Ativistas ficam decepcionados com falta de foco na África durante a COP27
A Cúpula do Clima deste ano foi amplamente promovida como a "COP da África", mas a discussão sobre os problemas específicos do continente foi deixada em segundo plano
A multidão estava adorando o que Bhekumuzi Bhebhe tinha a dizer, comemorando alto enquanto ele gritava “não gaste a África!” no megafone.
De pé sob o sol escaldante do Egito na COP27, Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em Sharm el-Sheikh, na terça-feira (15), Bhebhe, um ativista climático da África do Sul, protestava contra o que ele diz ser uma tentativa dos países ricos de subornar a África para investir em combustíveis fósseis que causam o aquecimento global.
Para ele, é mais um exemplo da hipocrisia dos países ocidentais em relação ao continente – que mal contribuiu para a crise climática, mas está sofrendo com alguns de seus efeitos mais devastadores.
“Isso é justiça?!” ele perguntou a seus companheiros manifestantes. “Não!” a multidão gritou de volta.
O governo egípcio, que está sediando e presidindo as negociações climáticas patrocinadas pela ONU, havia prometido que a cúpula deste ano seria finalmente a “COP da África”, que colocaria as necessidades do continente na frente e no centro.
Promessas não cumpridas
Mas, de acordo com muitos representantes de países de toda a África, essa promessa ainda não foi cumprida.
Mohamed Adow, diretor e fundador da Power Shift Africa, uma organização não governamental focada em acelerar a promoção de energia renovável no continente, disse, em um evento no domingo (13), que o desenvolvimento da COP até agora mostra que a conferência era “africana apenas no nome”.
Quaisquer esperanças de que a cúpula realmente se concentrasse na África foram frustradas no início, quando os participantes da conferência negaram um pedido de um grupo de governos africanos para incluir uma discussão sobre as “necessidades e circunstâncias especiais” do continente na agenda oficial.
Philip Osano, diretor do Centro Africano do Instituto Ambiental de Estocolmo, disse à CNN que o reconhecimento das circunstâncias especiais era uma das três principais prioridades de muitos governos africanos, junto ao financiamento climático e à transição para energia limpa.
“A África contribui com menos de 4,8% das emissões, mas os impactos agora se tornaram muito graves, por isso esse é um item prioritário”, afirmou.
“A má notícia é que está fora da agenda. Mas é muito complicado, porque outras partes do mundo – especialmente pequenos estados insulares, países em desenvolvimento – todos têm circunstâncias especiais quando se trata do clima.”
Mithika Mwenda, co-fundador queniano da Pan African Climate Justice Alliance, disse estar “indignado” com a decisão de não incluir essa discussão na agenda. Em fala após a proposta ser descartada, Mwenda disse que a situação “preparou o cenário para outra COP que deixará milhões de africanos morrendo injustamente” devido às mudanças climáticas.
O pagamento de “perdas e danos”
Alguns dos líderes dos países mais vulneráveis à crise climática – muitos na África – chegaram a Sharm el Sheikh com grandes esperanças de que os países desenvolvidos finalmente concordassem em pagar por “perdas e danos” já causados pelas mudanças climáticas.
A ideia é simples: os países que enriqueceram usando os combustíveis fósseis que causam a crise climática devem ajudar os mais afetados por ela a lidar com as consequências devastadoras.
Indo para a cúpula, líderes de países vulneráveis ao clima disseram que esta era sua prioridade número um, e havia esperança de que um novo mecanismo de financiamento pudesse ser estabelecido este ano, mas as negociações têm se mostrado difíceis. Alguns dos países mais ricos estão unidos em oposição à ideia de criar um novo fundo.
Os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido têm tentado descartar a ideia, dizendo que querem estabelecer um “processo” que leve a um “resultado” até 2024.
Mas para países que estão vendo suas costas desaparecerem e sua população se afogar em enchentes devastadoras ou morrer de fome por causa das secas, isso não é o suficiente.
“Tínhamos promessas, declarações e compromissos, mas precisamos de propostas abrangentes. Já temos notas conceituais, já temos propostas, já temos nossos [planos de corte de emissões], precisamos passar para as implementações”, disse Edward Bendu, diretor ambiental do Ministério de Terras, Planejamento Territorial e Meio Ambiente de Serra Leoa, à CNN em uma entrevista na cúpula.
Bendu, que representa um país que está entre os mais afetados pela crise climática, disse que o acesso ao financiamento climático existente é difícil e que as opções de financiamento atuais não são adequadas ao objetivo.
“Demora cerca de três, quatro anos para acessar os fundos”, disse ele. “É tarde demais para nós, não podemos resolver as questões de perdas e danos dessa maneira.”
Houve alguns movimentos positivos vindos da cúpula. A Alemanha está liderando um novo programa de perdas e danos chamado Global Shield, que espera disponibilizar dinheiro mais rapidamente para países que sofrem com desastres climáticos.
A UE e vários de seus estados-membros anunciaram na quarta-feira que “irão fornecer mais de € 1 bilhão (R$ 5,65 bilhões) para a adaptação climática na África”. O bloco também disse que acrescentaria € 60 milhões (R$ 339,27 milhões) ao montante destinado para perdas e danos.
Mas, investigando os números, descobriu-se que dos € 345 milhões (R$ 1,95 bilhão) que a Comissão Europeia contribuiria para o pacote, apenas € 220 milhões (R$ 1,24 bilhão) seriam um “novo compromisso”, de acordo com um comunicado divulgado na quarta-feira.
O restante dos € 345 milhões já foi prometido no passado. E quanto aos € 60 milhões por perdas e danos, esse dinheiro está incluso nos € 220 milhões, em vez de ser uma soma adicional. A UE não deu detalhes sobre as contribuições de cada estado. A CNN entrou em contato com o bloco para comentar e obter mais detalhes sobre o anúncio.
Para o mundo em desenvolvimento, o resultado final é que a promessa de financiamento permanece sem ser cumprida. No Acordo de Paris, os países ricos se comprometeram a fornecer US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para o mundo em desenvolvimento até 2020. Dois anos após o prazo, a meta ainda não foi atingida.
A energia na África
A batalha sobre a futura infra-estrutura de energia da África emergiu como uma das questões-chave na cúpula.
Cerca de 600 milhões de africanos não têm acesso à eletricidade e quase um bilhão não tem utensílios de cozinha com energia limpa, dependendo da queima de biomassa sólida, querosene ou carvão como combustível primário para cozinhar, de acordo com a Agência Internacional de Energia.
Especialistas e ativistas estão enfatizando que muitos países africanos estão presos a investimentos em combustíveis fósseis que poluem e provavelmente se mostrarão antieconômicos em alguns anos.
Não é uma questão hipotética. Muitos dos países mais ricos do mundo estão pressionando por mais investimentos em combustíveis fósseis em vários países africanos, na tentativa de parar o consumo de gás russo por causa da guerra na Ucrânia.
O chanceler alemão Olaf Scholz voou para Dakar, capital do Senegal, no início deste ano e conversou com o presidente senegalês Macky Sall – presidente da União Africana – sobre o desenvolvimento de um novo campo offshore de gás natural. E no início deste mês, a gigante energética italiana ENI começou a exportar gás natural de um novo campo de gás em águas profundas em Moçambique.
Esses investimentos estão deixando os ativistas particularmente furiosos.
“É uma hipocrisia e estamos denunciando isso”, disse Omar Elmaawi, um ativista queniano que passou anos fazendo campanha contra o oleoduto planejado na África Oriental, destinado a transportar petróleo de Uganda para a Tanzânia, onde poderia ser vendido em mercados internacionais.
“A África contribuiu muito pouco para o problema climático, mas as empresas de combustíveis fósseis estão usando isso a seu favor. Eles dizem que a África foi deixada para trás, portanto, querem explorar o potencial para nos ajudar a desenvolver”, disse Elmaawi à CNN.
“Mas essa narrativa não se sustenta porque, embora chamem isso de ‘desenvolvimento’, eles querem explorar esses recursos e enviá-los para o Norte global”, acrescentou.
Elmaawi disse entender que o dinheiro que as grandes empresas de combustíveis fósseis estão oferecendo pode parecer uma opção lucrativa para alguns governos africanos, mas ele e outros ativistas dizem que querem que seus governos pensem no futuro.
“Minha avaliação sempre foi que, ou nossos líderes governamentais são realmente ignorantes e estúpidos, ou alguns deles não estão trabalhando no que seria mais interessante para seu povo”, disse ele.
O que Elmaawi, Adow e outros ativistas querem é que a COP27 ajude os países africanos a promover mais investimentos em energia renovável.
Segundo a Agência Internacional de Energia, a África possui cerca de 60% dos melhores recursos de energia solar do mundo, mas apenas 1% da capacidade fotovoltaica instalada.
Adow disse que a África poderia facilmente se tornar uma superpotência de energia renovável.
Mas, em vez disso, disse ele, “os países europeus querem transformar a África em seu posto de gasolina”.