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    Briga entre China e Austrália pode ajudar o Brasil

    O Brasil pode se beneficiar da disputa comercial, substituindo os australianos na exportação de commodities, sobretudo carnes, para os asiáticos

    China pode importar mais do Brasil
    China pode importar mais do Brasil Foto: Thomas Peter - 02.abr.2020/ Reuters

    Lourival Sant'Annada CNN

    A China está ingressando no que pode se tornar uma guerra comercial com a Austrália. O Brasil pode se beneficiar disso, substituindo os australianos na exportação de commodities, sobretudo carnes, para a China.

    O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, tem pedido uma investigação internacional sobre como o coronavírus surgiu na China. Ele admite que não há evidências de que o vírus saiu de um laboratório de Wuhan, como afirma o presidente Donald Trump. 

    Até porque justamente um cientista australiano, Edward Holmes, da Universidade de Sidney, que sequenciou o genoma do vírus que causa a pandemia, afirma que ele se originou na natureza. E que o vírus estudado no laboratório de Wuhan é outro. 

    Mas o tema é ultrassensível para a China, e a simples proposta da investigação foi suficiente para o governo chinês suspender a importação de carne de quatro frigoríficos da Austrália, um deles de propriedade chinesa, e ameaçar com tarifas de até 80% sobre a cevada australiana.

    A reação chinesa levou o ministro da Agricultura da Austrália, Simon Birmingham, a tentar contornar o conflito e negociar com o seu colega chinês, Han Changfu. Mas deputados conservadores que apoiam a coalizão de governo pressionam para que a Austrália adote uma linha dura contra a China, denunciando as “interferências” da superpotência no país.

    As tensões vão além da saúde e do comércio. Desde a chegada ao poder de Xi Jinping, em 2013, o regime chinês tem reforçado de forma cada vez mais agressiva sua presença militar no Mar do Sul da China, levando os países da região, incluindo a Austrália, a se sentirem ameaçados. E buscar proteção americana.

    O presidente da Câmara Brasil-China, Charles Tang, me disse que acredita que as retaliações chinesas contra a Austrália vão se estender a outros produtos, e que o Brasil será beneficiado. A Austrália exporta também petróleo, ferro e outros minérios.

    “Claramente a suspensão das plantas australianas nos beneficia em carne bovina. Cevada não é relevante”, me disse Marcos Jank, consultor e professor de agronegócio global no Insper. “Nesse momento o Brasil está bem, pois os EUA ainda não conseguem exportar muito para a China.”

    A carne americana ficou por muitos anos sem acesso ao mercado chinês por causa do mal da vaca louca. Hoje a maior parte dos frigoríficos americanos está fechada em função da contaminação de trabalhadores por Covid-19. E a guerra comercial, mesmo depois do acordo de dezembro, reacendeu com as acusações de Trump de que a China é responsável pela pandemia.

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    “A Austrália teve problema com queimadas e agora a suspensão das plantas, a Argentina está com problemas econômicos graves e a Índia, que exportava carne de búfalo via canais cinzas, tem sofrido restrições”, analisa Jank. “Somos o maior exportador de carne bovina do mundo em volume, não em valor, e o primeiro fornecedor da China.” 

    O Brasil foi também beneficiado pela epidemia de peste suína africana, que dizimou 40% do rebanho chinês, apontam Jank e o consultor André Pessôa, da Agroconsult. As exportações brasileiras de carne suína para a China cresceram 161% em volume nos primeiros quatro meses do ano, e também muitos consumidores chineses migraram para carne bovina. A China é o principal destino da carne bovina brasileira, com 52%. 

    Pessôa acrescenta outro favor: “A gestão da habilidosa e competente ministra (da Agricultura) Tereza Cristina, que conseguiu negociar pessoalmente a habilitação de muitos frigoríficos brasileiros para aquele gigantesco mercado”.

    “Sem dúvida que pode beneficiar o Brasil no caso da carne, mas também precisamos que a China libere mais frigoríficos nossos”, ressalva Roberto Rodrigues, diretor do Centro de Agronegócio da FGV. Mesmo depois de um acordo firmado em janeiro para acelerar as aprovações de frigoríficos, não houve nenhuma nova este ano, por causa do coronavírus, justifica a China. O que é irônico, considerando que o vírus veio de lá.

    Jank adverte para outros dois problemas: o fechamento de plantas no Brasil por contaminação de funcionários — ainda muito reduzido e localizado, diz ele — e “as declarações desnecessárias e infelizes dos nossos governantes”, referindo-se aos ataques do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do deputado Eduardo Bolsonaro, além do esforço considerado insuficiente do chanceler Ernesto Araújo de contornar a crise.

    O Brasil nem sempre se ajuda.