Ativistas pela paz em Israel relatam receio em meio à guerra com o Hamas
Militantes dizem estar em posição “complicada”, equilibrando preocupações sobre o ciclo de violência da guerra e a segurança dos israelenses
Quando a ativista de direitos humanos Ziv Stahl foi despertada pelos estrondos de foguetes no dia 7 de outubro, enquanto estava na casa da irmã no kibutz Kfar Aza, ela não previu nem por um momento a escala do ataque terrorista que se acontecia à sua volta.
Ela também não imaginava o horror que sentiria quando mais tarde ligasse para a polícia, que “basicamente me disse que ninguém viria”.
Naquele dia, integrantes do Hamas assassinaram a cunhada de Stahl e vários proeminentes ativistas da paz que viviam no kibutz.
Stahl, que é diretora-executiva da organização de direitos humanos Yesh Din, diz que não está pedindo por vingança pelo que aconteceu naquele dia, nem está assumindo uma posição pacifista em relação à guerra de Israel em Gaza contra o Hamas.
“Não estou dizendo cessar-fogo a qualquer custo. Israel tem o direito de se defender e proteger os cidadãos israelenses”, explicou ela, mas ponderou que isso não deve ser feito indiscriminadamente ou à custa de milhares de vidas palestinas.
A posição de Stahl, que ela descreveu como “complicada”, fala do desafio que o movimento pela paz de Israel enfrenta diante do pior massacre do povo judeu desde o Holocausto.
Os judeus israelenses que passaram as suas vidas empenhados na coexistência com os palestinos precisam agora equilibrar as preocupações sobre o ciclo de violência da guerra de Israel e as necessidades de segurança dos israelenses em meio a grandes perdas pessoais.
À medida que protestos em solidariedade à Palestina ocorrem em todo o Ocidente, alguns dos pequenos grupos de esquerda, ativistas da paz e defensores dos direitos humanos de Israel, como Stahl, optaram por dar um passo atrás no debate público sobre um cessar-fogo permanente.
Outros dizem que encontrar o fim da guerra e formar uma solução de dois Estados é mais urgente do que nunca, mesmo que possa ser uma opinião impopular no país que ao longo das décadas se deslocou politicamente para a direita.
Alguns ativistas reclamam que as autoridades estão tentando equiparar o ativismo pela paz ao apoio ao Hamas.
Tem sido quase impossível obter autorização para protestar contra a guerra, exceto um protesto em Tel Aviv, organizado pelo partido de esquerda árabe e judeu Hadash. E no início de novembro, quatro importantes líderes políticos palestinos em Israel foram detidos por participarem de um protesto silencioso antiguerra.
Juventude de esquerda e receio
Em um espaço comunitário da esquerda em Tel Aviv, decorado com uma faixa vermelha com as palavras “uma nação que ocupa outra nação nunca será livre”, um grupo de jovens israelenses discute o seu recém-formado grupo antiguerra, chamado “Gen Zayin”, que significa Geração Z.
Os membros do grupo pediram à CNN que usasse pseudônimos para eles, citando dezenas de pessoas detidas desde 7 de outubro em Israel por alegadamente incitarem violência e terrorismo.
Muitos dos detidos são palestinos, e os ativistas afirmam que as prisões e detenções são feitas sem devida justificativa legal e simplesmente por demonstrarem apoio ao povo palestino.
Enquanto no Ocidente os eleitores jovens são muitas vezes mais liberais do que os avós, em Israel é o oposto, disse Rafael, um dos cofundadores do Gen Zayin, que usa um pseudônimo.
Uma pesquisa de 2022 do Instituto da Democracia Israelense descobriu que 73% dos judeus entrevistados com idades entre 18 e 24 anos se identificaram como de direita, em comparação com 46% das pessoas entrevistadas com mais de 65 anos.
A posição do grupo contra a guerra não será bem recebida pela maioria da população judaica neste momento, apontam, e é por isso que os membros do Gen Zayin colam cartazes na calada da noite e compartilham sorrateiramente panfletos que defendem seu manifesto antiguerra e antigovernamental nas escolas secundárias.
Rafael, de 24 anos, apoia veementemente uma solução de dois Estados e acusa a ala de direita do país, como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de encorajarem o Hamas com a sua tentativa de reprimir um Estado palestino.
“A situação é insustentável e a única forma de podermos viver numa sociedade justa, igualitária e democrática é através da paz, do fim da ocupação, do despejo dos colonos” da Cisjordânia e o direito do retorno de cerca de 5,9 milhões de refugiados palestinos em todo o mundo, pontuou.
FOTOS: Veja imagens do conflito entre Israel e Hamas
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Os membros do Gen Zayin têm medo da opinião pública israelense, mas também se sentem abandonados por partes de movimentos de esquerda ocidental, que eles consideram que defendem a abolição do Estado israelense.
Rafael se irritou com um slogan antiguerra que viu online: “Você apoia a descolonização como um conceito abstrato ou um evento tangível?”, ele leu. Esse “evento tangível” referia-se ao ataque do Hamas, que matou 1.200 pessoas em Israel e levou à eclosão da guerra, disse ele.
“Eles não entendem que 7 milhões de israelenses vivem aqui e não vão a lugar nenhum, e muitos israelenses não sabem que os 7 milhões de palestinos [em Israel e nos territórios] também não vão a lugar nenhum. O único caminho a seguir é juntos”, destacou.
Exposição online e ameaças
Expressar simpatia pública pelos palestinos pode colocá-lo em uma situação delicada. Alguns judeus israelenses perderam os seus empregos ou foram publicamente sancionados por se manifestarem a favor de Gaza, afirmam ativistas.
Ofer Cassif, um legislador do Hadash no Knesset, disse à CNN que foi suspenso por 45 dias em outubro por dizer que “o governo israelense queria o confronto”.
Ele também foi acusado de comparar o plano de Israel para Gaza com a Solução Final Nazista, segundo relatou.
“Não foi isso que eu disse. Mas eles realmente não se importaram, porque esse comitê estava interessado na perseguição política, no silenciamento político da oposição e das vozes dissidentes que se levantam contra a guerra”, alegou.
O jornalista de esquerda ultraortodoxo Israel Frey conta como foi exposto online e expulso de sua casa em Jerusalém no dia 15 de outubro com sua esposa e dois filhos por ultras do futebol de extrema-direita.
Foi sobre um vídeo dele recitando o Kadish, a oração judaica de luto, onde ele orou pelos massacrados pelo Hamas e pelas mulheres e crianças palestinas sob fogo aberto em Gaza.
“Aos poucos, a rua foi enchendo. Eles chegaram na minha casa. Tentei olhar [pelo] visor [na porta] e eles o fecharam. Batendo, tentando me machucar. Dois meses depois, falo sobre isso com certa diversão, mas em tempo real foi muito assustador. Centenas de pessoas vieram [e] tentaram me machucar”, relatou à CNN de um local não revelado, já que atualmente está escondido.
Os policiais de tropa de choque que vieram tirá-lo de seu apartamento também o agrediram, disse o jornalista, com um deles cuspindo nele. A CNN pediu nota para a Yasam, a Unidade de Patrulha Especial da Polícia de Israel, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
Famílias enlutadas pensam no futuro
Tomando uma xícara de chá quente, com ervas que ele colheu no jardim do terraço de um albergue de sua propriedade em Tel Aviv, Maoz Inon afirmou à CNN que se tornou um ativista pela paz uma semana depois que seus pais foram mortos no ataque de 7 de outubro.
Naquele momento, percebeu que “a paz é a única coisa que pode trazer segurança a todos os que vivem entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo”.
Ele não foi sancionado da mesma forma que outras pessoas do movimento pela paz, dizendo que se deve ao fato de ele estar entre as famílias afetadas pelo ataque do Hamas.
“Estou usando meu privilégio e 15 minutos de fama como vítima para evitar que outros se tornem vítimas”, destacou.
Poucos ativistas judeus pela paz estão prontos para defender abertamente a paz “porque todos estão traumatizados – mas eu tenho as palavras”, disse Inon.
Falando de uma comunidade suburbana perto de Jerusalém, a poucos metros da Linha Verde com a Cisjordânia ocupada, a israelense-americana Elana Kaminka disse à CNN que costumava comprar vegetais em uma pequena aldeia palestina do outro lado da fronteira.
Mas tudo mudou depois de 7 de outubro, quando o seu filho Yannai, de 20 anos, foi morto enquanto defendia a base de treino de Zikim, perto da fronteira com Gaza, disse ela.
Desde então, as paredes metafóricas e físicas foram erguidas em torno do seu trecho da Linha Verde. Os postos de controle foram reforçados e muitos palestinos que vivem na Cisjordânia tiveram autorizações de trabalho em Israel serem revogadas, diz Kaminka, que não visita a aldeia desde a morte do filho.
Se os israelenses “realmente entendessem o que estava acontecendo nos territórios — o verdadeiro significado prático da ocupação — penso que as suas opiniões seriam diferentes”, ressaltou à CNN da casa onde vive com o marido e outros três filhos.
“E para os palestinos também é muito fácil demonizar os israelenses e todos os soldados israelenses como pessoas horríveis. É super fácil viver em uma bolha onde você não tem nenhuma interação com o outro lado”, ponderou.
A dor que ela sente pela perda do filho é abrangente. Ela tem lutado para escrever ou continuar com seu trabalho voluntário, que inclui apoiar vítimas de violência racista e transportar crianças palestinas doentes para hospitais israelenses.
Kaminka não tem uma posição clara sobre a guerra e, tal como Stahl, diz que existem enormes preocupações de segurança em jogo, especialmente quando mais de 100 reféns permanecem em Gaza.
O que ela tem certeza é que, no longo prazo, a coexistência judaico-palestina é o único caminho a seguir.
Ao apontar para a aldeia palestina que costumava visitar, ela disse: “Temos que encontrar uma maneira de construir uma sociedade comum que pareça justa e justa para o maior número de pessoas possível”.