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    Análise: Quem é a candidata que reformulou a extrema-direita da Itália

    Giorgia Meloni é líder do partido nacional conservador Irmãos da Itália e provavelmente a próxima primeira-ministra do país

    Francesco Galiettida CNN* , em Roma

    Perguntam-me com frequência o que se passa na cabeça de Giorgia Meloni, a líder do partido nacional conservador Irmãos da Itália e provavelmente a próxima primeira-ministra do país.

    Com quem podemos compará-la? A Hungria, a Polônia, o Brasil e até o Reino Unido (para não falar dos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump) são países onde a “destra” ou a “ala direita” tomaram o poder, pelo menos em parte, pegando carona no sentimento nacionalista.

    Mas Meloni, de 45 anos, que é a favorita para se tornar a primeira premiê italiana mulher e a pessoa mais jovem no cargo nas eleições do próximo domingo, não se encaixa em definições puras. Sua ascensão meteórica é talvez mais bem descrita como uma postura de equilíbrio ousado.

    Por um lado, Meloni tentou afastar a aura pós-fascista do seu partido, cujo passado inclui atores políticos que eram, reconhecidamente, fascistas ou sentiam nostalgia por Benito Mussolini. Por outro lado, ela tem mandado beijinhos para os mercados financeiros, comprometendo-se a manter a disciplina fiscal e as regras orçamentárias da União Europeia do primeiro-ministro que está deixando o cargo, Mario Draghi, pró-Europa e atlantista.

    Apesar de jovem, Meloni está na política há algum tempo. Em 2008, ela recebeu o batismo de fogo ao servir como ministra da juventude sob o primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Era um ministério de importância relativamente pequena, mas o consenso era que Meloni estava sendo preparada para o poder.

    Na época, eu era um jovem “consigliere” (conselheiro) no Tesouro italiano, e senti que talvez Meloni tivesse mais a mostrar. Parecia que ela havia literalmente consagrado sua vida à política; parecia mais uma vocação para ela, um chamado, do que uma profissão. Por causa disso, ela não me pareceu como outra figura qualquer, protegida de um líder partidário, tentando ter um espaço no governo.

    Anos mais tarde, em 2021, saiu a autobiografia de Meloni. Apressei-me a comprar uma cópia. Com detalhes vívidos, o livro explica como a juventude de Meloni foi dolorosa, e como foi importante para ela se tornar uma militante partidária. O pai de Meloni abandonou tanto ela como sua irmã Arianna ainda crianças, e o movimento social italiano de direita preencheu esta lacuna. Mais tarde, ela ajudaria a fundar o movimento político separatista Irmãos da Itália.

    Ao aprender sobre a criação de Meloni, pensei que as minhas impressões anteriores estavam levemente confirmadas: o trauma de um pai ausente colocou Meloni em uma missão de busca de propósito. De repente, Meloni lembrava Bruce Wayne, que embarcou numa jornada para se tornar Batman após o assassinato dos seus pais. No entanto, Batman é um vingador que se prepara para limpar as ruas de Gotham City dos seus muitos vilões, enquanto Meloni flertou várias vezes com a ideia de se tornar prefeita da sua cidade, Roma, mas nunca concorreu com vontade.

    Trauma de um pai ausente colocou Meloni em uma missão de busca de propósito

    Em 2016, a política italiana fez sua primeira tentativa nas urnas, mas acabou deixando a corrida pela prefeitura logo no início. Cinco anos depois, em 2021, ela novamente não concorreu, e acabou apoiando o candidato da direita Enrico Michetti, que perdeu para Roberto Gualtieri, do Partido Democrático, de centro-esquerda. Acreditava-se que, se Meloni tivesse se lançado em 2021, as chances de sucesso da direita teriam sido muito altas. Então, por que não foi ela a candidata? Afinal, Roma não é como qualquer outra cidade italiana e goza de visibilidade global como poucas outras no mundo. Será que ela decidiu deliberadamente “sacrificar” Roma para jogar no jogo maior, o nacional?

    Há poucas dúvidas de que a ascensão de Meloni nas pesquisas reflete uma generalizada fragilização da política e o uso do voto de protesto, que vêm surgindo na Itália pelo menos desde 2013. Na verdade, foi assim com os partidos antissistema, como o Movimento Cinco Estrelas e a Liga de Matteo Salvini, dos últimos anos. Assim como eles, o partido Irmãos da Itália de Meloni subiu muito rapidamente nas pesquisas, indo de um dígito a cerca de 25%.

    O momento de Meloni parece melhor do que os movimentos semelhantes nas eleições anteriores. Na verdade, se considerarmos as condições gerais da direita italiana hoje, Berlusconi, que fará 86 anos na próxima semana, não deve continuar na arena por muito mais tempo. Além disso, os limites de Salvini são claros e a sua posição pró-Rússia tornaram-no politicamente radioativo após a invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin. Isto significa que Meloni não pode apenas sonhar em tornar-se a primeira mulher primeira-ministra da Itália, mas também em consolidar o bloco conservador da Itália.

    Ambas as tarefas irão provavelmente exigir manter os moderados a bordo e trazer outras posições. Até que ponto Meloni leva tudo isso a sério? Ela ainda usa muito o repertório nativista e antipolíticas progressistas em seu repertório. 

    Também se aliou ao primeiro-ministro húngaro, o populista Viktor Orban, no início deste mês, quando o Parlamento Europeu votou a favor da denúncia da “existência de um risco claro de violação grave” por parte da Hungria de valores fundamentais da UE.

    Mas Meloni também não tem medo de normalizar o seu partido, e ela poderia seguir o exemplo do seu antigo chefe e mentor Gianfranco Fini. Em 2003, Fini optou por normalizar as relações do seu partido com Israel e fez uma visita altamente simbólica ao país. Provavelmente, à época, a medida não foi bem recebida por alguns dos apoiadores de Fini. Mesmo assim, ele conseguiu mudar para melhor a percepção do partido.

    Hoje, Meloni sempre descreve a invasão russa como um “ato de guerra em grande escala inaceitável por parte da Rússia de Putin contra a Ucrânia”, e defende o envio de armas ao governo de Kiev. Na verdade, com o vento a seu favor, Meloni está sinalizando a um público maior, tanto para os potenciais eleitores como para acalmar eventuais críticos. Ela sabe que, sem uma forte postura atlantista, seria impossível para o seu partido gerir o país nos dias de hoje. Além disso, Meloni parece ter um diálogo fluente com o atual primeiro-ministro e com o antigo presidente do Banco Central Europeu, extremamente respeitado, até ao ponto em que já vimos insinuações que Draghi se tornou o próprio “treinador de liderança” e fiador de Meloni.

    É claro que, como acontece frequentemente com os políticos italianos que são escalados para o topo, Meloni é muito mais uma encantadora – há muita gente que acredita ter um canal de diálogo “exclusivo” com ela. Os defensores de Draghi estão confiantes de que, dado o caos na Itália, eles têm voz com Meloni, e que este será o caso durante algum tempo.

    No entanto, Steve Bannon, o guru global de nova direita, também conversa regularmente com Meloni. Numa tentativa de ajudá-la a contar sua história, Bannon acabou de desenvolver uma série italiana inédita em seu programa “War Room”. Inevitavelmente, isso justifica a questão: quem é a verdadeira Meloni? Será que ela é a líder do partido responsável que segue um caminho evolutivo para transformar os Irmãos de Itália num partido pós-populista, ou a amiga de Viktor Orban em Roma? Só o tempo dirá.

    Entretanto, o maior teste para entender se Meloni realmente quer proteger o legado de Draghi será a nomeação do próximo ministro das Finanças de Itália. Será que ela vai propor alguém da velha guarda de Draghi para este trabalho? Todos os olhos estão voltados para Meloni.

    *Francesco Galietti é o fundador da Policy Sonar, uma consultoria de risco político baseada em Roma. Ele ocupou cargos de direção em instituições públicas italianas, incluindo o Ministério da Economia e das Finanças. Galietti é colunista da revista italiana de assuntos atuais “Panorama”. As opiniões expressas neste texto são do autor.

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