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    Bolsonaro discursa na ONU: meio ambiente e pandemia devem ser pautas

    Brasil é o primeiro a falar na Assembleia-Geral desde 1947; discursos dos presidentes costumam visar outros chefes de Estado e público interno

    Flávio Freirecolaboração para a CNN

    O presidente Jair Bolsonaro dedicou-se nas últimas semanas a modular o discurso que fará na manhã desta terça-feira (21) na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

    Com a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores, analistas avaliam a possibilidade de um discurso menos controverso, mas com enfrentamento às críticas da comunidade internacional em dois temas: a política de combate à pandemia que já matou 4,7 milhões de pessoas no mundo, quase 600 mil apenas no Brasil; e o desmatamento na Amazônia.

    Assim como no discurso feito em 2019, em que a agenda ambiental pautou a fala de Bolsonaro, o presidente deve voltar a usar o tema para falar ao público externo, que espera dele a manutenção do compromisso que assumiu em abril deste ano: combater o desmatamento ilegal até 2030, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa em 43% neste período.

    Mas, na última quinta-feira (16), em sua live, Bolsonaro disse que o debate em torno do marco temporal de terras indígenas também terá destaque em seu recado dirigido aos demais chefes de Estado.

    Pressionado pela bancada ruralista no Congresso e por instituições ligadas ao agronegócio, Bolsonaro demonstra, assim, que precisa manter a sintonia com alas conservadoras dentro do Brasil, que dão sustentação ao seu governo.

    “Mesmo diante da enorme crise sanitária, Bolsonaro precisa vender para o mundo que a economia está em recuperação, que as dificuldades são momentâneas, que o Brasil vai voltar a crescer no ano que vem e está aberto a receber investimento. Se mantiver o discurso do marco temporal, aí ele vai falar para dentro, para quem não tem preocupação com questões indígenas nem com a imagem internacional”, diz o doutor em Administração Pública e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Eduardo Grin.

    Questões relacionadas ao meio ambiente têm tido importantes anotações nas agendas de líderes mundiais. Embaixadores de países europeus enviaram ano passado uma carta ao governo brasileiro cobrando medidas para conter a ação predatória na Amazônia, alertando ainda que a devastação dificulta a compra de produtos do país.

    O cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Adriano Oliveira, reitera que deverá haver no discurso de Bolsonaro uma preocupação tanto no campo ambiental como econômico.

    “Há uma expectativa grande para que o presidente reconheça na ONU o direito dos indígenas. A agenda ambiental é também uma agenda econômica, e os investidores brasileiros dependem do selo ESG (sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança)

    Adriano Oliveira, professor da UFPE

    O assunto tem sido gestado no Palácio do Planalto como um álibi à cobrança de parte da comunidade internacional em outra frente: a política de combate ao coronavírus. Bolsonaro, assim como já fizeram seus antecessores, sobe ao púlpito da ONU para se blindar de ataques. Em seu caso, em especial ao atraso na compra de vacinas contra a Covid-19, processo que colocou o governo contra a parede desde que suspeitas de negociações paralelas para aquisição do imunizante vieram à tona.

    No caso da pandemia, se seguir o que vem falando em suas lives e para apoiadores, Bolsonaro deve reforçar na ONU a ideia de que o Brasil é um dos países que mais vacinam no mundo e que o Ministério da Saúde investe no combate à doença a despeito do que o governo federal considera como ações equivocadas assumidas por governadores, como lockdown, confinamento, prisões e toque de recolher.

    “Por conta do número de mortos, ele deve fazer um discurso que não pode ser o mesmo que ele faz para o ‘cercadinho’. Tem de ser um discurso menos radical contra a vacina e mostrar que o país está se empenhando (no combate à pandemia)”, diz Grin.

    Na segunda-feira (20), em encontro com o primeiro-ministro inglês Boris Johnson, Bolsonaro fez questão de reafirmar, no entanto, que não tomou nenhuma dose de vacina contra a Covid.

    “Tem um dado curioso que é a informação de que o Brasil pretende doar vacinas para alguns países da América Latina. Como doar vacina se está faltando vacina no Brasil? Isso pode gerar um discurso conflitivo”, diz Oliveira.

    Sempre o primeiro

    A forma como o Brasil administra suas questões internas e responde às expectativas de países ricos tem dado protagonismo aos governantes brasileiros em suas participações na abertura das assembleias da ONU.

    O Brasil foi um dos membros fundadores da ONU, em 1945, e é o país que abre os discursos da organização desde 1947. Não há um motivo formal para isso, mas no meio diplomático a deferência é ao importante trabalho do diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, que presidiu a Assembleia-Geral em 1947.

    Há também a tese de que o Brasil foi escolhido para abrir os trabalhos para evitar tensões entre os Estados Unidos e a então União Soviética, que começavam a ter uma relação conturbada durante a Guerra Fria. O Brasil era um país neutro.

    O Brasil foi eleito em junho para retornar ao Conselho de Segurança da ONU para o biênio de 2022 e 2023 e voltará a ocupar um dos assentos não permanentes depois de dez anos.

    Todos os presidentes pós-redemocratização fizeram discurso na ONU, com exceção de Itamar Franco, com defesa de suas bandeiras políticas e sociais, mas também procurando costurar acordos com grandes potências e países emergentes.

    Pouco antes de ser afastado do poder, por exemplo, o ex-presidente Fernando Collor se comprometeu na ONU a adequar o governo brasileiro às exigências internacionais em direitos humanos e de não-proliferação de armas nucleares, numa tentativa de assumir maior protagonismo em organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU.

    O país, no entanto, não havia até então aderido ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e era alvo de pressão de países desenvolvidos, como os Estados Unidos e nações europeias. O tratado foi assinado apenas no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

    Embora fosse presidente desde 1995, FHC discursou na ONU apenas em setembro de 2001, duas semanas depois dos atentados contra o World Trade Center, em Nova York, e ao Pentágono, em Washington. Nos outros anos de sua gestão, os ministros das Relações Exteriores representaram o Brasil no evento.

    Foi no discurso de Fernando Henrique que o Brasil tratou pela primeira vez sobre os riscos para o mundo a partir das mudanças climáticas, assunto que tem sido colocado na agenda dos mais diferentes líderes mundiais. “A proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável são desafios inadiáveis de nosso tempo. A marcha das alterações climáticas é um fato cientificamente estabelecido”, disse à FHC à época.

    Sucessor de Fernando Henrique, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o discurso na ONU para reforçar os programas de transferência de renda para o desenvolvimento social de grande parcela da população. O petista também pleiteou maior participação do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC).

    Com o mote que o levou à vitória na eleição de 2002, Lula destacou a necessidade de reduzir o número de brasileiros que viviam abaixo da linha da pobreza. “No Brasil, estamos instaurando um novo modelo capaz de conjugar estabilidade econômica e inclusão social. As negociações comerciais não são um fim em si mesmo”, disse ele, no primeiro ano de seu mandato.

    Em outras falas na ONU, Lula destacou o papel do Brasil na liderança da missão de paz da ONU no Haiti, iniciada em 2004, como uma de suas “credenciais” para assumir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança.

    Em meio à crise financeira internacional, Lula fez de seus discursos em 2008 e 2009 uma oportunidade para criticar o modelo americano de interferência mínima na economia. E tentou vender o modelo brasileiro de lidar com turbulências econômicas adotando medidas anticíclicas e estimulando o consumo.

    A presidente Dilma Rousseff surpreendeu a comunidade internacional quando, em 2013, fez ataques diretos aos EUA por conta da informação de que o governo americano havia espionado correspondências do governo brasileiro. Ao abrir a Assembleia-Geral, Dilma disse que as ações de espionagem dos Estados Unidos no Brasil “ferem” o direito internacional e “afrontam” os princípios que regem a relação entre os países.

    Documentos classificados como ultrassecretos da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, divulgados pela TV Globo, mostraram que Dilma e seus principais assessores foram alvo direto de espionagem da NSA. Em resposta, a presidente cancelou uma visita de Estado que faria a Washington para se reunir com o então presidente Barack Obama e, na ONU, afirmou que “ações ilegais” são “inadmissíveis”.

    Ex-vice-presidente de Dilma que assumiu o governo após o impeachment da mandatária, Michel Temer discursou na ONU em 2016. Diante das acusações de que chegou ao poder por um golpe político contra a presidente, Temer usou parte de seu discurso para defender sua legitimidade no cargo.

    Dilma na ONU
    A então presidente Dilma Rousseff durante abertura do Debate de Alto Nível da 70ª Assembleia-Geral das Nações Unidas / Roberto Stuckert Filho – 28.set.2015/PR

    “O Brasil acaba de atravessar processo longo e complexo, regrado e conduzido pelo Congresso Nacional e pela Suprema Corte brasileira, que culminou em um impedimento. Tudo transcorreu dentro do mais absoluto respeito à ordem constitucional”, discursou Temer ao abrir a 71ª Assembleia-Geral das Nações Unidas.

    A pauta sobre o meio ambiente também estava nas linhas do discurso de Temer, que em 2017 passou a ter seu governo severamente criticado pelos organismos internacionais em razão do aumento do desmatamento na Amazônia.

    Relatório internacionais apontavam crescimento de 58% na devastação da floresta. O presidente disse na época que o governo havia tomado providências, e que o desmatamento já havia recuado 20% naquele ano.

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