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    Após 60 anos, tentativa de invasão à Cuba ainda afeta eleições americanas

    A derrota na invasão à Baía dos Porcos em Cuba influencia até hoje a percepção de cubano-americanos sobre o Partido Democrata

    Boris Sanchez, , da CNN

    Para muitos, este momento é apenas uma nota de rodapé histórica. Um pouco de conhecimento sobre o passado. Uma operação falha da Guerra Fria conhecida como uma das maiores falhas de operação dos serviços de inteligência dos Estados Unidos.

    Mas para aqueles que penetraram uma pequena parte do litoral de Cuba em 17 de abril de 1961, a fracassada invasão da Baía dos Porcos foi um ponto de virada na luta contra um regime ditatorial comunista opressor — ponto este que alguns argumentam ainda influenciar as eleições nacionais dos EUA, mesmo 60 anos depois.

    “Hoje, ainda temos esperança de que podemos levar liberdade ao povo de Cuba”, disse Johnny Lopez de la Cruz, coronel aposentado do exército americano e presidente da Associação de Veteranos da Baía dos Porcos. “Não podemos descansar verdadeiramente até que enxerguemos a situação como resolvida”.

    Lopez de la Cruz era um adolescente durante a revolução de Fidel Castro em 1959, mas pôde enxergar quase imediatamente que Cuba estava se direcionando para uma ditadura totalitária quando Castro revogou os direitos sobre propriedades, sufocou a livre expressão e destroçou brutalmente qualquer forma de dissidência.

    “Apesar de ser jovem, eu podia perceber que algo estava errado”, disse Lopez de la Cruz, que afirma ter visto um amigo inocente ser assassinado em frente a um esquadrão de tiro, início de um processo que o levou a agir.

    Johnny Lopez de la Cruz
    Presidente da Associação de Veteranos da Baía dos Porcos Johnny Lopez de la Cruz posa no Museu da Brigada 2506 em Little Havana, Miami, em 2018
    Foto: Leila Macor/AFP/Getty Images

    “Eu fiquei doente, não podia acreditar…e imediatamente comecei a procurar um lugar para começar a trabalhar contra o governo”.

    Esse esforço o levou à Brigada 2506, um grupo de cerca de 1.500 exilados cubanos, armados e treinados pela CIA em campos na Flórida e na Guatemala.

    “Era uma resposta à nossa situação, eles nos deram armas para lutar”, disse Pedro Roig, que se juntou à Brigada sem saber o que é a CIA, e foi recrutado por amigos na ilha. 

    A Brigada era uma mistura de setores da sociedade cubana, disseram os veteranos, com médicos e engenheiros treinando ao lado de fazendeiros e pescadores.

    “Eles eram brancos, negros…era uma mistura de tudo”, disse Lopez de la Cruz, destacando que muitos ainda eram estudantes adolescentes.

    “Eu era só uma criança”, disse Roberto Heros, que tinha 17 anos quando seus pais instaram que ele deixasse Cuba, com medo de que ele fosse preso ou executado após uma briga de rua com um grupo pró-Castro. “Na manhã seguinte, meus pais disseram ‘saia daqui’”.

    A invasão

    Após alguns meses de treinamento, a operação estava em processo.

    “Todos estavam animados, e eu estava cantando hinos patriotas”, recorda Lopez de la Cruz, que cantava junto com Heros — eram paraquedistas que deveriam chegar na ilha pelo ar. “Eu estava doido para pular”.

    “Claro, todos nós sabíamos que poderíamos ser mortos ou feridos. Mas francamente, nunca passou pela minha cabeça que poderíamos perder”, disse Heros. “Eu estava convencido de que íamos vencer”.

    Fidel Castro conversa com pais de presos americanos
    Fidel Castro conversa com pais de presos americanos sobre comida e mantimentos após a invasão em 1963
    Foto: Keystone/Hulton Archive/Getty Images

    Mas quase imediatamente, eles dizem, havia sinais de que a operação iria falhar.

    Durante a aterrissagem, Heros disse que sua primeira lembrança é a de um companheiro da brigada paraquedista sendo baleado antes de pisar no chão.

    “A primeira coisa que vi foi ele pendurado em uma árvore, morto”.

    “Não houve um minuto onde não havia alguma ação ocorrendo da nossa parte”, disse Lopez de la Cruz, que afirmou que a brigada teve algum sucesso no início contra as forças de Castro, mas não conseguiu sustentar os ganhos. “Na verdade, chegamos a ficar sem munição”.

    “Eu sempre digo que perdemos a guerra dois dias antes de aterrissarmos”, disse Lopez de la Cruz.

    De acordo com ele, que posteriormente serviu nas forças armadas dos EUA, inúmeras mudanças tácticas foram feitas no plano original de ataque, e uma falta de comprometimento geral do governo americano condenou a operação.

    No plano originalmente traçado pelo governo Eisenhower (presidente eleito pelo Partido Republicano), os Estados Unidos prometeram ajudar a Brigada 2506 com suporte aéreo uma vez que a operação estivesse em curso. Mas após três dias de luta intensa, a ajuda nunca veio.

    O então presidente, o democrata John F. Kennedy, cancelou o ataque planejado, deixando a brigada para ser capturada e derrotada.

    Membros da Brigada 2506 cativos após a invasão
    Membros da Brigada 2506 cativos após a invasão
    Foto: Miguel Vinas/AFP/Getty Images

    “Eu acho que Kennedy não estava muito certo do que queria fazer — e isso nos trouxe consequências”, disse Lopez de la Cruz, que diz não culpar ninguém pela derrota, acrescentando que não sabe qual tipo de inteligências ou outras considerações sobre políticas internacionais o governo estava enfrentando na época.

    Heros acrescentou que “muitos de nós, na época, culpamos o presidente Kennedy — eu, por mim, não o culpo”.

    O resultado político

    Depois de mais de um ano aprisionados por Castro, simpatizantes dos Estados Unidos eventualmente negociaram a sua soltura e partida para Miami, onde Kennedy proporcionou uma cerimônia de “Bom Retorno” aos soldados capturados.

    Entretanto, seis décadas depois, a invasão falha e a decisão de Kennedy ainda inflam discussões no bairro cubano Little Havana, em Miami, que reverberam além do sul da Flórida.

    “A menção ao nome de Kennedy é considerada uma traição para os cubanos”, disse Eduardo Celorio, um cubano-americano e jogador ávido de dominó na Calle Ocho. “É por isso que os cubanos começaram a mudar para o Partido Republicano”.

    Presidente Kennedy dos EUA segura bandeira da Brigada 2506
    Presidente Kennedy dos EUA segura bandeira da Brigada 2506 e afirma que “eles retornarão a uma Havana livre”
    Foto: Corbis Historical/Getty Images

    “Acho que é possível demarcar uma linha a partir da Baía dos Porcos e do trauma geracional que causou, até as eleições de 2020 — e provavelmente ainda mais além”, disse Billy Corben, um cineasta documentarista premiado que passou décadas registrando a cultura e política de Miami.

    “Muitos políticos, principalmente republicanos, encontraram uma forma de transformar “a palavra com C” em uma arma: o comunismo”.

    O último filme de Corben, “537 votos”, observa como as inclinações políticas de cubano-americanos em Miami mudaram as eleições presidenciais. Ele afirma que as cicatrizes do comunismo que estão presentes não somente em cubanos, mas em venezuelanos, nicaraguenses e em outros grupos que enfrentaram regimes de esquerda, corroboram com uma mensagem muito específica do Partido Republicano: não se pode confiar nos democratas.

    “Existem maneiras de os democratas dialogarem com esse eleitorado, mas ainda assim eles falham”, disse Corben. “E nesse vácuo estão as lembranças constantes do trauma”.

    Corben aponta o ex-presidente americano Donald Trump como um exemplo perfeito de um candidato que atingiu pontos emocionais naqueles que fugiram de opressões ao conectar os democratas a seus opressores.

    “Essas táticas e estratégias são usadas agora por republicanos em todo o país”, diz Corben.

    Apesar de receber candidatos por décadas, os veteranos da Baía dos Porcos apoiaram formalmente pela primeira vez uma candidatura em 55 anos, adotando Donald Trump como seu presidenciável. Notavelmente, Trump visitou os membros da brigada pela primeira vez quando pensava em se candidatar à Casa Branca ainda em 1999, e então procurou e obteve apoio durante a campanha de 2016.

    Durante a visita de 1999 aos veteranos da brigada, Trump propagandeou a continuidade do embargo de Cuba, chamou Castro de “assassino” e “criminoso”, e então disse que revogar o embargo significaria que todos que participaram da invasão “incluindo aqueles que morreram ou foram feridos e aqueles que são monumentos vivos disso seriam atingidos novamente por esse governo”, de acordo com um artigo do jornal Miami Herald que cobriu o evento.

    Em setembro de 2020, os veteranos visitaram a Casa Branca, agradecendo Trump por instaurar sanções e reverter as políticas da era Obama sobre Cuba. “Você manteve suas promessas”, disse Lopez de la Cruz a Trump durante um discurso na Sala Leste.

    Veterano Johnny Lopez de la Cruz e ex-presidente Donald Trump na Casa Branca
    Veterano Johnny Lopez de la Cruz e ex-presidente Donald Trump em um evento de homenagem aos soldados da invasão à Baía dos Porcos na Casa Branca, em setembro de 2020
    Foto: Mandel Ngan/AFP/Getty Images

    A aproximação de Trump foi recompensada no estado de Sunshine. Em uma das maiores viradas na direção de Trump durante as últimas eleições, o ex-presidente angariou um acréscimo de mais de 12 pontos nos votos do condado de Miami-Dade.

    Apesar de Joe Biden ter vencido no condado no fim das contas, os democratas acabaram perdendo dois assentos da Câmara no local, e Trump estreitou a margem em todo o estado, angariando novamente os 29 votos colegiados da Flórida.

    “Somos apenas pessoas que querem o melhor para Cuba…somos conservadores e tudo o que cheira a socialismo ou comunismo, vamos rejeitar”, disse Lopez de la Cruz sobre o apoio do grupo a Trump. Ele disse que os veteranos ficaram consternados com a abertura de Barack Obama em relação à ilha, o que afirma não ter produzido passos tangíveis em direção à democracia.

    O senador democrata Bob Menendez, filho de exilados cubanos, afirma que o fracasso da Baía dos Porcos ainda impacta o cenário político.

    “Eu creio que [a invasão] começou a criar a base, particularmente entre cubanos mais velhos, de uma crença de que o Partido Democrata virou as costas para eles em um momento crítico da história”, disse Menendez, que argumenta que muitas das políticas criadas para receber e ajudar a comunidade de exilados foram criadas por democratas. Apesar de admitir que a retórica do Partido Republicano funcionou, ele afirma que nada mudou muito em Cuba.

    “Quatro anos de Donald Trump e nenhum desses anos mudou a realidade do regime Castro e o sofrimento do povo cubano…Somos muito responsivos ao elemento emocional, mas às vezes me pergunto, ‘Estamos olhando para o que realmente estamos conquistando?’”

    O senador de Nova Jersey acrescenta que dissipar as noções românticas sobre Fidel Castro e a Revolução Cubana deve ser um esforço dos dois partidos.

    “Creio que todos compartilhamos um desejo de que o povo cubano seja livre”, disse Menendez, acrescentando que veteranos devem ser considerados heróis que arriscaram a vida por um propósito nobre.

    Juntamente ao colega senador cubano-americano Marco Rubio, Menendez está co-organizando uma medida que homenageia a Brigada 2506 e reforça o compromisso dos Estados Unidos em enfrentar o regime — o que Rubio diz dever ser um esforço bipartidário.

    “As vozes mais relevantes na política americana que foram simpáticas ao regime Castro calharam de ser de membros do Partido Democrata”, disse Rubio, da Flórida, apesar de dizer que há exceções notáveis pressionando por mudanças, como Menendez. Rubio também admite que há aqueles dentro de seu próprio partido que ele acredita estarem mal guiados na questão das políticas sobre Cuba.

    Rubio argumenta que os sentimentos orientados à direita entre os cubano-americanos foram solidificados por políticas instauradas muito tempo depois da Baía dos Porcos, acrescentando que o governo Biden tem agora a chance de avançar na causa que os Veteranos da Brigada 2056 ainda estão lutando para.

    “Para mim, isso será a causa última da derrota do regime Castro”, diz Rubio sobre a dedicação da Brigada 2056. “Esses homens nunca desistiram da causa e essa é a razão de ela estar viva até hoje”.

    “Não há um mês sem que eu tenha algum sonho vívido de estar em Cuba, a Cuba que eu me lembro, aquele lindo país”, disse Roberto Heros.

    Nenhum dos três veteranos que falaram à CNN retornaram à Cuba, pois, de acordo com Pedro Roig, sua missão ainda permanece a mesma.

    “Sessenta anos depois, ainda lutamos por liberdade”.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês).

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