticou tantas vezes garantiria o direito dele à mesma presunção de inocência que qualquer outra pessoa, além do direito de montar uma defesa robusta.

     

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