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    Com dificuldades no fronte e possível vitória de Trump, Zelensky sugere negociações com Rússia

    Falta de concessões entre beligerantes ainda é obstáculo para acordo

    Ivana Kottasováda CNN

    O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky adotou um tom incomumente contido ao se dirigir à nação esta semana, sugerindo disposição de negociar com a Rússia pela primeira vez desde que Moscou lançou sua invasão em grande escala há mais de dois anos.

    Zelensky sugeriu que Moscou deveria enviar uma delegação para a próxima cúpula de paz que ele espera realizar em novembro.

    A Rússia não foi convidada para a conferência de paz anterior, realizada em junho na Suíça, pois Zelensky disse que qualquer conversa só poderia acontecer após uma retirada russa da Ucrânia.

    Kiev está atualmente enfrentando o duplo golpe de uma situação difícil na linha de frente e incerteza política sobre o nível de apoio futuro dos aliados mais próximos da Ucrânia.

    Embora o progresso das tropas russas no leste da Ucrânia tenha diminuído significativamente desde que as armas dos Estados Unidos começaram a chegar ao país em maio, ele não parou completamente. A Rússia ainda está ganhando território, embora em um ritmo muito mais lento.

    Ao mesmo tempo, surgem questões sobre a disposição de alguns dos aliados mais próximos e importantes da Ucrânia – principalmente os Estados Unidos e a Alemanha – de continuar investindo recursos no conflito em apoio a Kiev.

    Na segunda-feira (15), Zelensky disse que a Ucrânia não estava recebendo assistência ocidental suficiente para vencer a guerra, ressaltando que seu resultado será determinado muito além das fronteiras da Ucrânia.

    “Nem tudo depende de nós. Sabemos o que seria um fim justo para a guerra, mas não depende apenas de nós. Depende não apenas do nosso povo e do nosso desejo, mas também das finanças, das armas, do apoio político, da unidade na UE, na OTAN, no mundo”, disse o presidente ucraniano.

    O ex-embaixador dos EUA na Ucrânia, John Herbst, disse que era plausível que a mudança de tom de Zelensky fosse uma reação aos eventos que se desenrolam nos Estados Unidos, onde o ex-presidente Donald Trump anunciou na segunda-feira um crítico ferrenho do envio de apoio à Ucrânia, J.D. Vance, como seu companheiro de chapa.

    Falando à CNN Internacional do Aspen Security Forum, Herbst disse que era possível que Zelensky estivesse tentando se aproximar de um potencial futuro governo Trump, enfatizando que ele estaria disposto a negociar — desde que o acordo na mesa fosse justo.

    “Tem que ser [uma] paz razoável, que não permita que os ocupantes russos continuem a torturar, reprimir e assassinar o povo da Ucrânia que está sendo ocupado”, disse o mandatário ucraniano.

    A Rússia negou repetidamente as acusações de tortura e abusos de direitos humanos na Ucrânia, apesar de evidências do contrário.

    Trump e Zelensky conversaram na sexta-feira no que Trump chamou de “um telefonema muito bom”.

    O ex-presidente disse que iria “trazer paz ao mundo e acabar com a guerra que custou tantas vidas”, enquanto Zelensky disse que os dois discutiram “quais medidas podem tornar a paz justa e verdadeiramente duradoura”.

    Termos inaceitáveis

    O presidente russo, Vladimir Putin, repetiu diversas vezes nos últimos meses que estaria disposto a negociar com a Ucrânia – embora em termos que continuam completamente inaceitáveis ​​para a Ucrânia e seus aliados ocidentais.

    Putin disse que a Rússia encerraria sua guerra na Ucrânia se Kiev entregasse a totalidade de quatro regiões reivindicadas por Moscou: Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia.

    Grandes faixas dessas regiões permanecem sob controle ucraniano, então ele está essencialmente pedindo à Ucrânia que desista do território sem lutar.

    Putin também disse que qualquer acordo de paz exigiria que a Ucrânia abandonasse sua tentativa de se juntar à OTAN, o que levou Kiev a chamar a proposta de “ofensiva ao senso comum”.

    Orysia Lutsevych, vice-diretora do Programa Rússia e Eurásia na Chatham House, disse que, considerando as demandas públicas de Putin, as palavras de Zelensky provavelmente foram pensadas como uma mensagem para o resto do mundo.

    “É um sinal para a Rússia e um sinal para o sul global de que a Ucrânia não é algum tipo de força obstrutiva. Ela está disposta a sentar-se à mesa de negociações. Mas isso não pode ser totalmente nos termos russos, e não pode levar à capitulação da Ucrânia para a Rússia. Putin está exigindo o controle de regiões que ele não pode conquistar militarmente”, ela disse à CNN Internacional.

    Lutsevych acredita que Putin intensificou seus apelos por negociações porque sabe que sua janela de oportunidade pode estar se fechando.

    Apesar de ser consideravelmente maior e mais forte que a Ucrânia, a Rússia não conseguiu cumprir seus objetivos territoriais – mesmo quando Kiev estava recebendo apenas ajuda limitada do Ocidente.

    A tentativa inicial de Moscou de tomar a capital terminou em derrota e as linhas de frente não se moveram consideravelmente em mais de um ano.

    Mapa da fronteira da Ucrânia com a Rússia / Hnerik Pettersson/CNN

    Incertezas à frente

    O novo pacote de assistência militar dos EUA começou a chegar às linhas de frente na Ucrânia em maio, após meses de atrasos causados ​​por impasse político no Congresso norte-americano.

    Ao mesmo tempo, a Ucrânia finalmente recebeu permissão de algumas nações ocidentais para usar suas armas para atacar alvos dentro da Rússia – embora apenas em circunstâncias limitadas e em áreas próximas à fronteira com a Ucrânia.

    Embora isso tenha ajudado a retardar o progresso russo e evitado uma possível reocupação da região de Kharkiv, a Ucrânia ainda está defendendo território, em vez de avançar para recuperar áreas atualmente sob ocupação russa.

    “As forças ucranianas terão que acumular equipamentos, materiais e mão de obra para uma futura operação de contra-ofensiva, e isso é parte do cálculo russo que estamos vendo – o comando militar russo parece estar buscando uma estratégia em que eles estão conduzindo operações ofensivas consistentes e intensas por toda a linha de frente”, disse Riley Bailey, analista de Rússia no Instituto para o Estudo da Guerra, sediado nos EUA.

    Com avanços graduais e lentos ao longo da linha de frente de mais de 1.000 quilômetros, a Rússia está forçando a Ucrânia a se comprometer com operações defensivas em vez de se preparar para uma contra-ofensiva, disse Bailey.

    “Eles precisarão degradar as forças e capacidades russas que são parte das operações ofensivas, o que traria mais flexibilidade e aliviaria um pouco a pressão”, disse Bailey. “A Ucrânia pode então começar a fazer algumas escolhas operacionais que não conseguiu fazer nos últimos meses.”

    Mas o sucesso de qualquer contra-ofensiva ucraniana futura dependerá principalmente de quanto apoio ela receberá de seus aliados ocidentais daqui para frente. Zelensky disse esta semana que o nível atual de apoio foi suficiente para conter novos avanços russos, mas não para vencer a guerra.

    Esta semana trouxe mais incerteza nessa frente, já que Trump anunciou que havia escolhido Vance como seu candidato a vice-presidente. Vance sugeriu anteriormente que a Ucrânia deveria negociar com a Rússia porque os EUA e outros aliados não têm capacidade para apoiá-la.

    O próprio Trump afirmou que “acabaria com a guerra em um dia” e disse que os EUA não deveriam enviar dinheiro para a Ucrânia sem condições.

    Ao mesmo tempo, descobriu-se que a Alemanha, que está entre os maiores apoiadores da Ucrânia, planeja reduzir pela metade sua ajuda militar à Ucrânia no ano que vem — embora tenha sugerido que Kiev deveria ser capaz de atender maior parte de suas necessidades militares com os US$ 50 bilhões em empréstimos provenientes dos recursos de ativos russos congelados, aprovados pelo G7 no mês passado.

    Se o pior cenário para a Ucrânia se materializasse – se os EUA parassem de fornecer ajuda, a Europa não intensificasse sua assistência e a Ucrânia não conseguisse acessar os ativos russos congelados – a Rússia provavelmente começaria a ter ganhos muito maiores.

    Herbst disse que se os democratas vencerem as eleições presidenciais dos EUA em novembro, a atual política de apoio à Ucrânia provavelmente continuará, com mais ajuda chegando.

    “Se Trump vencer, não sabemos o que ele fará. Mas sabemos que há pessoas sérias em sua equipe de segurança nacional que entenderão que Putin é uma ameaça direta aos interesses norte-americanos e que é importante ou crítico para os EUA que Putin perca na Ucrânia”, acrescentou.

    Mas Herbst disse que há mais um fator que poderia convencer um possível governo Trump a continuar ajudando a Ucrânia.

    “Se sua equipe cortar a ajuda, e a Ucrânia entrar em colapso, isso será uma grande derrota para os Estados Unidos, causada pela equipe de Trump. E uma derrota que ofuscaria o constrangimento e o dano causados ​​pela retirada incompetente de Biden do Afeganistão. E haverá pessoas em sua equipe que entenderão isso”, disse ele.

    Analistas esperam que o pacote de ajuda à Ucrânia aprovado pelo Congresso dos EUA no início deste ano dure cerca de um ano a 18 meses em Kiev, o que pode ser tempo suficiente para a Ucrânia se reagrupar e lançar uma nova contra-ofensiva.

    Lutsevych disse que a Ucrânia precisa desesperadamente obter ganhos no campo de batalha e então ver se há um desejo real da Rússia de negociar.

    “Mas que evidência temos de que os russos estão dispostos a negociar? Putin está colocando seu país em pé de guerra total”, disse a vice-diretora do Programa Rússia e Eurásia na Chatham House, acrescentando que a guerra provavelmente terminará apenas se Moscou começar a se sentir ameaçada.

    “Acho que essa guerra terminará quando Putin começar a sentir que o controle russo sobre a Crimeia está ameaçado.”

    A Ucrânia já intensificou seus ataques contra a península, ilegalmente anexada pela Rússia em 2014 e lar da frota do Mar Negro de Moscou. Kiev alega que seus militares atingiram e afundaram ou danificaram severamente vários navios de guerra russos na área, desabilitando pelo menos um terço da frota russa do Mar Negro.

    A Ucrânia também conseguiu atingir e fechar temporariamente a ponte do Estreito de Kerch que conecta a Crimeia com a Rússia em várias ocasiões. A frente sul – que se estende do Donbas no leste da Ucrânia através das regiões de Kherson e Zaporizhzhia, com o território ocupado pela Rússia criando uma ponte terrestre entre a Rússia e a Crimeia – será um alvo-chave.

    Embora o tom de Zelensky possa ter mudado esta semana, sua posição sobre como um acordo de paz deveria ser não mudou, ou pelo menos não publicamente. A maioria dos ucranianos não quer que o governo desista de nenhum território.

    “Agora mesmo, é politicamente difícil, se não impossível, declarar que uma paz pode ser alcançada sem o retorno total de todos os territórios ucranianos. Mas isso não significa que, com o tempo, isso não possa se tornar possível”, disse Herbst.

    Ele acredita que Kiev poderia “falar com alguma justificativa da vitória ucraniana nesta guerra”, mesmo que a Ucrânia não consiga recuperar todo o seu território pré-guerra – desde que recupere o suficiente para ser um estado economicamnente viável e seguro.

    “Mas para ser um estado seguro, especialmente nessas circunstâncias, deve ser um membro da OTAN. Acredito que se isso estivesse realmente na mesa, ou seja, com a fé e o poder total dos Estados Unidos por trás, isso, em teoria, poderia levar a uma paz estável”, disse ele.

    “Não seria uma paz justa, porque você ainda estaria relegando milhões de ucranianos às ternas misericórdias de um regime cruel do Kremlin, que demonstrou não ter amor — e essa é uma maneira muito educada de dizer isso — pelos ucranianos que acreditam ser ucranianos, e não pequenos russos.”

    Com informações de Olga Voitovych, da CNN Internacional

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