Como o caos político da Líbia agravou a tragédia das enchentes
Equipes de resgate são poucas e sem treinamento suficiente; líbios afetados dependem, principalmente, da ajuda de estrangeiros enviados às pressas para lidar na contenção da crise
O chefe de operações humanitárias da Organização das Nações Unidas (ONU), Martin Griffiths, afirmou nesta sexta-feira (15), em Genebra, que o desastre histórico na Líbia pode ser atribuído ao “clima e à capacidade”.
O país do norte da África foi atingido por uma inundação sem precedentes desencadeada pela Tempestade Daniel no último domingo (10).
A capacidade que o representante da ONU se refere é a falta de estrutura da Líbia para lidar com enchentes ou qualquer desastre natural.
As poucas equipes de resgate do país não têm treinamento suficiente, nem equipamentos para atender emergências de grandes proporções. Líbios afetados dependem, principalmente, da ajuda de especialistas estrangeiros enviados às pressas para lidar na contenção da crise.
O país de 6,7 milhões de habitantes, rico em petróleo, vive em meio ao caos e crises desde a derrubada do regime do ditador Muammar Gadhafi, em 2011. Uma guerra civil teve início em 2014 e agravou o estado de devastação do país, que perdeu a pouca infraestrutura que tinha.
Agora, a Líbia é governada por dois lados rivais: o governo reconhecido internacionalmente com sede em Trípoli, e o governo de Benghazi, no leste, apoiado por milícias.
Na prática, a realidade de ser um Estado falido e sem governo central, fez com a Líbia ficasse sem investimentos em obras públicas, como estradas e pontes, e em sistemas e equipes de prevenção a desastres.
“Se houvesse um serviço meteorológico operando normalmente, eles teriam emitido os avisos e também a gestão de emergência deste teria sido capaz de realizar a evacuação das pessoas e teríamos evitado a maioria das vítimas humanas”, disse o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Petteri Taalas, em Genebra.
A falta de um sistema de alerta coordenado não deu chances aos moradores da cidade portuária de Derna, que foi praticamente varrida por uma onda de sete metros que desceu as colinas depois do rompimento de duas barragens.
Não sobrou praticamente nada dos edifícios e casas que estavam na rota da enxurrada. Vítimas e destroços foram carregados para o mar.
No ano passado, o hidrologista Abdelwanees A. R. Ashoor, da Universidade Omar Al-Mukhtar, na Líbia, publicou um estudo em que alertava sobre as possíveis ameaças à cidade de Derna, incluindo a necessidade de manutenção das represas da região. Nada foi feito.
Antes da tragédia, Derna tinha cerca de 100 mil habitantes. O prefeito Abdulmenam al-Ghaithi disse a jornalistas que o número de mortos pode atingir 20 mil. A Organização Internacional para as Migrações estima que o número de desalojados é de 38 mil.
A dificuldade da Líbia é tão desproporcional às capacidades do país, que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) teve que enviar sacos para os corpos das vítimas, que estão espalhados pelas ruas e praias.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros grupos de ajuda humanitária fizeram um apelo para que autoridades da Líbia parem de enterrar os corpos em valas comuns.
Segundo as organizações, enterros e cremações em massa precipitados podem causar ainda mais sofrimento à população já fragilizada pela tragédia.
*Com informações da Reuters e CNN Internacional
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