Austrália oferece dinheiro como incentivo para vítimas deixarem parceiros violentos
Inscrições foram abertas hoje; agência responsável pelo programa experimental já recebe ligações e mensagens com pedidos de inclusão
O governo australiano está oferecendo pagamentos únicos em dinheiro para ajudar vítimas de relacionamentos violentos a abandonarem seus parceiros.
A partir desta terça-feira (19), as vítimas podem solicitar o pagamento de 5 mil dólares australianos (equivalente a mais de R$ 20 mil), que inclui dinheiro em espécie e pagamentos diretos de despesas como taxas escolares.
O programa é aberto a todos os gêneros. No entanto, espera-se que as mulheres constituam a maior parte dos requerentes em um país onde uma mulher é morta pelo parceiro a cada nove dias, de acordo com dados do governo.
Embora o pagamento tenha sido bem recebido pelos defensores, alguns dizem que ele não aborda as causas profundas da violência familiar na Austrália.
Mary Crooks, diretora executiva do Victorian Women’s Trust, diz que o país precisa ter um debate mais amplo sobre a cultura “blokey” que coloca os homens como “cabeças da família” e na maioria dos cargos de governo e do mercado corporativo.
Ela também disse que é preciso fazer perguntas sobre por que as mulheres são obrigadas a deixar suas casas.
“Há uma grande questão moral, ética e política aqui. Por que ela tem que passar por este trauma e mudar sua vida quando ela, na verdade, não foi a responsável pelos danos?”
Desigualdade de gênero
A Austrália tem uma pontuação baixa nas classificações internacionais de igualdade de gênero, o que pode contribuir para uma dinâmica de poder desigual nos relacionamentos e tornar as mulheres economicamente vulneráveis.
O Relatório Global de Gênero 2021 do Fórum Econômico Mundial classifica a Austrália na posição 50 – bem abaixo dos Estados Unidos, Reino Unido, França e Nova Zelândia.
Com 13,4%, a disparidade salarial de gênero na Austrália está em um nível recorde, disse o governo em sua Declaração do Orçamento da Mulher em maio, ao se comprometer a reduzir ainda mais esta divisão.
No entanto, os números mostram que a pandemia piorou a disparidade econômica na Austrália, pois mais mulheres perderam seus empregos ou tiveram suas horas cortadas durante o lockdown – mais do que os homens.
E como muitos países, a pandemia também levou a um aumento na violência doméstica australiana. De acordo com o governo, dois terços das mulheres que sofreram violência física ou sexual por um atual ou ex-parceiro durante a pandemia disseram que a violência começou ou aumentou durante a crise sanitária.
Os bloqueios impediram muitas mulheres de abandonar relacionamentos abusivos – e agora, mesmo com as restrições da Covid-19, um movimento imobiliário que aumentou os custos de aluguel tornou tudo ainda mais difícil.
As autoridades estão tentando encontrar medidas para preencher esta lacuna. Nesta terça, New South Wales – o estado mais populoso do país – anunciou seu maior investimento individual no combate à violência doméstica e familiar.
O pacote de 484 milhões de dólares australianos (US$ 360 milhões) inclui 75 novas casas de refúgios para mulheres equipadas com salas para audiências, cozinhas comunitárias e playgrounds.
Annabelle Daniel, presidente da Domestic Violence NSW, comemorou a mudança, que ela disse que ajudaria a atender a necessidade urgente de locais extras de segurança nas áreas rurais e regionais da cidade.
“Sabemos que o número de pessoas necessitadas está aumentando continuamente. Quando aumentamos a conscientização sobre a violência doméstica e familiar, as mulheres levantam as mãos em busca de ajuda”, disse ela em um comunicado.
Incentivo é uma dos fração dos custos
Nos últimos anos, o governo australiano tentou lidar com a violência doméstica e familiar com uma série de planos nacionais, mas as taxas continuam altas.
Por exemplo, uma pesquisa de 2018 feita pela organização nacional de pesquisa da Austrália, revelou que um em cada cinco australianos acredita que exemplos de violência doméstica são “reações normais ao estresse e à frustração do dia a dia”.
Os líderes indígenas dizem que os planos têm sido tão ineficazes para sua comunidade que eles querem um plano nacional separado.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Our Watch, as mulheres aborígines e das ilhas do Estreito de Torres, no extremo norte do país, sofrem maiores índices de violência do que as mulheres não indígenas e têm 11 vezes mais chances de morrer por causa destes abusos.
Antoinette Braybrook, CEO da Djirra, uma rede de apoio às mulheres indígenas, disse ao National Indigenous Times que muitas vezes as mulheres indígenas têm medo de denunciar a violência à polícia.
“Pior, muitas vezes somos erroneamente identificadas como as perpetradoras da violência familiar. Estamos aterrorizadas com a ameaça de ter nossos filhos removidos”, escreveu ela.
Crooks, da Victorian Women’s Trust, disse que por mais difícil que seja para as mulheres brancas deixar um lar violento, preconceitos embutidos na justiça criminal e nos sistemas de policiamento tornam isso ainda mais difícil para as mulheres indígenas.
O pagamento de 5 mil dólares australianos para fuga à violência é parte de um pacote de segurança para mulheres no valor de 1,1 bilhão de dólares australianos (US$ 820 milhões) anunciado pelo governo em maio.
A UnitingCare Australia, a agência encarregada de administrar o programa experimental de dois anos, disse que estava recebendo ligações e mensagens sobre como se inscrever antes mesmo de as inscrições serem abertas nesta terça-feira.
Mas, embora o pagamento ajude as mulheres a escapar da violência, o valor é uma fração das estimativas de quanto as vítimas pagam para encontrar segurança.
Em 2017, o Conselho Australiano de Sindicatos (ACTU) descobriu que custava em média 18 mil dólares australianos (US$ 14 mil), incluindo a contratação de um advogado e de uma empresa de mudanças, bem como a aquisição de uma nova casa com alimentos e eletrodomésticos. A ACTU disse que o custo provavelmente será ainda maior em 2021.
(Este texto é uma tradução. Para ler o original, em inglês, clique aqui)