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    Casal se apaixonou quando o 11 de Setembro desviou seu voo

    Após os ataques terroristas em Nova York e Washington, o espaço aéreo dos Estados Unidos foi fechado e mais de duzentos aviões comerciais rumo aos Estados Unidos foram desviados para o Canadá

    Francesca Streetda CNN

    Vinte anos atrás, Nick Marson e Diane Kirschke eram estranhos a bordo do voo 5 da Continental Airlines viajando do aeroporto de Gatwick, em Londres, para Houston, Texas, EUA.

    Após cerca de quatro horas de voo, o piloto avisou pelo sistema interno que o avião seria desviado para Newfoundland, no Canadá. “Há problemas no espaço aéreo dos EUA”, disse o capitão, sem dar mais detalhes.

    Na época, Nick era um empresário britânico na casa dos 50 anos que trabalhava no setor de petróleo. Ele estava indo para o Texas para trabalhar e não tinha ideia de onde ficava Newfoundland.

    “Olhei pela janela porque pensei que ele poderia não estar nos dizendo a verdade e talvez um motor estivesse pegando fogo”, contou Nick ao CNN Travel.

    Do outro lado da aeronave, Diane recebeu a mesma notícia. A norte-americana estava divorciada e tinha acabado de completar 60 anos. Ela voltava de uma visita ao filho, membro da Força Aérea dos Estados Unidos que servia na Inglaterra.

    “Eu pensei, ‘Canadá? Nunca estive no Canadá! Isso parece uma aventura”, lembrou Diane.

    Era 11 de setembro de 2001. Após os ataques terroristas em Nova York e Washington, o espaço aéreo dos Estados Unidos foi fechado. Sob uma ação batizada de Operação Fita Amarela, mais de duzentos aviões comerciais rumo aos Estados Unidos foram desviados para o Canadá.

    O voo de Nick e Diane foi redirecionado para Gander – uma cidade rural com uma população de apenas 10 mil habitantes, que abriga um aeroporto cujo uso como ponto de reabastecimento para aeronaves pré-motor a jato, no passado,  deixou-o com pistas capazes de rivalizar com cidades muito maiores.

    Conforme o voo Continental 5 se aproximava de Newfoundland, Nick viu dezenas de aviões enfileirados – e então deixou de suspeitar que havia um problema técnico.

    “Éramos o 36º dos 38 aviões a pousar – então é claro que não era o caso de todo mundo ter problemas técnicos ao mesmo tempo”, contou Nick.

    Quando o Continental 5 pousou, o capitão disse aos passageiros que havia atividades terroristas nos Estados Unidos e que aviões tinham atingido o World Trade Center e o Pentágono.

    “Mesmo que parecesse horrível, ninguém percebeu a dimensão de tudo até algum tempo depois”, lembrou o britânico.

    Em 2001, ninguém conseguia ler as notícias no celular. Ninguém tinha internet no celular, aliás. Ninguém tinha cobertura internacional. Na verdade, muitas pessoas nem tinham telefones celulares.

    Diane lembra de ter ficado extremamente preocupada com sua família nos Estados Unidos e de não poder tranquilizá-los sobre sua própria segurança. O estado de incerteza continuou por mais de 24 horas.

    Enquanto os aviões ficavam presos nas pistas, voluntários em Gander e nas cidades vizinhas levaram alimentos e suprimentos e prepararam abrigos improvisados em escolas, faculdades e centros comunitários da região.

    Cerca de 7.000 pessoas estavam prestes a entrar na comunidade, quase dobrando a população de Gander.

    Quando os viajantes deslocados finalmente tiveram permissão para desembarcar, era 12 de setembro. De um avião de cada vez, os passageiros desembarcaram, sem retirar as bagagens. Quando passaram pela segurança, foram recebidos com sorrisos e segurança.

    “Eles foram muito amigáveis e receptivos”, relatou Diane sobre os voluntários do Gander. “Só nos deram as boas-vindas. Não se importavam com quem a gente era, de onde vinha, quanto dinheiro tinha na carteira, que tipo de trabalho fazia. A gente precisava de ajuda ele cuidaram de nós”.

    Nick foi levado para um pequeno abrigo em Gambo, a menos de 50 quilômetros de Gander. A Sociedade dos Pescadores Unidos era a maior estrutura da cidade, geralmente reservada para casamentos, bingos ou reuniões da prefeitura.

    Várias horas depois – após um desvio para um abrigo de Gander que estava lotado – Diane acabou lá também.

    Foi nos abrigos que o “pessoal do avião” (como os moradores de Newfoundland chamavam os recém-chegados) finalmente viu as horríveis imagens de TV que reverberaram por todo o mundo e aprenderam a verdadeira extensão do que ocorrera em 11 de setembro.

    Os voluntários instalaram telefones e Diane entrou em contato com a família para avisá-los de que estava bem, e também soube que estavam todos bem.

    O “pessoal do avião” fez fila para coletar cobertores e suprimentos. Quando Diane recebeu o seu, ela comentou para si mesma que cheirava a naftalina. “Cânfora”, disse uma voz atrás dela.

    Era Nick. Os dois começaram a conversar, primeiro achando divertido os cobertores cheirosos e distintos, e então percebendo que estavam no mesmo avião rumo ao Texas. Neste lugar desconhecido – e muito amigável – essa coincidência parecia algo interessante.

    “Perguntei a Diane se eu poderia ficar na cama ao lado da cama dela. Ela disse: ‘Claro, por que não?”, lembra Nick.

    Cidadãos honorários

    Na manhã seguinte, Nick e Diane saíram para tomar um pouco de ar fresco. Precisavam de uma pausa depois assistir constantemente às notícias. “Era demais sentar e assistir aquelas cenas horríveis sem parar”, contou Diane.

    A princípio, eles se juntaram a outro casal, que depois saiu. Sobraram Nick e Diane. “A gente ficou batendo papo e tentando fazer o tempo passar, curtindo a companhia um do outro”, lembrou Nick.

    No caminho, pararam em uma loja de conveniência para comprar refrigerantes e petiscos. Nick tentou pagar, mas Diane impediu. “Bem, eu tinha um motivo oculto”, contou Diane, rindo. Ela estava gostando da companhia de Nick – e imaginou que pagar pelo lanche o manteria por perto.

    Para Diane, o britânico parecia interessante e um verdadeiro cavalheiro. Quanto ao britânico, ele achava que Diane era bonita – e estava gostando muito de conversar com a norte-americana.

    Eles tinham muito o que conversar: eram ambos divorciados, com filhos adultos e próximos de suas famílias. Havia diferenças culturais, mas eles compartilhavam muitos valores.

    Quando voltaram ao abrigo, descobriram que as camas tinham sido retiradas temporariamente e o entretenimento noturno estava em andamento.

    Os voluntários de Newfoundland estavam apresentando o “pessoal do avião” a uma tradição local conhecida como Screech-In, uma forma de tornar os visitantes como “cidadãos honorários de Newfoundland”.

    O processo envolve várias etapas, incluindo beber uma dose de screech, um destilado local, e beijar um bacalhau.

    Segundo Nick, screech tem gosto de “rum jamaicano ruim”. Nick comprou uma cerveja para Diane e eles entraram na onda da cerimônia, beijando o bacalhau e tudo.

    Quando chegou a vez de Diane, o mestre de cerimônias perguntou de onde ela era. Ela explicou que morava no Texas.

    O MC então mudou para Nick. “De que parte do Texas você é, amigo?”, ele perguntou. “Ah, não, eu sou da Inglaterra”, explicou Nick. “Bem, e como isso funciona?”, perguntou o MC. Nick ficou confuso. “Como funciona o seu casamento?”, esclareceu o MC, gesticulando para Diane.

    Nick e Diane explicaram que não eram casados – e todo mundo imaginava que sim. Todo cheio de graça, o MC disse que era um juiz de paz. “Você quer se casar?”, ele perguntou a Nick e Diane. Diane riu. “Por que não?”, ela respondeu, ligeiramente tonta com o álcool.

    Refletindo hoje sobre este momento, Diane diz que sentiu liberdade por estar em um lugar onde ninguém a conhecia. “Não era preciso desempenhar o papel de sempre”, contou. “Eu não era a mãe do meu filho ou avó dos meus netos. Eu era uma mulher comum. Ninguém ali me conhecia. Eu poderia viver um momento bobo se quisesse”.

    E pelo resto da noite, a resposta de Diane continuou correndo pela mente de Nick.

    Onde os continentes colidem

    No dia seguinte, alguns dos habitantes locais levaram os agora cidadãos honorários a um passeio a um mirante local espetacular, chamado Dover Fault. “É uma bela vista, uma elevação de cerca de 60 metros, onde o rio e o oceano se encontram”, diz Diane.

    O local foi formado quando dois continentes colidiram há milhões de anos, e mais tarde se separaram. Nick tinha uma câmera digital antiga com ele. Ele já havia tirado uma foto do momento em que os passageiros do Continental 5 desembarcaram, bem como fotos do abrigo com suas camas improvisadas.

    Mas havia apenas uma foto que ele realmente queria de seu desvio para Newfoundland: uma foto de Diane. “Eu precisava de uma foto para me lembrar que eu não tinha sonhado com tudo isso, esses dias mágicos, eles realmente aconteceram”, contou agora.

    A câmera dele não tinha função de zoom, então ele teve que chegar bem perto para colocá-la na foto. “Eu me ofereci para sair do caminho, porque achei que ele queria uma foto daquela linda paisagem”, lembrou Diane. “Eu não tinha interesse na vista panorâmica”, disse Nick.

    O britânico disse a ela para não se mover, e que a visão que ele tinha era perfeita. “Eu soube então que ele estava interessado em mim e não no cenário”, contou a americana. “Então isso mudou a dinâmica um pouco”.

    Enquanto admiravam a vista, Diane e Nick consideraram a improbabilidade de seu encontro. “Tive uma vida muito estável. Eu tinha um pequeno apartamento agradável. Tinha um emprego que gostava, colegas de trabalho e amigos”, ressaltou Diane. “Nenhum de nós entrou naquele avião em busca de um encontro romântico”, disse Nick.

    Dizendo adeus

    Cinco dias depois de os aviões pousarem em Gander, chegou o aviso que eles tinham permissão para decolar. Os ônibus reuniram os passageiros que estavam espalhados pelas cidades locais. Um por um, os aviões partiram.

    Diane conta: “Entramos no ônibus escolar e estava chovendo. Eu estava um pouco chateada porque estávamos deixando essas pessoas maravilhosas – e eu conheci os moradores e seus filhos, e eles foram tão gentis conosco – e soube que nunca os veria novamente. E provavelmente também não voltaria a ver Nick nunca mais. Então chorei”.

    Sentado ao lado de Diane, Nick notou o estado dela. Ele colocou o braço ao redor da norte-americana e foi beijar sua testa como um gesto de consolo. “Achei que essa era a minha chance”, lembrou Diane. “Então, eu o agarrei e dei-lhe um grande e belo beijo”.

    No voo para o Texas, Nick e Diane se sentaram lado a lado. Nick diz que eles ficaram agarradinhos durante toda a viagem. No meio do voo, uma comissária passou pelo corredor oferecendo toalhas quentes aos passageiros. Quando ela se aproximou de Nick e Diane, ela ergueu uma sobrancelha. “Querem uma toalha fria?”, perguntou.

    Nick ficou em Houston por alguns dias, trabalhando no que precisava. À noite, Diane o levava para comer em seus restaurantes favoritos. Antes de Nick partir, eles trocaram endereços de e-mail e números de telefone. E ele precisou ir embora.

    “Foi muito difícil voltar sozinho para a Inglaterra. Deu uma tristeza”.

    Novo começo

    De volta aos seus respectivos países, Nick e Diane lutaram para aceitar o fato de que se apaixonaram por alguém no contexto de eventos tão devastadores.

    Eles mantiveram contato regular, escrevendo longos e-mails sobre como estavam se sentindo e sobre suas vidas em lados opostos do Atlântico.

    Em outubro de 2001, Nick convenceu seu escritório de que deveria retornar a Houston para verificar um projeto de trabalho. “Eu precisava ter certeza de que Diane era realmente a pessoa de quem eu me lembrava, e não uma fantasia que criada em minha mente”.

    Ela era quem se lembrava – e a visita esclareceu de uma vez por todas que eles queriam ficar juntos. Um mês depois, no início de novembro de 2001, Nick ligou para Diane de seu carro. “Eu disse a ela que estava de joelhos”, contou.

    Ele a pediu em casamento. Extasiada, Diane disse que sim. “Sentimos que era algo que estava destinado acontecer. Quem poderia ir contra o destino?”

    Os dois começaram a planejar seu futuro juntos. Diane vendeu seu apartamento de um quarto e comprou uma casa maior e, naquele dezembro, Nick convenceu a empresa para a qual trabalhava na Inglaterra a transferi-lo para Houston.

    Em março de 2002, Diane apresentou Nick à família pela primeira vez. Diane diz que eles rapidamente se apaixonaram por ele também – eles dizem que todos os parentes ficaram surpresos, mas apoiaram a união.

    Depois de vários meses lidando com a burocracia envolvida em se casar com alguém de outro país, em setembro de 2002 (quase exatamente um ano depois de se conhecerem), Nick e Diane se casaram na nova casa deles em Houston. Ela adotou o nome dele e eles se tornaram Nick e Diane Marson.

    Quando se tratava de planejar sua lua de mel, eles não tiveram dúvidas: os dois voltaram para Newfoundland.

    O casal ficou animado para ver belos locais como o Dover Fault novamente, mas Nick e Diane também queriam organizar um pequeno encontro para agradecer aos moradores pela hospitalidade no ano anterior. Eles mantiveram contato com muitas das pessoas que conheceram e sentiram que lhes deviam muito.

    “Eles poderiam ter nos deixado no avião. Eles poderiam até ter nos deixado no hangar”, contou Nick. “Mas eles nos levaram para seus corações e casas”, completou Diane.

    No entanto, Nick e Diane subestimaram – mais uma vez – o tamanho da hospitalidade dos moradores de Newfoundland. “Nós chegamos e encontramos uma festa casamento completa”, contou Nick. “Completa mesmo, com um bolo de casamento de várias camadas, presentes, luz de velas, a mesa principal tinha champanhe”, acrescentou Diane.

    O prefeito de Gambo até escreveu uma canção para os dois. Ele tocou ali mesmo, cantando sobre como Nick e Diane se conheceram em Newfoundland, se apaixonaram e se casaram.

    Compartilhando sua história

    Durante a viagem de volta a Newfoundland em 2002, espalhou-se a notícia de que duas das “pessoas do avião” haviam se apaixonado.

    Alguns meios de comunicação entraram em contato com Nick e Diane, mas o casal não desejava compartilhar sua história naquela fase. “Estávamos sofrendo do que é chamado de culpa de sobrevivente. Não nos sentimos confortáveis com o que descobrimos após tantos desastres”, falou Nick.

    “Três mil famílias perderam alguém. E aqui nós encontramos a felicidade”, completou a mulher. Foi só em 2009 que eles contaram sua história, como parte de um documentário do apresentador norte-americano Tom Brokaw sobre a Operação Fita Amarela.

    Alguns anos depois, no 10º aniversário de 11 de Setembro, Nick e Diane visitaram Gander novamente e foram abordados por Irene Sankoff e David Hein, compositores-letristas que haviam recebido uma bolsa do governo canadense para produzir um espetáculo sobre o que aconteceu em Newfoundland na sequência do 11 de Setembro.

    Foi assim que a história de Nick e Diane se tornou um dos vários contos tecidos no musical vencedor do prêmio Tony e Olivier “Come From Away”, no qual um elenco de 12 artistas desempenha vários papéis, desde os residentes de Gander até o “pessoal do avião”.

    A primeira vez que o casal viu o musical no Canadá em 2013 foi emocionante. Eles ficaram encantados em como o musical conseguiu contar sua história e como evocou bem a atmosfera em Newfoundland naquela semana.

    “É apenas um testemunho da generosidade, amizade e abertura do povo da Newfoundland”, disse Diane. “É uma história do 11 de Setembro. É o resultado do que aconteceu em 11 de setembro. Mas, em 12/09, o amor reinou”.

    Desde sua estreia, “Come From Away” foi elogiado em todo o mundo e ganhou uma versão filmada que estreou internacionalmente na Apple TV em 10 de setembro de 2021.

    “Vimos o musical 118 vezes”, disse Nick. “Diane vai dizer que estamos renovando nossos votos cada vez que vemos isso”.

    “Aproveite ao máximo cada dia”

    Enquanto o mundo reflete sobre os 20 anos do 11 de Setembro, também se passaram duas décadas desde que Nick e Diane se conheceram, e 19 anos desde o dia de seu casamento.

    Nas últimas duas décadas, entre assistir a sua história de amor ressoar nos palcos de todo o mundo, o casal viveu situações engraçadas que às vezes surgem de suas diferenças culturais. Os dois apoiaram um ao outro nos altos e baixos da vida.

    “Mesmo com diferenças de cultura e amigos, e tudo mais, há amor, a gente sabe que um cuida do outro”, disse Diane sobre os anos que passaram juntos até agora. “Há muita confiança entre nós”.

    Durante seus cinco dias presos em Newfoundland, Nick e Diane foram forçados a viver um dia de cada vez. Foi essa mentalidade que os uniu e é um mantra que eles seguiram nos anos desde então.

    “Aproveite ao máximo cada dia, aproveite ao máximo”, aconselhou Diane. “Quem sabe quantos dias temos pela frente?”

    Especial

    CNN Brasil apresentou uma programação especial neste sábado, 11/09, em transmissão simultânea com a CNN americana e com correspondentes espalhados pelos Estados Unidos, em homenagem às vítimas do atentado que completa 20 anos. Confira:

     

    (Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).

     

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