Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Chinês posta vídeos contra invasão russa da Ucrânia e é chamado de traidor nacional

    Wang Jixian nasceu em Pequim e mora na cidade ucraniana de Odesa; ao falar sobre a violência das tropas da Rússia, foi banido de redes sociais chinesas

    Jessie YeungYong Xiongda CNN

    Wang Jixian não pretendia se tornar a voz chinesa da resistência contra a guerra na Ucrânia. O morador da cidade ucraniana de Odesa, de 36 anos, é hoje um dos principais alvos da invasão russa ao país, mas inicialmente queria apenas mostrar aos seus pais que estava bem.

    “Acabei de comprar mantimentos e estou voltando para casa”, disse ele em um vídeo postado no Douyin, a versão chinesa do TikTok, em 24 de fevereiro, o primeiro dia da invasão russa. Wang, um programador nascido em Pequim, descreveu a compra de carne e frutas no vídeo, comentando que algumas lojas de alimentos ainda estavam abertas.

    Mas os vídeos foram ficando mais pesados com o passar dos dias e o ataque russo aumentou significativamente. Ao entrar no Douyin, Wang disse que era comum ver vídeos chineses elogiando as tropas russas ou apoiando a invasão da Ucrânia.

    “Fiquei muito bravo, então pensei em gravar vídeos para eles e dizer qual é o verdadeiro campo de batalha”, disse ele à CNN.

    Seus vídeos diários, postados em várias plataformas, incluindo o YouTube e o aplicativo de mensagens chinês WeChat, rapidamente ganharam força como uma voz rara oferecendo ao público chinês um vislumbre da Ucrânia devastada pela guerra — um forte contraste da mídia estatal chinesa, que promoveu a desinformação russa e fez coro a alegações infundadas que os soldados ucranianos estão usando táticas “nazistas”.

    Em um vídeo que recebeu muitos acessos, Wang ergueu seu passaporte chinês e disse: “Esses guardas ucranianos não são nazistas, são programadores de TI, pessoas comuns, barbeiros — essas são as pessoas”.

    Mas, ao publicar o vídeo, ele se viu diante de uma controvérsia confusa, com a China enfrentando pressão internacional por se recusar a condenar a invasão da Rússia e uma manifestação de sentimento pró-Rússia nas mídias sociais altamente restritas e censuradas da China.

    Wang Jixian segurando seu passaporte chinês em um vídeo publicado no Douyin, versão chinesa do aplicativo TikTok / Foto: Reprodução

    Reação dos críticos

    Wang estudou arte na faculdade e gostava de dança, música e pintura — então, quando se mudou para Odesa há quatro anos para trabalhar, a “atmosfera artística” da cidade imediatamente o atraiu. Um vídeo em sua conta no Douyin publicado no ano passado mostra um homem tocando piano em uma sala colorida cheia de livros e pinturas.

    Seus vídeos parecem muito diferentes agora. Vários são filmados tarde da noite, com o som de explosões e sirenes de ataque aéreo ao fundo. Outros clipes mostram momentos da vida cotidiana — ruas vazias, bandeiras ucranianas penduradas do lado de fora de prédios e pintadas nas paredes.

    “São alarmes de ataque aéreo? Esses bastardos estão vindo de novo”, disse ele em um vídeo. “As pessoas estão fazendo seus próprios negócios, meu vizinho está passeando com o cachorro novamente. Esta é a nossa Odesa.”

    À medida que esses vídeos começaram a chamar a atenção, às vezes acumulando mais de 140 mil visualizações, o número de críticos também aumentou, com comentários o chamando de “traidor nacional”.

    “Você não precisa mais deste passaporte chinês, você já esqueceu de que país você é”, dizia um comentário popular no Douyin. “A posição oficial do país deve ser a posição de todo o povo chinês.”

    A China tentou manter uma posição neutra, optando por não condenar a Rússia ou mesmo usar o termo “invasão”, enquanto frequentemente diz que “as preocupações legítimas de segurança de todos os países” devem ser abordadas.

    Em uma ligação com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na sexta-feira (18), o presidente chinês, Xi Jinping, disse que ambos os países têm a responsabilidade de garantir a paz. Mas a Casa Branca disse depois que ainda estava preocupada de que a China pudesse fornecer assistência à Rússia.

    “Não entendo como ‘traí’ o país”, disse Wang à CNN. Com acesso limitado a transmissões de notícias e desinformação online generalizada, ele disse que não entende a posição da China ou da Rússia — tudo o que sabia era que “todos os dias a cidade está sob fogo, muitos são mortos”.

    Os comentários de estranhos anônimos na internet não o incomodam — mas sim quando são de pessoas com quem ele se importa, como um funcionário da embaixada chinesa que ele conhecia de quando morava na Macedônia do Norte.

    Ele disse que o funcionário o procurou recentemente, insinuando que Wang estava sendo pago para postar seus vídeos e perguntando: “Quem enviou você?”. Quando Wang insistiu que não estava fazendo isso por dinheiro, o funcionário respondeu: “Seu comportamento atual não está de acordo com os interesses nacionais. Quero cortar relações com você, vamos bloquear um ao outro”.

    Isso “realmente machucou meu coração”, disse Wang.

    Determinado a ficar

    Os censores chineses também reprimiram seus vídeos online, disse ele. Embora todos os seus vídeos tenham permanecido no YouTube, que é bloqueado na China, exceto aos usuários que usam VPNs para utilizar a plataforma de maneira clandestina, apenas cerca de 80% de seus vídeos foram deixados no WeChat e menos de 20% no Douyin — aplicativos amplamente usados pelos usuários chineses.

    Ele não sabe quais regras quebrou. Wang ficou tão frustrado que, em um vídeo publicado em 7 de março, colocou uma fita preta com um “X” sobre a boca e gesticulou silenciosamente para a câmera para transmitir que ele estava seguro e ainda em Odesa.

    Depois de falar com a CNN, suas contas nas redes sociais chinesas foram banidas, deixando-o incapaz de entrar em contato com a sua família em casa.

    Wang diz que recebeu “incontáveis” mensagens o pressionando a parar de postar. Mas ele não tem a intenção de suspender a publicação dos vídeos.

    “Quero fornecer alguma voz para as pessoas na Ucrânia, para os heróis, para meus vizinhos. Porque aos meus olhos eles são todos heróis”, disse ele. “Vejo pessoas calmas, vejo pessoas corajosas… quero lembrá-los de ver quem está morrendo, quem foi morto.”

    Há sinais de que as mensagens transmitidas por Wang podem estar sendo bem aproveitadas. Em seus vídeos, comentários de ódio são intercalados com votos de felicidades dos espectadores, recomendando que ele fique seguro e deixe o país. Alguns comentários também expressam apoio à Ucrânia.

    Mas, por enquanto, Wang não tem intenção de sair — não até que “Odesa esteja destruída demais para os humanos ficarem”, disse ele. Além de sua afeição pela cidade, era uma questão de princípio. “Não suporto o ato de intimidar as pessoas na minha frente”, completou Wang.

    Quando não está gravando vídeos, o jovem chinês oferece apoio voluntário para consertar os telefones celulares das pessoas e ajudar os desabrigados.

    “(Se) eu voltasse e fosse embora, seria o suficiente para me arrepender pelo resto da minha vida”, disse ele. “Não tenho interesse ou desejo de deixar a Ucrânia até que a guerra termine e a Ucrânia ganhe”, reforçou Wang.

    Tópicos