Fora do Líbano, Brasil fica sem tropas em missões de paz pela 1ª vez em 21 anos
Desde 2011, o Brasil participava da Unifil, força interina da ONU no Líbano, com o objetivo de impedir a entrada de armas e outros materiais ilegais no país
A fragata Independência, com 194 militares brasileiros a bordo, deixou o porto de Beirute, no Líbano, às 4h do dia 2 de dezembro. Eles devem chegar ao Brasil no dia 28. Será a primeira vez em 21 anos que o Brasil ficará sem tropas em missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU).
Desde 2011, o Brasil participava da Unifil, força interina da ONU no Líbano, com o objetivo de impedir a entrada de armas e outros materiais ilegais no país. A presença nessas operações é considerada uma forma de projeção do poder nacional.
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O Ministério da Defesa aponta dois motivos para essa saída: priorizar o entorno estratégico e a dificuldade de manter esses navios operando em boas condições no Mediterrâneo.
No entanto, em nota enviada à CNN (veja íntegra abaixo) nesta terça-feira (8), a pasta nega que o país tenha ficado sem missões de paz. “Na realidade, o Brasil mantém seu firme compromisso com as operações de paz, continuará presente em 8 das 12 missões de paz da ONU e vem desenvolvendo diversas outras iniciativas, que vão ainda além da presença”, diz o texto.
Para o ex-embaixador Rubens Ricupero, a ausência de tropas do país acontece quando o Brasil aumenta ainda mais seu isolamento internacional e poderá trazer consequências para o país.
“O Brasil fica mais isolado e a saída dessas áreas de conflito, como o Oriente Médio, faz com que o país se torne mais provinciano, mais voltado pra dentro. Não aconteceu nada nos últimos 20 anos pra cá que justifique concentrar forças no Atlântico Sul”, disse.
Na nota (veja íntegra abaixo), o Ministério da Defesa também nega a afirmação de Ricupero. “O ambiente estratégico no Atlântico Sul passou sim por sensíveis em importantes transformações ao longo dos últimos 20 anos. Em relação ao primeiro aspecto, ao contrário do que induz a matéria, é importante destacar que o Brasil, em momento algum, afastou-se do seu compromisso com as operações de paz da ONU.”
O país vai continuar participando de oito das treze operações de paz da ONU, mas restarão apenas os capacetes azuis, como são chamados os peacekeepers, que trabalham como observadores militares em missões individuais, além dos civis e dos policiais. Isso acontece em países como Sudão do Sul, Congo e República Centro Africana.
“Vai ficar menos visível, mas certamente o Brasil ainda ocupa uma posição de prestígio no sistema ONU de paz e segurança internacional, mesmo sem a tropa da Unifil”, afirma Eduarda Hamann, pesquisadora e professora da FGV.
Investimento em queda
O investimento com manutenção de tropas no exterior tem sofrido queda nos últimos anos. Em 2016, o país destinou R$ 188,6 milhões para as forças de paz. Já em 2020, o valor caiu para R$ 68 milhões. Para 2021, a expectativa é de que sejam investidos apenas R$ 24 milhões. Enxugar o orçamento já estava nos planos do ministério da defesa antes da pandemia.
Pandemia nas missões
As missões de paz da ONU só existem com o consentimento dos países que as abrigam e acontecem quando uma nação não consegue administrar sozinha os seus conflitos e problemas, nunca são intervenções. Com a pandemia da Covid-19, a realidade desses países ficou ainda mais difícil.
As missões contam com três forças: a civil, a militar e a policial. São mais de 14 mil civis, 70 mil militares e cerca de 9 mil policiais em operações em todo o mundo. As mulheres, ainda que minoria, participam de todas as áreas das missões e por causa da pandemia, problemas específicos também surgiram.
“Houve o aumento de violência doméstica. As famílias ficaram convivendo bastante tempo em casa, então houve esse aumento da violência e a nossa forma de administrar foi o aumento das nossas patrulhas, onde a nossa presença inibia essa prática”, conta Darilene Monteiro, policial na Minusca, missão de paz na República Centro-Africana.
O país vive uma guerra civil desde 2012. Seu papel como policial, além de assegurar a proteção da população local, é também monitorar e relatar a situação dos mais vulneráveis.
A mais de seis mil e quinhentos quilômetros dali: uma cidade no meio do deserto. Menaka, na língua local, significa: ‘para onde vamos?’ No interior do Mali, está em andamento uma das missões em que o Brasil continua participando. Ela é considerada uma das mais perigosas da ONu e, desde que foi criada, em 2013, mais de 180 capacetes azuis foram mortos.
O brasileiro Francisco Osler trabalha há 25 anos nas Nações Unidas e chefia o escritório regional da Minusma, a missão de paz no Mali.
“A pandemia afetou diretamente, porque o nosso trabalho, principalmente no Mali, é direto com a população. Direto com o estado, com a representação, com a sociedade civil, com direitos humanos, grupos armados então muita interação física. De cara, logo com a pandemia, a primeira coisa foi essa ruptura do contato físico”, conta.
Cuidados específicos de higiene e distanciamento social se juntaram às atividades diárias. Em algumas situações isso significou ter de lidar com o vírus ao mesmo tempo em que enfrentavam grupos armados.
Nota do Ministério da Defesa
O Ministério da Defesa contestou o título inicial da matéria da CNN, publicado no dia 6 (“Com saída do Líbano, Brasil ficará sem missões de paz pela 1ª vez em 21 anos”). O título foi posteriormente corrigido para: “Fora do Líbano, Brasil fica sem tropas em missões de paz pela 1ª vez em 21 anos”, uma vez que missões de paz continuarão, conforme o ministério explica na nota abaixo. Leia a íntegra:
O Ministério da Defesa (MD) informa que a reportagem “Com a saída do Líbano, Brasil ficará sem missões de paz pela primeira vez em 21 anos”, veiculada na TV CNN nos dias 1º e 6 de dezembro e publicada
posteriormente no sítio da emissora, apresenta equívocos e omissões, que necessitam melhor esclarecimento, especialmente em relação a dois aspectos principais
1– A o contrário do que afirma o próprio título da reportagem, o Brasil não ficará sem missões de paz. Na realidade, o Brasil mantém seu firme compromisso com as operações de paz, continuará presente em 8 das 12 missões de paz da ONU e vem desenvolvendo diversas outras iniciativas, que vão ainda além da presença;
2 – Ao contrário do que afirma o especialista consultado pela reportagem , o ambiente estratégico no Atlântico Sul passou sim por sensíveis em importantes transformações ao longo dos últimos 20 anos. Em relação ao primeiro aspecto, ao contrário do que induz a matéria, é importante destacar que o Brasil, em momento algum, afastou-se do seu compromisso com as operações de paz da ONU.
O Presidente da República, inclusive, durante seu discurso de abertura na Assembleia Geral das
Nações Unidas reiterou o compromisso do Brasil com as Operações de Paz.
Demonstrando claramente o compromisso brasileiro com as operações de paz, o País mantém militares em 8, das 12 missões de paz da ONU atualmente em andamento, totalizando quase uma centena de militares.
O Brasil participa nas missões no Congo (onde a missão inclusive é comandada por um general brasileiro), no Saara Ocidental, no Chipre, na República Centro Africana, no Sudão, no Sudão do Sul, em Darfur e no próprio Líbano, onde manterá militares na missão mesmo após a saída do navio.
Além disso, o País tem contribuído de diversas outras formas como, por exemplo, com a missão de treinamento de guerra na selva, composta por 13 militares brasileiros especializados, que está presente no Congo há mais de um ano, preparando contingentes de outros países para operar naquele ambiente, e
com o curso de Gerenciamento de Projetos de Engenharia, ministrado por militares brasileiros, na Escola de Apoio Humanitário e Operações de Paz, em Nairóbi, Quênia.
2 Cabe destacar, ainda, que nos últimos dois anos (2019 e 2020), em situação inédita, militares brasileiras receberam o prêmio de defensor de gênero da ONU, tendo sido escolhidas dentre todos os militares integrantes dos países que participam das operações de paz.
O país possui hoje dois centros de excelência de treinamento de operações de paz, com cursos reconhecidos pela ONU e com elevado prestígio no exterior: o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) e o Centro de Operações de Paz de Caráter Naval (COpPazNav) permanecem em plena atividade, preparando milita res brasileiros e estrangeiros para atuar nas operações de paz da ONU.
Em relação ao segundo aspecto, a ideia de que o ambiente estratégico no Atlântico Sul permaneceu inalterado nos últimos 20 anos, defendida pelo especialista consultado, parece bastante equivocada e, principalmente, desatualizada.
Na realidade, o Atlântico Sul vem passando por profundas e importantes transformações ao longo das duas últimas décadas.
Preliminarmente, é importante destacar que o Atlântico Sul é considerado prioritário pela Política Nacional de Defesa (PND) e pela Estratégia Nacional de Defesa (END), sendo parte
integrante do entorno estratégico brasileiro, que inclui também a América do Sul, os países da costa ocidental da África e a Antártica.
No Atlântico Sul, a área marítima sob jurisdição do Brasil (a nossa “Amazônia Azul’) aumentou significativamente nos últimos anos, com os pleitos apresentados pelo País, passando de 3,4 para 5,7 milhões de km
2. Esses números, por si só, representam um acréscimo de 67% na área que demanda presença e patrulhamento constantes. Atualmente, na Amazônia Azul, trafegam mais de 95% do nosso comércio exterior e cerca de 95% do petróleo nacional é extraído.
A Amazônia Azul representa gigantesco acervo de recursos vivos, minerais e sítios ambientais, que merecem permanente vigilância.
Tem sido observado aumento crescente de frotas pesqueiras ilegais em zonas econômicas exclusivas dos países na América do Sul, assim como, no Brasil. Regiões no limite de nossa fronteira marítima, no norte, nordeste e sul, são constantes palcos da presença de pesqueiros ilegais, demandando cada vez mais a atuação da Marinha, visando garantir, não apenas a soberania, mas a preservação de sítios de pesca a nossos pescadores.
Em 2019, o País sofreu grave e inédito crime ambiental, fruto do derramamento de óleo, a cerca de 700 km da costa. As dimensões da faixa do litoral atingida (cerca de 4.000km) demandaram a mobilização de toda a Esquadra brasileira.
Ainda no Atlântico Sul, um crime que é considerado uma das maiores ameaças ao comércio marítimo internacional, a pirataria, teve enorme crescimento nos últimos anos.
A ação decisiva e coordenada das marinhas de diversos países, na região do chamado “Chifre da África”, próximo da Somália, que por muitos anos havia sido o principal foco de atuação da pirataria, fez com que houvesse substancial redução e esta migrasse para outras áreas.
Tal situação teve consequências diretas no Atlântico Sul, em especial no Golfo da Guiné, que hoje responde por cerca de 82% dos sequestros de tripulação de navios mercantes no mundo, com características particulares, que guardam estreita conexão com tráfico de armas, drogas e seres humanos, mineração e pesca ilegais.
Nesse contexto, hádemanda constante de diversos países, tanto da presença, quanto da atuação da Marinha, em parceria nas ações efetivas e no apoio aos esforços para fortalecer e capacitar nações africanas lindeiras no combate aos ilícitos naquela região.
As “novas ameaças”, incluindo a pesca ilegal, crimes ambientais, tráfico de drogas e pessoas, dentre outros, compõem conceito amparado, não somente pelo Brasil, mas por grande parte dos países, organismos internacionais, como a IMO e a ONU, e alianças militares como a OTAN.
Uma realidade que impacta defesa e soberania dos países, com efeitos no presente e no futuro. Esses e outros focos de insegurança marítima no Atlântico Sul têm criado condições para maior afluxo de atores e potências extra regionais, movidos pelos interesses econômicos de preservar a livre navegação de suas
frotas mercantes e para as trocas comerciais e acesso às fontes de recursos energéticos e minerais.
Nesse ensejo, a PND e a END contemplam o fortalecimento da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul (ZOPACAS), fórum que envolve países da América do Sul e África banhados por esse oceano, na busca de garantir ambiente marítimo mais seguro e independente, com planejamentos em conjunto e integração de soluções próprias.
Por fim, ideias quanto à inexistência de tensões no Atlântico Sul podem levar a interpretações erráticas que incorram no estabelecimento de estratégias carentes de realismo para enfrentar os desafios do século XXI, cuja complexidade, difusão de poderes, pulverização de interesses e descaminhos de toda ordem, requerem, cada vez mais, a integração e otimização de esforços.
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO MINISTÉRIO DA DEFESA