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    Avanços e decepções: o legado da COP26 para a crise climática do planeta

    Especialistas elogiam o xeque-mate nos combustíveis fósseis, mas lamentam avanços a “passos de tartaruga”

    Manifestantes cobraram, na COP 26, urgência dos países para conter a crise climática
    Manifestantes cobraram, na COP 26, urgência dos países para conter a crise climática Adriana Freitas/CNN Brasil

    Edison Veigacolaboração para a CNN

    Quando a primeira Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas aconteceu, em 1995, o aquecimento global já era um perigo muito próximo. Um quarto de século depois, contudo, o planeta está oficialmente doente: e esse estado febril já tem causado consequências na saúde das pessoas, impactos na economia e a solução parece distante.

    Mesmo assim, a COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, não foi radical o suficiente para buscar conter a crise climática, acreditam especialistas ouvidos pela CNN.

    Nas palavras do biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador no Instituto Ambiental de Estocolmo, os avanços ocorrem “a passos de tartaruga e não na velocidade exigida para manter a elevação média da temperatura global em 1,5ºC ou mesmo 2ºC”. Passos de tartaruga ameaçada de extinção, vale ressaltar.

    “A análise que se faz atualmente é que, se todas as medidas atualmente propostas forem cumpridas, ainda assim terminaríamos com 1,8ºC a 2,4ºC de elevação média da temperatura. Claramente, não é suficiente”, acrescenta Lima.

    Essa elevação significaria perda ainda maior de espécies, eventos climáticos extremos, e o desaparecimento tanto das áreas litorâneas de algumas cidades costeiras quanto de ilhas inteiras no oceano

    Biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador no Instituto Ambiental de Estocolmo

    Ou seja: a ambição nos acordos teria de ser maior.

    “Não há garantia de cumprimento de nenhum acordo, pois muitos dos itens dos acordos são voluntários. A falha em chegar em um acordo mais ambicioso e a chamada para que os países apresentem novas metas em 2022 podem estimular um ativismo maior da sociedade, especialmente dos jovens”, acredita o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador do Imazon.

    “Por exemplo, a sociedade pode agir com mais foco contra os subsídios a combustíveis fósseis e aos setores que emitem metano, como a pecuária. Com maior pressão seria possível reduzir algumas das emissões até mais rapidamente do que tem sido comprometido. No caso brasileiro, poderíamos reduzir em quase 40% as emissões com o fim do desmatamento sem prejudicar a economia. Isso seria possível melhorando a produção agropecuária nas áreas já desmatadas. São quase 95 milhões de hectares de pastos degradados.”

    Avanços contra os combustíveis fósseis

    Entre os avanços da COP26 merece destaque o reconhecimento explícito, pela primeira vez em um documento da conferência, da importância de reduzir o uso dos combustíveis fósseis. Em outras palavras, foi um xeque-mate no carvão, ainda que a meta de eliminação tenha sido trocada pela de redução.

    “No final do evento, a Índia e outros países conseguiram mudar a linguagem [atenuando o relatório final], de phase out para phase down, mas se percebeu que nunca antes as energias sujas foram tão acossadas quanto na COP26”, diz Lima. 

    Com a liderança dos Estados Unidos e da União Europeia, mais de 100 países concordaram em reduzir as emissões de gás metano até 2030. Mais de 40 países, incluindo grandes usuários de carvão como Polônia, Vietnã e Chile, concordaram em abandonar progressivamente esse combustível fóssil.

     Além disso, mais de cem governos nacionais, cidades, estados e grandes empresas automobilísticas assinaram a “Glasgow Declaration on Zero-Emission Cars and Vans” para encerrar a venda de motores de combustão até 2035 nos principais mercados e, mundialmente, em 2040.

    Pelo menos 13 países também se comprometeram a acabar com a venda de veículos pesados movidos a combustíveis fósseis até 2040.

    Todos os compromissos assumidos podem ser cumpridos e já há vários estudos sobre a viabilidade da transição para uma economia descarbonizada. O que falta é vontade política

    Alexandre Prado, diretor de economia verde da organização WWF-Brasil

    “Infelizmente o lobby do setor vinculado aos combustíveis fósseis e o foco no curto prazo, seja por parte de investidores, seja por parte dos políticos, ainda faz com que muitos planejem o futuro olhando pelo retrovisor.”

    Combate ao desmatamento e regulamentação do mercado de carbono

    Durante a COP, cerca de 120 países — representando 90% da cobertura florestal do planeta — se comprometeram a deter e reverter o desmatamento até 2030.

    Houve ainda compromisso financeiro. Um novo fundo foi aprovado para zerar o desmatamento ilegal até 2030 — deve ser constituído até 2025 e teve os Estados Unidos como o maior doador, com o compromisso de injetar US$ 12 bilhões.

    Outros US$ 7,2 bilhões devem vir de empresas privadas. Mas não foi ainda esclarecido como esse dinheiro chegará aos projetos, de fato.

    A questão do mercado de carbono também deu passos adiante, com a regulamentação dessa ferramenta, propiciando que países emissores cumpram suas metas adquirindo cotas de países que conseguem sequestrar gases de efeito estufa.

    Na avaliação de Fabio Feldmann, consultor sênior de articulação política do Centro Brasil no Clima, o destravamento desse mecanismo precisa ser elogiado. 

    Por outro lado, ele lembra que compromissos de financiamento firmados em outras COP, como a de Copenhagen, de 2009, não foram cumpridos “e isso passou batido”.

    Os países mais afetados pelo aquecimento global continuam sem condições objetivas para o enfrentamento do problema. E a água está no joelho

    Fabio Feldmann, consultor sênior de articulação política do Centro Brasil no Clima

    Especialista em ecologia e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o biólogo Magno Botelho Castelo Branco destaca como histórico o acordo firmado entre China e Estados Unidos.

    Em pacto bilateral anunciado durante a COP, os dois países, maiores produtores de gases do efeito estufa, se comprometeram a tomar medidas para reduzir essas emissões.

    “Em uma declaração conjunta, eles disseram que concordaram em tomar medidas em uma série de questões, incluindo emissões de metano, transição para energia limpa e descarbonização. Eles também reiteraram seu compromisso de manter viva a meta de 1,5ºC”, diz Castelo Branco. 

    Por outro lado, ele também acredita que o passo dado foi pequeno, dado o tamanho do problema.

    “De maneira geral os compromissos assumidos não foram tão ambiciosos, deixando muitos analistas decepcionados em alguns casos. E acho que os compromissos de descarbonização de matriz energética seguirão em um passo menor que o acordado, principalmente face a retomada do crescimento econômico na era pós-Covid”, comenta.

    Sociedade e diplomacia puxaram o Brasil

    Já era esperado, pelo contexto político atual: o Brasil não teve o protagonismo nas mesas de negociações, tomando para si a liderança natural de quem tem ricos biomas e a pujança da Amazônia. Mesmo assim, a delegação nacional demonstrou pragmatismo e não foi um entrave às negociações, na avaliação dos especialsitas.

    “O Brasil chegou totalmente desacreditado em Glasgow, mas conseguiu um reposicionamento positivo, que resgatou em parte seu protagonismo histórico”, comenta Feldmann. “Isso graças ao profissionalismo da diplomacia brasileira e à presença da nossa sociedade civil, de lideranças indígenas, dos nossos jovens e do setor empresarial cosmopolita.”

    “Nossos diplomatas foram pragmáticos, pois sabiam que o Brasil estava na posição de pária e poderia sair, mais uma vez, como vilão da COP”, acrescenta Natalie Unterstell, presidente do think thank Talanoa, dedicado à política climática, e mestre em políticas públicas pela Universidade de Harvard.

    “Então, se mostraram bastante flexíveis e colaboraram para destravar as negociações que haviam endurecido nos anos anteriores. Mas o chefe da delegação, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, teve participação tímida e passou quase todo o tempo no stand do Brasil, fora das principais mesas de diálogo.” A CNN procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar as críticas, mas não obteve respostas.

    Em termos de imagem, contudo, o desgaste se manteve. O Brasil ganhou duas vezes o antiprêmio “fóssil do dia”, conferido, durante a conferência, por organizações não governamentais aos que são vistos como inimigos da preservação ambiental.

    Os “reconhecidos” foram o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Joaquim Leite.

    Ainda sobre a participação brasileira, Paulo Barreto, do Imazon, acredita que o destaque positivo foi por conta do engajamento da sociedade civil. “A novidade em relação à última COP foi uma participação mais ampla da sociedade, incluindo empresários, executivos de empresas, jovens, povos indígenas e ambientalistas. Esses grupos têm demandado mais compromisso do governo”, pontua.