Análise: Qual deve ser a principal prioridade econômica de Joe Biden nos EUA?
Ao chegar ao final de 2020, estamos dizendo adeus ao pior ano para nossa economia desde a Grande Depressão
Quando o presidente eleito Joe Biden assumir o cargo em janeiro, ele enfrentará desafios econômicos que são indiscutivelmente maiores do que os enfrentados por qualquer presidente desde Franklin Delano Roosevelt.
Desde janeiro, um a cada sete norte-americanos perdeu o trabalho em tempo integral. As perdas de empregos permanentes apagaram quase sete anos de ganhos, e a natureza do desemprego de hoje expõe alguns de nossos cidadãos mais vulneráveis às piores dificuldades econômicas. Tudo isso tem como pano de fundo a rápida escalada da pandemia da Covid-19.
Ao chegar ao final de 2020, estamos dizendo adeus ao pior ano para nossa economia desde a Grande Depressão.
No entanto, nem todas as notícias são más.
Não há bolhas financeiras óbvias e, dada a expansão do mercado de ações, consumidores e investidores parecem confiantes no longo prazo. Enquanto isso, a poupança das famílias norte-americanas está substancialmente melhor do que um ano atrás. Além disso, o fim da pandemia poderia desencadear um forte crescimento econômico a partir da demanda reprimida. Mais: notícias sobre o desenvolvimento de vacinas deram mais certeza sobre a data de término da pandemia.
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Ainda assim, os danos econômicos de curto prazo causados pela pandemia provavelmente persistirão por mais alguns anos. Já os de longo prazo, particularmente para crianças e jovens adultos, podem durar décadas. Por causa disso, o alívio da Covid-19 deve ser a primeira prioridade da política econômica do governo Biden.
A próxima rodada de alívio da pandemia deve realizar duas coisas. Primeiro, estender o seguro-desemprego suplementar que vem sustentando mais de 10 milhões de famílias desde março. Em segundo lugar, um projeto de lei deve dar apoio aos governos estaduais e locais que enfrentam quebras de receita catastróficas que devem continuar até 2022.
A falha em substituir as perdas fiscais dos governos estaduais e locais terá efeitos prejudiciais, aprofundando a recessão e potencialmente acrescentando anos para uma recuperação total. O alcance das perdas fiscais pode significar demissões de professores, bombeiros e policiais em grande parte do país.
Na verdade, desde janeiro, cerca de 1 milhão de servidores locais já perderam seus empregos. Isso também significa reduções significativas nos serviços públicos no próximo ano. Educação e saúde, que compreendem mais da metade dos orçamentos estaduais e locais, serão áreas duramente atingidas. No meio de 2021, piscinas e parques públicos podem permanecer fechados em pleno verão nos Estados Unidos, enquanto governos municipais e estaduais lutam para equilibrar orçamentos.
O congresso aprovou uma versão do pacote de alívio da pandemia com um custo estimado de US$ 2,2 trilhões no primeiro semestre [depois que o artigo foi publicado, o Congresso dos EUA aprovou um novo pacote, de US$ 900 bilhões]. O número impressionante é obviamente um ponto de partida para a reconciliação do orçamento, mas, com a disponibilidade potencial da vacina limitando o impacto da doença no próximo ano, o acordo com um número mais modesto foi fechado entre a Câmara e o Senado.
A resistência do Partido Republicano a esse tamanho de alívio foi caracterizada como um resgate a estados mal administrados, mas essa retórica está simplesmente errada. Estimativas de déficits fiscais produzidas pelo Centro para Negócios e Pesquisa Econômica da Universidade Ball State mostram que a Califórnia permanecerá solvente muito depois de Indiana, Missouri e Arkansas terem esgotado seus fundos para os dias mais difíceis. Como a Moody’s Analytics concluiu em um relatório recente, a crise econômica nos estados é causada pelos efeitos da Covid-19, não pela má gestão fiscal.
Promulgada em março para, entre outras coisas, auxiliar trabalhadores, a Lei CARES forneceu o Plano de Proteção da Folha de Pagamento (PPP), projetado para evitar demissões nas empresas, bem como estender os benefícios para o desemprego relacionado à pandemia. Mas a Lei CARES expira em dezembro, e mesmo um governo federal modestamente melhor funcionando deveria trabalhar para um acordo rápido.
Enfrentamos a pandemia com o governo que temos, não o governo que gostaríamos de ter. Portanto, um novo projeto de lei de alívio deve fornecer um bom exemplo prático de compromisso para o próximo governo. Embora tal projeto pareça cada vez mais improvável no curto prazo, ele é extremamente importante porque existem outras prioridades urgentes que requerem cooperação bipartidária.
A maioria das grandes cidades norte-americanas enfrenta problemas de congestionamento significativos, e poucas estradas tem a tecnologia necessária para acomodar veículos inteligentes. Enquanto isso, muitos governos locais lutam para manter ou melhorar seu sistemas de água e esgoto, em defesa da saúde humana e ambiental. Por fim, há também as atualizações necessárias para as medidas de controle de inundações e incêndios, que se tornaram cada vez mais necessárias à luz das mudanças climáticas.
O plano de infraestrutura de Biden exige US$ 2 trilhões de gastos. Isso é mais do que previam planos de transporte anteriores, mas dentro da faixa de todos os gastos federais com infraestrutura em um plano de gastos típico de cinco a sete anos. Muitas vezes surgem divergências no Congresso quando os membros discutem o escopo dos gastos, e não o seu tamanho. Isso torna a infraestrutura madura para esforços iniciais e significativos para melhorar o espírito de compromisso.
Também há uma sobreposição substancial entre partes do New Deal Verde (o plano para o meio ambiente) e os gastos com infraestrutura que aumentariam a produtividade dos negócios. Por exemplo, investimentos em sistemas de transporte inteligentes, que são uma prioridade tanto dos progressistas quanto dos conservadores fiscais, poderiam ser reivindicados pela Câmara de Comércio e pelos ambientalistas como grandes vitórias políticas.
Muitos investimentos também podem reduzir custos para os governos locais com edifícios mais eficientes em termos de energia e custos de transporte mais baixos. Mais uma vez, isso deve atrair um amplo eleitorado político, facilitando o caminho para o compromisso do Congresso e preparando o terreno para cooperação futura.
Depois da Covid-19 e da infraestrutura, o trabalho duro começa. Após a pandemia, os Estados Unidos enfrentarão uma dívida recorde e uma desigualdade econômica cada vez maior entre pessoas e lugares. Nós ainda temos um aumento rápido dos gastos com saúde, uma guerra comercial contraproducente que enfraqueceu a indústria dos EUA e uma ampla reforma da imigração para enfrentar. Precisamos de caminhos de longo prazo para um compromisso construtivo.
Nas últimas décadas, os Estados Unidos se afastaram do federalismo, em que os governos estaduais e locais desempenham um papel mais ativo na determinação de seu melhor curso de ação em muitas de nossas questões mais polêmicas. Tal movimento enfraquece nossa capacidade de estabelecer compromissos.
O aumento do federalismo permitirá que os governos estaduais e locais experimentem com mais ousadia os gastos e as mudanças regulatórias, amenizando muitos dos impasses políticos mais difíceis, ao mesmo tempo em que permitirá que o laboratório dos estados experimente as políticas. Somos uma nação muito diversa para encontrar soluções fáceis de tamanho único.
Existem bons exemplos dos benefícios do federalismo. Por exemplo, a durabilidade do Affordable Care Act (ou Obamacare) depende fortemente de sua flexibilidade estadual em permitir coparticipações e incentivos para comportamentos saudáveis que tornam seus custos mais aceitáveis para os contribuintes. O então governador de Indiana Mike Pence adotou a expansão Medicaid (para as faixas mais vulneráveis) porque elas se encaixavam facilmente no Plano Indiana Saudável existente do estado.
O presidente eleito Biden enfrenta uma economia historicamente enfraquecida e uma pandemia cada vez mais forte. Ele também assume o cargo em uma época de profunda desconfiança política. Enquanto luta contra as consequências econômicas do coronavírus, ele tem uma rara chance de ressuscitar os mecanismos de compromisso que têm servido bem aos Estados Unidos por 244 anos.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).
NOTA DO EDITOR: Veja a conversa completa com SE Cupp, Michael Hicks e Rana Foroohar em “What Comes Next?” aqui. Michael J. Hicks é professor e diretor do Centro de Pesquisa Econômica e Empresarial da Universidade Ball State. Ele estuda economia regional e finanças públicas e é oficial de infantaria do exército aposentado. As opiniões expressas neste texto são dele.