Como Zelensky passou de intérprete de presidente na TV a líder em tempos de guerra
Antes de ser eleito presidente da Ucrânia, Zelensky fez série satírica onde interpretava professor azarado que se tornou líder do país por acidente
Volodymyr Zelensky se aproximou de um púlpito sob luzes fortes, preparando-se para entregar uma mensagem ao povo ucraniano.
“Hoje vou começar com palavras tão esperadas, que desejo anunciar com orgulho”, disse ele.
“Finalmente”, continuou. “A Ucrânia está unida […] Esta é a nossa vitória”.
O discurso era ficção. É da cena final de “Servant of the People”, um programa de TV satírico sobre um professor de ensino médio azarado, interpretado por Zelensky, que acaba sendo empurrado para a presidência ucraniana depois que seu discurso sobre corrupção se torna viral.
A série não apenas fez de Zelensky uma estrela. Acabou servindo como trampolim para sua campanha presidencial na vida real. Em abril de 2019, um mês após o final do programa, o comediante que virou político foi eleito o presidente da Ucrânia.
Zelensky novamente se viu na frente de um púlpito na sexta-feira (25), mas a imagem que ele descreveu nos momentos finais do programa nunca pareceu tão distante depois que as forças russas invadiram a Ucrânia na quinta-feira (24) – acompanhe a cobertura especial da CNN.
A batalha pela capital, Kiev, continuou na sexta-feira. Explosões iluminaram o céu antes do amanhecer, enquanto o Kremlin atacava a cidade com mísseis, forçando as pessoas a irem para abrigos antiaéreos.
Em seu discurso televisionado na manhã de sexta-feira, Zelensky foi novamente um personagem, desta vez interpretando David para o Golias do presidente russo, Vladimir Putin. Em uma camiseta verde escura com olheiras sob os olhos, o presidente ucraniano adotou um tom desafiador e elogiou suas forças armadas por “defenderem brilhantemente o país”.
“Agora é um momento importante”, disse Zelensky. “O destino do nosso país está sendo decidido”.
Zelensky também tem sido ativo nas mídias sociais, usando sua conta no Twitter para postar atualizações e garantir aos ucranianos que ele está no país para liderar a resistência.
Em um vídeo postado na manhã de sábado intitulado “não acredite nas notícias falsas”, Zelensky revelou que ainda está em Kiev.
“Estou aqui. Não vamos baixar as armas. Estaremos defendendo nosso país, porque nossa arma é a verdade, e nossa verdade é que esta é nossa terra, nosso país, nossos filhos, e vamos defender tudo isso”, disse ele.
“É isso. Isso é tudo que eu queria te dizer. Glória à Ucrânia”, acrescentou.
Zelensky também recusou uma oferta dos EUA de evacuação de Kiev, disse no sábado a embaixada da Ucrânia na Grã-Bretanha pelo Twitter.
“A luta está aqui; eu preciso de munição, não de uma carona”, disse Zelensky aos EUA, segundo a embaixada.
“Os ucranianos estão orgulhosos de seu presidente”, acrescenta o tweet.
[cnn_galeria active=”false” id_galeria=”697682″ title_galeria=”Rússia ataca a Ucrânia durante a madrugada desta quinta”/]
‘Essa gangue de viciados em drogas e neonazistas’
A invasão em larga escala pela Rússia começou na quinta-feira. As forças de Moscou atacaram por terra, mar e ar, provocando uma enxurrada de condenações e sanções internacionais – e perguntas sobre as ambições mais amplas de Putin para a Ucrânia e sua capital.
Putin enquadrou a “operação militar” como uma ação necessária depois que os Estados Unidos e seus aliados cruzaram as “linhas vermelhas” da Rússia ao expandir a Otan para o leste.
Na sexta-feira, Zelensky pediu novamente que Putin mantenha conversas diretas.
“Há combates em toda a Ucrânia agora. Vamos nos sentar à mesa de negociação para impedir a morte das pessoas”, disse ele em russo.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse na sexta-feira que a Rússia está pronta para participar das negociações em Minsk, segundo reportagem da agência de notícias estatal russa RIA-Novosti. Um conselheiro de Zelensky disse à CNN que Kiev está considerando a proposta.
O governo democraticamente eleito da Ucrânia permanece intacto, mas Putin deixou claro nesta semana que não vê a Ucrânia como um Estado soberano legítimo. Na sexta-feira, ele pediu aos ucranianos para que derrubassem Zelensky.
“Tome o poder em suas próprias mãos”, disse Putin. “Parece que será mais fácil para nós chegar a um acordo (com vocês) do que com essa gangue de viciados em drogas e neonazistas que se estabeleceram em Kiev e fizeram reféns todo o povo ucraniano”.
Putin e seu governo repetidamente apresentaram alegações infundadas e imprecisas de que o governo ucraniano democraticamente eleito é um regime “fascista” ou “nazista”. Zelensky é judeu e teve familiares mortos no Holocausto.
É improvável que os comentários de Putin estimulem qualquer tipo de revolta ucraniana. Muitos dos moradores de Kiev deixaram a cidade, e aqueles que permanecem provavelmente não irão apoiá-lo, considerando que o último líder pró-Rússia da Ucrânia foi deposto durante uma revolta popular em 2014.
Zelensky foi eleito cinco anos depois, derrotando o titular Petro Poroshenko, mas seu mandato tem sido difícil. Os primeiros meses de seu governo foram engolidos pelo escândalo do “quid pro quo” que viu a tentativa do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, de pressionar a Ucrânia para desenterrar sujeira do oponente eleitoral e agora presidente Joe Biden e o filho dele, Hunter.
A Covid-19, então, devastou o país. As promessas de campanha de Zelensky, como acabar com a guerra no leste da Ucrânia e com a corrupção, permanecem não cumpridas.
Mas o perigo que Zelensky enfrenta não é mais apenas político.
Autoridades dos EUA alertaram os legisladores que as forças russas que entraram na Ucrânia por Belarus estavam a cerca de 32 quilômetros de Kiev, disseram fontes à CNN.
E oficiais de inteligência em Washington estão preocupados que a cidade possa cair sob controle russo dentro de dias. O porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse que Zelensky continua sendo o “alvo principal do ataque russo”, enquanto o próprio Zelensky disse que a Rússia o marcou como seu “alvo número um”.
“Eles querem destruir a Ucrânia politicamente ao destruir o chefe de Estado”, disse ele.
Contribuíram para esta reportagem: Anna Chernova, Kara Fox, Helen Regan e Nathan Hodge, da CNN.