China deve mostrar que não criará instabilidade em Taiwan, diz diplomata dos EUA
Embaixador Nicholas Burns falou à CNN sobre as relações diplomáticas entre Estados Unidos e China e as tensões com a ilha asiática
A China precisa convencer o resto do mundo de que não é um “agente de instabilidade” e que agirá pacificamente no Estreito de Taiwan, disse o embaixador dos Estados Unidos para o país asiático, Nicholas Burns. A declaração aconteceu em sua primeira entrevista à TV desde que assumiu o cargo em Pequim, há seis meses.
Ele falou abertamente sobre a reação de Pequim à visita da presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan no início deste mês, à qual a China respondeu realizando extensos exercícios militares em torno da ilha e suspendendo as principais comunicações diplomáticas com os Estados Unidos.
“Não acreditamos que deva haver uma crise nas relações EUA-China com a visita pacífica da presidente da Câmara dos Deputados a Taiwan. Foi uma crise fabricada pelo governo de Pequim, uma reação exagerada”, disse Burns à CNN nesta sexta-feira (19) diretamente da embaixada americana.
Agora, “cabe ao governo aqui em Pequim convencer o resto do mundo de que agirá pacificamente no futuro. Acho que há muita preocupação em todo o mundo de que a China se tornou um agente de instabilidade no Estreito de Taiwan e isso não é do interesse de ninguém”, acrescentou.
Burns, diplomata de carreira e ex-embaixador dos EUA na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), chegou ao país asiático em março para assumir o posto diplomático mais importante dos Estados Unidos. Os laços entre os países apresentam tensões em uma série de questões, como o cumprimento dos direitos humanos pela China, práticas comerciais e expansão militar no Mar da China Meridional.
As rigorosas restrições contra a Covid-19 também reduziram as viagens diplomáticas para dentro e fora do território chinês, colocando Burns ainda mais diretamente na linha de frente do relacionamento cada vez mais conflitante entre as duas maiores economias do mundo.
Isso ficou claro na noite de 2 de agosto, quando o diplomata foi convocado para uma reunião com o vice-ministro das Relações Exteriores da China, Xie Feng, durante o que seria o momento exato em que o avião que transportava Nancy Pelosi e sua delegação do Congresso aterrissou em Taipei, capital de Taiwan.
“Tivemos uma reunião muito animada, eu diria bastante contenciosa”, avaliou Burns, descrevendo em detalhes pela primeira vez essa discussão, que foi confirmada pelos governos de ambas as nações na época.
“Defendi a oradora. Defendi seu direito de viajar para Taiwan. Defendi a paz e a estabilidade que tivemos no Estreito de Taiwan por quase seis décadas”, explicou o embaixador, acrescentando que desafiou Xie a garantir que o governo chinês agirá de forma a “promover a paz e a estabilidade”.
Em vez disso, pontuou Burns, Pequim respondeu de forma a “intimidar e coagir as autoridades de Taiwan” e “conduziu uma campanha global” culpando os EUA pelo que vê como minar a estabilidade no Estreito de Taiwan, incluindo o disparo de mísseis sobre a ilha.
“Fomos muito, muito claros sobre manter nossa política. A questão é: um governo vai agir de forma agressiva e violenta para perturbar a paz? Isso deve preocupar todo mundo”, observou.
Consequências diplomáticas
Os EUA defendem uma política de “Uma China”, mas nunca aceitaram a reivindicação de soberania do Partido Comunista sobre Taiwan. Washington mantém “ambiguidade estratégica” quanto à questão de sair em defesa da ilha autogovernada no caso de um ataque chinês.
O Partido Comunista há muito prometeu “reunificar” a ilha — que nunca controlou — com o continente chinês. Se necessário, pela força.
A China condenou a visita de Pelosi como uma violação de sua “soberania e integridade territorial”, com o embaixador chinês nos EUA, Qin Gang, no início deste mês, dizendo que os Estados Unidos devem “assumir as responsabilidades” pela situação que criaram.
A retaliação diplomática de Pequim incluiu o cancelamento de futuras ligações telefônicas e reuniões entre líderes de defesa e a suspensão das negociações bilaterais sobre o clima entre os dois países – os dois maiores emissores de carbono do mundo.
Toda essa situação aconteceu após um telefonema entre os presidentes Xi Jinping e Joe Biden no final de julho, no qual ambos os lados afirmaram que suas equipes manteriam contato sobre cooperação, incluindo, de acordo com o Casa Branca, uma potencial reunião cara a cara.
Os dois não se encontraram pessoalmente até o momento desde que Biden assumiu a presidência, enquanto Xi Jinping conduziu a maior parte de sua diplomacia da era pandêmica por meio de videochamadas.
Burns pontuou que as medidas diplomáticas que Pequim adotou após a visita de Pelosi podem ter efeitos globais, adicionando que a suspensão das negociações ambientais afetaria o Sul Global e os países mais suscetíveis às mudanças climáticas.
“Instamos fortemente (a China) a retornar à mesa de negociações com os Estados Unidos sobre o clima”, disse Burns.
“Devemos ter conversas regulares em nível sênior sobre as questões que nos separam, porque isso é do melhor interesse de ambos os países e certamente do melhor interesse do mundo”, declarou. Ele pontuou que, embora tenha havido contato oficial por meio das embaixadas, não havia “substituto” para conversas de alto nível de gabinete.
Quando perguntado se as lições que o governo chinês pode ter aprendido ao observar a invasão da Ucrânia pela Rússia poderiam ser aplicadas a Taiwan, Burns disse que os EUA estão “observando a China com muito cuidado enquanto conduzem seu relacionamento com a Rússia”.
A China se recusou a condenar a invasão ou se referir a classificá-la desta maneira.
“Temos sido muito claros de que haverá consequências se houver apoio sistêmico do governo chinês à guerra brutal da Rússia na Ucrânia”, alertou, complementando que não viram tal apoio.
Construindo conexões
Nicholas Burns já trabalhou com outras situações delicadas no passado. Ele foi líder em negociações de questões espinhosas, como o programa nuclear do Irã, a assistência militar a Israel e o Acordo Nuclear Civil entre EUA e Índia. Desta vez, ele diz que a missão dos EUA na China está tentando “o melhor para se conectar” com suas contrapartes.
Fazer conexões com o público chinês era outra “grande ambição”, informou o embaixador, que viajou ao país asiático várias vezes desde 1988, incluindo uma visita para a entrega de Hong Kong do Reino Unido à China em 1997.
Porém, Burns destacou que seu trabalho de conexão com o povo chinês, tanto pessoalmente quanto por meio dos canais de rede social da embaixada, também foi desafiado pelas medidas de controle da Covid-19 da China. Outra dificuldade foi a censura regular das postagens da embaixada americana nas redes sociais chinesas.
“Sentimos muito fortemente que é nossa necessidade sair e visitar as pessoas e conduzir a diplomacia com o povo chinês, bem como com o governo chinês. Claro que nós queremos ver o dia em que a política de ‘Covid-Zero’ acabe, mas essa não é uma decisão nossa, é do governo da China”, observou o embaixador, que passou mais de 30 dias em quarentena imposta pelo governo durante seu período lá.
A censura das autoridades chinesas fez com que as postagens da embaixada, incluindo aquelas sobre as política dos EUA para a China, Hong Kong, Otan e apoio ao Orgulho LGBTQIA+, fossem reprimidas, denunciou Burns.
Ao mesmo tempo, ele afirmou que foi “perturbado” pelas narrativas do governo chinês culpando os Estados Unidos e a Otan pela guerra na Ucrânia, e não a Rússia, que lançou a invasão – uma questão que ele disse ter levantado com seus colegas chineses.
Apesar desses desafios e da promessa dos EUA de “competir responsavelmente” com a China, Burns pediu que a nação asiática encontre os EUA “no meio do caminho”, tanto para discutir suas diferenças quanto as questões em que eles podem trabalhar juntos para o bem maior: “Você têm que aparecer na mesa de negociações para cooperar”.