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    Chile vai às urnas para escolher novo presidente neste domingo; entenda cenário

    Pesquisas eleitorais mais recentes apontam para disputa direta entre José Antonio Kast, da extrema-direita, e esquerdista Gabriel Boric

    Léo LopesJoão de Marida CNN , Em São Paulo

    Os chilenos vão às urnas neste domingo (21) decidir quem ocupará a cadeira presidencial para suceder o conturbado mandato de Sebastián Piñera, que sobreviveu recentemente a uma segunda tentativa de impeachment.

    As pesquisas eleitorais mais recentes indicam para um provável segundo turno entre o deputado da esquerda, Gabriel Boric, e o candidato da extrema-direita em forte ascensão, José Antonio Kast. Caso necessário, a segunda votação ocorrerá em 19 de dezembro.

    Uma pesquisa do instituto Cadem, divulgada no último dia 5, apontou Kast com 25% das intenções de voto. Boric apareceu em segundo lugar com 19% das intenções. Foi a primeira vez que o candidato da extrema-direita se impôs sobre Boric em um possível segundo turno, vencendo por 44% a 40%, conforme o instituto.

    Com 55 anos, José Antonio Kast demonstrou um crescimento vertiginoso nas últimas semanas. Abertamente apoiador deAugusto Pinochet – ele alega que o ditador que comandou o Chile entre 1973 e 1990 seria seu eleitor se estivesse vivo —, o advogado e político fez críticas à direita tradicional e aproveitou a queda de popularidade do atual presidente para subir nas pesquisas.

    Analistas ouvidos pela CNN afirmam que Kast consegue aproveitar o momento de questionamento ao globalismo e às instituições tradicionais, defendendo uma suposta luta anticomunista, como ocorreu no Brasil, nos Estados Unidos e outros países europeus.

    Kast acabou por ultrapassar o deputado Gabriel Boric, que liderava a corrida até então. Candidato à presidência mais jovem da história chilena, com 35 anos, o ex-líder estudantil cresce na política desde 2011, quando justamente protestou contra o ensino privado no país.

    Ele se destacou durante os protestos de 2019, e atuou na negociação política que levou ao plebiscito por uma nova Constituição chilena. Candidato da esquerda com mais chances neste pleito, ao vencer as eleições primárias em julho, Boric declarou: “Se o Chile foi o berço do neoliberalismo, também será seu túmulo”.

    A polarização no Chile

    Para o analista Internacional da CNN Lourival Sant’Anna, o aspecto mais importante dessa disputa no Chile é a polarização. “A polarização é algo recente na política chilena”, diz.

    Ele relembra que o atual presidente Sebastián Piñera, quando eleito para seu primeiro mandato em 2010, foi o presidente mais à direita a ser eleito desde a redemocratização chilena.

    “No segundo mandato, Piñera foi eleito já com uma agenda mais de centro, mas a polarização estava se fermentando”, afirma. “Sempre houve candidatos e grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita no Chile, mas é a primeira vez que eles tem uma chance real de chegar ao poder.”

    O analista da CNN explica que dois fatores levaram à radicalização da política chilena: a ausência de uma previdência pública no país, “que levou a um empobrecimento das pessoas”. E o fato de não existir ensino superior gratuito no Chile, “porque mesmo nas universidades públicas é cobrada uma anuidade dos estudantes”.

    “Foi criado um sistema de crédito educacional que deixou muitas pessoas de classe média e baixa endividadas ao se formar na universidade, o que gerou uma grande ansiedade nos jovens chilenos”, declara Sant’Anna.

    Uma pesquisa do Instituto Nacional da Juventude (Injuv) indicou que o índice de comparecimento às urnas entre jovens chilenos deve chegar à 77%. Entre os principais pontos a serem considerados nos programas de governo dos candidatos estão “Emprego e economia” e “Educação”.

    Candidato de esquerda à Presidência do Chile, Gabriel Boric / Reuters

    Reflexos políticos no Brasil

    O professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Felipe Loureiro, afirma em entrevista à CNN que as eleições chilenas são “muito importantes” para o Brasil. Isso porque, segundo ele, uma possível instabilidade em nossos vizinhos pode refletir no país, sobretudo com uma vitória de Boric.

    “Eu penso que o cenário seria muito semelhante ao que esta se desenvolvendo na Bolívia e no Peru, cuja eleições foram vencidas por candidatos de esquerda. Isso leva um enfraquecimento entre as relações bilaterais entre o Brasil de Bolsonaro e esses países. No caso do Chile tem um agravante, porque Bolsonaro se aproximou bastante de Piñera, desde 2019.”

    Loureiro relembra a saída do Chile da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2008 como um projeto progressista de 12 países, impulsionado pelo falecido presidente venezuelano Hugo Chávez e apoiado por outros líderes do continente da época, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e o já também falecido Néstor Kirchner (Argentina).

    “Foi criado um fórum paralelo, o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (Prosul). Uma vitória do Boric enfraqueceria esse órgão, que não é tão forte, mas um projeto de regionalismo de direita, centro-direita ate a extrema-direita latino-americana, que já esta bastante enfraquecida, mas certamente acabaria perdendo proeminência”, avalia.

    José Antonio Kast, candidato a presidente do Chile, lidera as pesquisas / Ivan Alvarado/Reuters

    Já Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Observatório de Regionalismo, chama atenção para uma possível “guinada conservadora” caso a vitória seja de Kast.

    A professora explica que o Chile vem enfrentado mudanças muito significativas desde as manifestações do final de 2019, quando parte da população foi às ruas exigindo alterações em relação à Constituição chilena. Em julho deste ano, uma comissão para reeditar a Carta Magna do Chile foi criada.

    “Foi muito interessante como reservaram cadeiras para indígenas, lideranças sociais. Isso de fato consagra a possibilidade de uma Constituição que possa abarcar um interesse mais amplo da população”, avalia. “As eleições de agora vão realmente dar outra perspectiva ao país.”

    Impacto simbólico e relação com bolsonarismo

    O professor adjunto de Política Internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Paulo Velasco, acredita que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “torce para uma vitória” do candidato da extrema-direita José Antonio Kast, o que ele chamou de “Bolsonaro chileno”.

    Velasco avalia que não haveria um aprofundamento das relações do Brasil e Chile em uma eventual vitória de Gabriel Boric em dezembro. No entanto, ele aponta para um futuro incerto no Brasil, podendo, inclusive, gerar atritos futuros dependendo do candidato que vença o pleito em 2022, sobretudo se Bolsonaro não conseguir a releição.

    “Futuramente pode haver atritos dependendo do cenário político no Brasil, mas como são relações que não se prendem em político partidário, não imagino grande prejuízo”, pondera.

    Carlos Gustavo Poggio, PhD em Relações Internacionais pela Georgetown University, diz que hoje no Chile há uma “tendência clara de força” da categoria política que ele classificou como “populista de direita, da linha Bolsonaro”. “Claramente conseguimos isso na figura de Kast”.

    O também professor de Relações Internacionais na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) alerta que uma vitória da direita seria uma “sinalização que a sociedade latino-americana ainda compra o discurso populista de direita”.

    “A força eleitoral que Kast tem demonstrado até agora já indica essa tendencia. Isso em um contexto de revisão da Constituição chilena. Se havia uma certa esperança de setores progressistas no Brasil, uma eleição de um populista de direita iria cancelar qualquer tipo de esperanças de uma transformação ou uma guinada mais à esquerda do Chile. Acho que tem um impacto psicológico e simbólico que merece ser acompanhado”, diz.

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