Como sobreviver a um ataque de jacaré – ou melhor ainda, como evitá-lo
Ataques de jacarés não são tão frequentes, e as mortes ainda mais raras, mas é preciso cuidado com os animais
Jeffrey Heim acordou em 30 de maio de 2021 com só uma coisa em mente: tubarões. Mais especificamente, dentes de tubarão pré-histórico. Eles são sua paixão e seu negócio. Uma tentativa malsucedida no dia anterior de encontrar algum resquício de tubarão apenas alimentou sua obsessão por encontrar exemplares em seu passeio seguinte, como ele contou à CNN recentemente.
Então, em um domingo quente e ensolarado no condado de Sarasota, na Flórida, Estados Unidos, Heim, então com 25 anos, seguiu para o rio Myakka, um local a cerca de 45 minutos do Golfo do México.
O rapaz já havia ido ao local várias vezes e estava confortável em mergulhar em suas águas turvas para encontrar os dentes de megalodontes extintos no leito do rio. Ele vestiu sua roupa de mergulho, máscara, nadadeiras e snorkel e entrou na margem, não muito longe de um restaurante junto ao rio.
Heim mergulhou. Não deu nem um minuto quando ele sentiu algo. Algo ruim.
“Não ouvi nada, não vi nada. Eu senti um objeto de força contundente, como se alguém estive balançando um taco de beisebol e batendo na minha cabeça. Mas o que pensei era que um enorme barco havia se chocado contra mim e me puxava para baixo”.
Para sua surpresa, não era um barco. Ele estava na água, sozinho e cara a cara com uma fêmea de jacaré-americano.
Ataques de jacarés: raros, mas fascinantes
Heim estava em uma situação que muitas pessoas provavelmente temem, mas poucas realmente experimentam: um ataque de jacaré.
Estima-se que 5 milhões de jacarés-americanos selvagens estejam espalhados por dez estados no sudeste do Estados Unidos e além, incluindo partes da Carolina do Norte e até mesmo no extremo sudeste de Oklahoma.
A Louisiana tem cerca de 2 milhões de jacarés selvagens em um estado de cerca de 4,65 milhões de pessoas. A Flórida ostenta cerca de 1,25 milhão de jacarés (e mais de mil crocodilos). A Geórgia tem cerca de um quarto de milhão.
Alguns desses jacarés habitam lugares onde muitas pessoas vivem e muitos outros passam férias, como lagos e rios em toda a Flórida e na costa da Carolina do Sul.
No entanto, os ataques de jacarés não são tão frequentes e as mortes ainda mais raras (ataques mortais de cães e cavalos e outros mamíferos são mais comuns).
Houve 442 incidentes de mordidas não provocadas na Flórida de 1948 a 2021. Dessas, 26 resultaram em morte, de acordo com o Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem da Flórida.
Acontece que os jacarés, em condições naturais, simplesmente não estão tão interessados nas pessoas, de acordo com Kimberly Andrews, especialista em jacarés e cobras com doutorado em ecologia pela Universidade da Geórgia, com bolsa da Marina Extension and Georgia Sea Grant. Ela administra o Laboratório de Ecologia Costeira.
“Nós não somos suas presas. Se você pensar bem, somos muito perigosos para atacar. Temos braços e pernas. Podemos ficar de pé. Podemos andar, podemos nadar. Não somos um bom animal para se brigar”.
“A menos que os jacarés sejam confrontados, eles vão ficar em seu próprio território”, continuou. No entanto, as pessoas continuam fascinadas por tais encontros possíveis.
Reputação exagerada
A especialista quer dissipar a noção de jacarés como ameaças agressivas e vorazes em movimento. “Eles são chamados de predadores de emboscada. Também chamamos esses predadores do tipo ‘sentar e esperar’”, contou.
Eles são grandes, então é “energeticamente caro para eles serem realmente ativos. Somos seres que saímos para buscar alimento”. E não é assim com os jacarés.
“Eles não são tão ágeis. Corpo largo. Pernas pequenas. E isso também explica por que a percepção de seu perigo é exagerada na realidade”.
No entanto, recomenda-se cautela quando você está em território de jacarés, como campos de golfe, pântanos, lagos, rios e trilhas para caminhadas e ciclismo e pontos de pesca ao longo dos cursos d’água.
Melhor defesa: evitar um ataque
A educação é a chave para evitar um encontro ruim. Comece sabendo quando os jacarés estão mais ativos.
A temporada de reprodução começa com o aquecimento da primavera, e o acasalamento se estende no início do verão. Em Okefenokee Swamp, no sudeste da Geórgia, “começamos a ver os ovos eclodindo a partir de setembro e outubro. As fêmeas ficam mais protetoras quando sentem que alguém está ameaçando seus bebês”, disse Andrews.
A melhor estação é o inverno: se estiver frio, “eles não fazem quase nada”.
Já quando as temperaturas começam a chegar aos 27º C, os jacarés se tornam principalmente noturnos. Portanto, é melhor evitar aquele mergulho noturno refrescante em águas desconhecidas quando está quente.
Não provoque, não alimente, não entre em pânico
Segundo Andrews, ataques não provocados são raros. As pessoas geralmente são os provocadores, não os jacarés. Os jacarés podem ficar perturbados ou confusos quando as pessoas tentam agarrá-los pelo rabo ou tirar fotos de perto enquanto eles tomam sol.
É ainda pior quando as pessoas vão alimentá-los, pois então os répteis começam a associar humanos com comida. É aí que os jacarés podem ser mais perigosos, pois perdem seu medo natural ou desinteresse pelas pessoas.
“É mais provável que eles sigam o caminho mais fácil e consigam nossa comida do que trabalhem para lutar por ela”, explicou Andrews. “Em áreas onde temos altas taxas de turismo, mas não muita educação e supervisão de como as pessoas estão interagindo com os jacarés, vemos problemas de alimentação”.
Se você encontrar com jacarés, ela sugere manter a calma e respeitar seu território
“Digamos que você está andando de caiaque e vê um jacaré, continue passando por ele. Dê um amplo espaço, tanto quanto o espaço permitir”, detalhou Andrews.
“Não pegue os remos e bata na água. Às vezes as pessoas fazem isso para assustar o jacaré”, mas, com isso, na verdade você está indicando que é uma ameaça direta.
“Se por algum motivo eles começarem a nadar em sua direção, é bom ir para a outra direção e apenas mostrar que você não está interessado. Ou remar e ignorar o animal”.
Além disso, nunca mexa com os filhos dos répteis. “Sempre dizemos às pessoas que esses jacarés pequenos, mesmo sendo muito fofos, são o tamanho mais perigoso para se mexer”. Isso porque possivelmente há uma mãe por perto pronta para proteger seus filhotes.
Mais maneiras de evitar um ataque
Sites autorizados têm muitos bons conselhos para evitar um encontro perigoso. Esses são do Laboratório de Ecologia Fluvial de Savannah, da Universidade da Geórgia:
- Não alimente patos, tartarugas ou outros animais que compartilham águas com jacarés;
- Fique cerca de 18 metros ou mais longe de um jacaré adulto. Se um jacaré der um tipo de assobio ou avançar na sua direção, você está muito perto;
- Se você estiver dirigindo, deixe um jacaré atravessar a estrada. Eles se movem pelas estradas com mais frequência na primavera e no verão;
- Fique atento aos animais de estimação e crianças quando estiver em território de jacarés. “Grandes jacarés não reconhecem a diferença entre animais domésticos e fontes de alimentos selvagens”;
- Evite passear na vegetação pesada dentro e perto da beira da água.
Da Comissão de Conservação de Peixes e Vida Selvagem da Flórida:
- Nunca nade fora das áreas sinalizadas e nade apenas durante o dia. Os jacarés são mais ativos entre o anoitecer e o amanhecer;
- Livre-se de restos de peixe em latas de lixo em marinas e acampamentos de pesca. Não os jogue na água.
Os especialistas também aconselham as pessoas a ligar para as autoridades locais ou estaduais se virem jacarés perambulando pela vizinhança e outros lugares que você não esperaria. Não tente lidar com os répteis sozinho.
Quanto a Jeffrey Heim, essas dicas foram além da teoria.
Missão: sobrevivência
Heim estava em grande perigo e sabia disso. A jacaré-fêmea já o havia mordido no crânio e na mão. E estava vindo em sua direção novamente.
Ela “arrancou minha máscara e puxou minha cabeça para baixo em direção à minha barriga. E então eu subi, coloquei a cabeça acima da água. Não tinha mais a máscara com a GoPro que estava filmando. E nós dois estamos olhando um para o outro, ficamos sentados lá por cerca de dois ou três segundos, e eu senti algo estranho na minha cabeça”.
Ele não tinha certeza do que estava sentindo na época, mas descobriu mais tarde que era seu couro cabeludo, parcialmente arrancado de seu crânio, que batia na água.
Então “ela me atacou e eu me afastei calmamente, como eu faria com minha experiência com tubarões: a gente não pode agir como uma presa. Eu apenas me afastei para manter meu espaço”.
“E foi então que ele ou ela me atacou agressivamente de verdade“.
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O que fazer se você for atacado
Deus nos livre de sermos aquela pessoa como Heim atacado por um jacaré. Você saberia o que fazer?
Se o jacaré está tentando arrastá-lo para debaixo d’água, “você tem que assumir que neste momento está lutando por sua vida e precisa dar tudo de si”, afirma Andrews.
“Recomendamos tentar cutucá-los no olho, acertando-os na parte superior do crânio ou na lateral da mandíbula. Esses pontos são sensíveis em jacarés, assim como são em nós”, explicou.
Em um ataque na água, é mais perigoso o afogamento do que a mordida. Portanto, tente emergir se possível. “Somos melhores em terra do que eles. Eles são melhores na água”.
Mas não presuma que tudo está seguro se você estiver em terra. E o jacaré tem mais em seu arsenal do que um temível conjunto de dentes.
Você pode se machucar se for atingido pela cauda. Os jacarés também podem chicotear com seu crânio e usá-lo como um aríete. Andrews sentiu na pele como isso pode ser perigoso.
Ela fazia parte de uma equipe de captura que levava um jacaré preso com fita adesiva e com sua boca segura quando ele inesperadamente virou a cabeça.
“Ele me atingiu com a lateral da cabeça nas minhas canelas, e eu desmaiei. Na hora, pensei que tinha fraturado a tíbia. Surgiu um caroço do tamanho de uma bola de tênis. É incrível como eles são musculosos e poderosos”, lembrou Andrews.
O jacaré usa sua boca. Use a sua. “Grite, faça o máximo de barulho [quanto puder], não apenas revide, mas fique tão grande e ruidoso quanto possível”. Se houver alguém por perto, ligue para o serviço de emergência. Se um pau estiver próximo, alguém pode bater no jacaré e dar-lhe outro alvo.
“Uma outra pessoa na tentativa de resgatar você nunca deve entrar na água atrás de você e do jacaré. Ela vai ajudar mais estando em terra e ajudando você a sair da água”, contou Andrews.
Outras maneiras de se defender de um ataque
Aqui estão mais algumas dicas de sobrevivência de vários departamentos de vida selvagem e outros especialistas:
- Se você puder escapar para a terra, fuja em linha reta. Especialistas não aconselham fazer zigue-zague. Os jacarés podem se mover muito rápido em terra, mas apenas em rajadas e distâncias curtas antes de se cansarem;
- Tente causar um reflexo de vômito enfiando qualquer objeto que você possa alcançar na parte de trás da boca do jacaré;
- Às vezes, um jacaré reposiciona sua presa em sua boca. Com a mandíbula aberta, essa é sua chance de escapar;
- “Jacarés prendem usando suas mandíbulas poderosas, depois torcem e rolam. Se um jacaré morder seu braço, isso pode ajudar você a agarrar o jacaré e rolar com ele para reduzir o rasgo do braço”, de acordo com o conselho do Departamento de Recursos Naturais da Carolina do Sul;
- Vá atrás de atendimento médico imediatamente se mordido. As mordidas de jacaré geralmente resultam em infecção grave.
Tudo isso é específico dos jacarés-americanos, enfatiza Andrews. Outras espécies de crocodilos em lugares como África e Austrália podem ser mais agressivas. Na verdade, somos do tamanho de uma presa para alguns deles, disse ela.
Mas os relativamente poucos crocodilos no sul da Flórida não são conhecidos por atacar pessoas.
A fuga
Uma das dicas de sobrevivência de Andrews foi muito útil quando a jacaré-fêmea se lançou mais uma vez para cima de Heim.
“Eu de fato recuei. Saí do rio o mais rápido que pude. Eu subi no banco de areia de dois metros e me arrastei até o estacionamento”. Ele estava prestes a desmaiar, mas conseguiu “gritar para algumas pessoas daquele restaurante” da margem do rio.
Felizmente, eles ouviram seus gritos de socorro e conseguiram ajudá-lo com um kit de primeiros socorros do restaurante e ligar para o serviço de emergência.
Enquanto esperava pelos paramédicos, ele não sentiu dor. Mas “o tempo todo em que estive sentido fiquei bem louco e exausto. Foi quando pensei que ia morrer”. O mergulhador ficou na UTI de um hospital por dois dias, mas voltou ao trabalho na semana seguinte “com grampos na cabeça”.
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Lições aprendidas
Heim teve agora tempo para refletir sobre o que fez naquele dia e sobre o que os outros podem aprender com o seu ataque.
“Eu sabia que havia jacarés lá. Basicamente fiz tudo errado nesse dia”, lembrou. “Eu estava ciente de que era época de acasalamento dos jacarés, mas fui ao rio com muita confiança, especialmente estando sozinho, e fazendo mergulho livre, que eu nunca tinha feito naquele rio antes”.
“Essa arrogância ou confiança levou à mordida, mesmo que este fosse um jacaré caracteristicamente agressivo. Ainda era a hora errada do ano para ir”.
Tal como outros jovens que passaram algum tempo nas florestas e pântanos da região, ele ficou embalado numa falsa sensação de segurança, porque esteve perto de jacarés antes sem sofrer qualquer incidente.
“Eu estava meio de olho ao redor em busca de jacarés, mas, se eu tivesse visto um, achava que não seria um problema”.
“Acho que a diferença foi que este foi perto de um restaurante, e jacarés alimentados são os mais agressivos. É o que os profissionais da área acreditam ter contribuído também para este ataque”, contou.
“Se você vai mergulhar em um rio como aquele, o que eu não sugiro mais, não faça mergulho livre. Você irá subir e descer como se fosse uma presa. E vai parecer muito menor que realmente é”.
“Pese todos os riscos. Qualquer coisa pode acontecer a qualquer hora a qualquer um. Nenhum de nós é invencível. E acho que foi a juventude que me deixou um pouco confiante demais”.
Heim foi atacado, mas não vencido. Ele continua procurando dentes de tubarão e aumentou as operações para da sua empresa SHRKco.
A abordagem de Heim é diferente agora. Ele é mais cauteloso. Disse que tem mais e melhores equipamentos. Mergulhou de novo no Myakka duas vezes desde o ataque. No entanto, agora vai com outras pessoas, incluindo especialistas em jacarés.
Andrews diz que é crucial que as pessoas coexistam com esses répteis porque eles são uma parte indispensável da ecologia como um predador de topo, mantendo populações de outros animais em controle.
“No Sul, eles fazem parte da nossa herança. São uma caraterística carismática e icônica das nossas paisagens. Deveria ser assim: nós gostamos do nosso chá doce. Gostamos dos nossa papa de milho. Gostamos de nossos jacarés. Faz parte de quem somos”.