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    Cinco anos após votação do Brexit, o Reino Unido está mais dividido do que nunca

    Votação deveria resolver neurose britânica sobre relação com Europa, mas não fez nada disso

    Análise de Luke McGee, da CNN

    A Grã-Bretanha era um lugar muito diferente em 2006.

    Tony Blair era o primeiro-ministro, a crise financeira que iria devastar a economia global ainda não havia chegado e um parlamentar chamado Boris Johnson estava planejando sua candidatura a prefeito de Londres como nome liberal pró-Europa do Partido Conservador.

    Ao assumir as rédeas como o novo líder dos conservadores depois de o partido sofrer três derrotas consecutivas nas eleições gerais, David Cameron (outro pró-Europa) implorou aos colegas de legenda que parassem de “falar sobre a Europa” e, em vez disso, se concentrassem nas “coisas com as quais a maioria das pessoas se preocupa”.

    Uma década depois, Cameron, então primeiro-ministro, apostou seu dinheiro naquilo que dizia e jogou tudo em um plebiscito sobre a adesão da Grã-Bretanha à União Europeia, imaginando que ninguém fora de Westminster, a sede do poder no país, se importava com a Europa. Ele estava errado.

    A votação – que completa cinco anos nesta quarta-feira (23) – deveria resolver a perene neurose do Reino Unido sobre sua relação com a Europa de uma vez por todas. Mas não fez nada disso.

    Boris Johnson finalmente levou a Grã-Bretanha para fora da União Europeia em 2020 em termos mais duros do que qualquer um acreditava ser possível em 2016. As pesquisas mostram que pouquíssimas pessoas acreditam que a questão foi resolvida – ou será resolvida em breve. Embora pareça improvável que as consequências do Brexit sejam totalmente compreendidas por anos, o Reino Unido permanece tão dividido hoje quanto estava cinco anos atrás.

    Problemas na Irlanda do Norte

    Desde o momento em que o plebiscito do Brexit foi anunciado, era óbvio que o destino da Irlanda do Norte seria a questão mais difícil de negociar. A província faz parte do Reino Unido – e, portanto, deixou a EU – mas compartilha uma fronteira terrestre com a República da Irlanda, um estado membro da UE.

    Manter essa fronteira aberta é extremamente importante, devido ao risco muito real de violência sectária entre comunidades católicas e protestantes.

    Para fazer isso, Johnson e a UE concordaram com algo chamado Protocolo da Irlanda do Norte, que concederia à Irlanda do Norte um status especial dentro do território aduaneiro da UE, eliminando a necessidade de controles sobre as mercadorias que cruzam a fronteira.

    Em troca, o Reino Unido concordou com uma fronteira marítima entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, para imenso desânimo tanto dos unionistas (que defendem a união com a Grã-Bretanha) como dos republicanos (que buscam a reunificação com o resto da Irlanda) da Irlanda do Norte.

    Bem mais de um ano depois de o Reino Unido deixar oficialmente a Europa, Londres e Bruxelas (a sede da UE) continuam envolvidos em uma disputa sobre as realidades logísticas do protocolo que o próprio Johnson assinou.

    O Reino Unido deve implementar o protocolo na íntegra no final de junho, mas está ameaçando estender um período de carência para evitar a escassez de alimentos (especificamente de carnes resfriadas) na Irlanda do Norte. Se o fizer, a UE poderá responder impondo tarifas ao Reino Unido.

    A imprensa britânica rotulou esse espetáculo pouco edificante de “guerra das salsichas” – e, embora pareça bobo, ele pode desestabilizar ainda mais uma situação já tensa na Irlanda do Norte.

    “O cenário político da Irlanda do Norte é em geral bastante precário, mas, no caso do Brexit, há um novo senso de desesperança dos dois lados”, afirmou Katy Hayward, professora de sociologia política na Universidade Queen, em Belfast. “Seu futuro imediato agora é determinado principalmente pelo Reino Unido e pela UE, não por líderes políticos aqui em Belfast”.

    “Grupos pró-saída, pró-permanência, unionistas, nacionalistas e outros podem dizer com razão que estão em uma situação pior cinco anos depois”, acrescentou. “É por isso que a política parece tão tensa aqui”.

    Um porta-voz do governo disse à CNN que o Reino Unido está “empenhado em encontrar soluções consensuais com a UE”, mas que “a UE deve mostrar bom senso e adotar uma abordagem pragmática”.

    Independência escocesa

    A Irlanda do Norte pode ser a consequência imediata mais complicada do Brexit, mas Johnson também enfrenta um pesadelo constitucional quando se trata da Escócia.

    Os eleitores escoceses rejeitaram a independência em 2014, quando unionistas britânicos (liderados por Cameron) argumentaram que deixar o Reino Unido ameaçaria o lugar da Escócia na UE.

    Mas o Partido Nacional Escocês, que deseja que a Escócia se separe do Reino Unido, só cresceu em popularidade desde a votação do Brexit.

    Em 2021, é fácil afirmar que os escoceses, que votaram esmagadoramente por permanecer na UE durante o referendo do Brexit, foram arrastados pelo resto do Reino Unido.

    “Desde o Brexit, o debate na Escócia se tornou muito mais polarizado em torno da questão da independência”, opinou Nicola McEwen, professora de política territorial da Universidade de Edimburgo.

    “Muitos eleitores remanescentes que não apoiaram a independência em 2014 agora o fazem, enquanto o apoio à independência em geral é fortemente pró-adesão à UE”, adicionou. “Deixar o Reino Unido é agora para muitos o caminho mais óbvio de volta à UE”.

    A pressão dos líderes escoceses para conquistar a independência provavelmente não terá sucesso por enquanto, mas a divisão significa que Johnson está lidando com uma política de reclamações todas as semanas, distraindo-se das outras crises que seu governo enfrenta.

    O debate continua

    Além dessas consequências específicas, o Reino Unido ainda debate muito a questão da Europa como um todo.

    “As tentativas de impedir os britânicos de se fixar na Europa claramente falharam”, disse Ben Page, da empresa de pesquisas Ipsos MORI. “A maioria das pessoas sabe que o tema está longe de estar resolvido. E as pesquisas têm mostrado consistentemente que tanto as pessoas que votaram pela saída como pela permanência [na UE] continuam preocupadas com isso”.

    Para Page, talvez o mais alarmante seja o fato de que, apesar de terem se passado cinco anos desde o plebiscito, a forma como as pessoas votaram em 2016 ainda constitui uma grande parte de sua identidade pessoal. “Tivemos duas eleições, uma disputa por guerras culturais e as pessoas ainda dizem que sua posição a respeito da saída ou permanência supera qualquer tipo de lealdade partidária”, explicou.

    O debate sobre os méritos relativos do Brexit se aquece sempre que há notícias sobre exportadores lutando para vender produtos para a Europa ou se o Reino Unido foi capaz de vacinar mais rápido do que a Europa por causa do Brexit. O governo britânico muitas vezes lidera o ataque nesses argumentos, até porque Johnson liderou a campanha do Brexit de 2016.

    Autoridades e diplomatas da UE temem que esse tipo de política olho-por-olho seja um elemento infeliz, mas permanente, das relações entre o Reino Unido e a UE em um futuro previsível. Eles também suspeitam que seja, pelo menos em parte, um exercício para distrair o povo britânico da realidade da vida como uma pequena nação que negocia com o maior bloco comercial do mundo.

    “Para nós, o Brexit deveria ter acabado. Mas agora estamos em uma situação em que temos que negociar com um Reino Unido que está se enganando ao pensar que é tão poderoso quanto a UE”, disse um diplomata sênior da UE.

    Outro afirmou que o Reino Unido não tem uma “estratégia econômica bem definida” para substituir a adesão à UE, o que significa que Bruxelas está preparada para “um longo período de antagonismo”.

    Livre do jugo da UE, há novas oportunidades para o Reino Unido. Mas, além dos acordos comerciais com países do outro lado do mundo (que as próprias previsões do governo dizem ter um benefício insignificante), o governo de Johnson ainda não articulou uma importante política econômica que resultará em dividendos do Brexit.

    Um porta-voz do governo do Reino Unido respondeu a isso mencionando seu Plano de Crescimento, que “define como iremos apoiar as empresas em todo o Reino Unido para que cresçam e tenham sucesso”. Giles Wilkes, pesquisador sênior do think tank Institute for Government, descreveu-o como um plano “remendado” que “reflete o caos do momento”.

    Se o antagonismo realmente consiste em distrair os britânicos de seus problemas econômicos de longo prazo, a UE provavelmente deveria se preparar para anos de hostilidade.

    Rob Ford, professor de política da Universidade de Manchester, diz que uma das coisas mais notáveis sobre o Brexit é o triunfo da política sobre a economia.

    “Todo aquele modelo baseado na máxima ‘é a economia, estúpido’ se perdeu. Mesmo na época do plebiscito, quase todos os comentaristas políticos sérios pensaram que deixaríamos para trás as partes políticas, não as econômicas. Eles estavam todos errados”.

    Ford e muitos outros culpam o ex-primeiro-ministro David Cameron por isso.

    “Se alguém na equipe de confiança de Cameron tivesse olhado adequadamente para como se preparar para um plebiscito e pensado sobre quais resultados seriam mais palatáveis para o maior número de eleitores, a campanha poderia ter sido jogada de forma muito diferente”, opinou. “Alguns dos danos de uma campanha de polarização em torno de uma questão binária redutiva e divisiva poderiam ter sido evitados”.

    Cinco anos depois, o Reino Unido ainda está marcado pelo Brexit. A maioria aceitou, mas poucos estão satisfeitos com a forma como terminou, e a verdade é que nenhuma versão do Brexit agradaria a todos.

    Além disso, embora quase todos os envolvidos no Brexit tenham cometido um erro em algum ponto, muitos desde então tiveram motivos para lamentar a maior confusão de todas: convocar um plebiscito sem absolutamente nenhum plano para o que aconteceria se a Grã-Bretanha votasse pela saída da UE.

    (Texto traduzido, leia o original em inglês)

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