Análise: Putin planeja desfile da vitória em 9 de maio, não importa o que aconteça
Data comemora aniversário de rendição da Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial
Quando as forças ucranianas repeliram as tropas russas que tentavam capturar a capital, Kiev, disseram que encontraram algumas bagagens interessantes entre os detritos da retirada russa: munições, armaduras abandonadas e, dentro dos veículos militares, uniformes de desfile russos.
“Eles esperavam chegar a Kiev em dois dias e depois fazer um desfile aqui”, disse Oleksandr Hruzevych, vice-chefe do Estado-Maior das forças terrestres da Ucrânia.
O presidente russo, Vladimir Putin, não conseguiu um desfile na capital ucraniana, mas um evento deste tipo está chegando em breve a Moscou e, aconteça o que acontecer no campo de batalha, ele provavelmente declarará vitória durante o evento daqui a três semanas.
O dia 9 de maio é um dos feriados nacionais mais importantes da Rússia, o Dia da Vitória – o aniversário da rendição da Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial.
O Kremlin usou essa data por mais de 70 anos para comemorar o heroísmo bem-sucedido contra os nazistas, mas, igualmente importante, para proclamar ao povo russo e aos amigos e inimigos do país que os líderes de Moscou governam uma grande e poderosa potência.
O Dia da Vitória tem tudo a ver com força militar, e quando chega no meio de uma guerra – mesmo uma que os russos estão proibidos de chamar de “guerra” e a propaganda estatal falsamente afirma estar indo perfeitamente de acordo com o planejado –quase não há alternativa a não ser aproveitar a ocasião para se gabar da vitória.
Avaliações da Inteligência dos EUA e analistas de política externa russa indicam que Putin usará o 9 de maio como uma espécie de prazo autoimposto na Ucrânia.
Não é um prazo para vencer a guerra – isso provavelmente não acontecerá até lá –, mas para fingir que a Rússia ganhou alguma coisa. Algo importante. Alguma coisa importante.
A campanha nas próximas três semanas se concentrará fortemente no leste da Ucrânia, na região de Donbass, na fronteira com o território russo, onde há uma maior concentração de russos étnicos e falantes do idioma, e onde separatistas apoiados pela Rússia travam guerra contra o Estado ucraniano há oito anos.
É aí que Putin buscará um sucesso salvador. Uma vitória concreta que ele possa levar ao povo russo para dizer que ele ainda é o líder maior do que a vida, cuja “operação militar especial”, com todas as dificuldades que está causando aos russos – sem falar na calamidade que está infligindo à Ucrânia – valeu o preço.
Infelizmente, seu desespero por uma vitória provavelmente significa que as próximas três semanas certamente trarão morte e destruição ainda piores para a Ucrânia.
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Soldado ucraniano na linha de frente no Donbass, região leste da Ucrânia. As tropas se preparam para "nova fase" da ofensiva russa na região; veja imagens • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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De acordo com um especialista ouvido pela CNN, a batalha na região pode desencadear o maior conflito entre tropas desde a Segunda Guerra Mundial • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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“Agora podemos dizer que as forças russas iniciaram a batalha de Donbass, para a qual se prepararam há muito tempo”, disse Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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O exército da Ucrânia está se preparando para um novo ataque russo no lado leste do país desde que Moscou retirou suas forças de perto da capital Kiev e do norte ucraniano no final do mês passado • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, confirmou que Moscou está iniciando uma nova etapa do que chamam “operação militar especial”, e disse ter “certeza que este será um momento muito importante” do conflito. • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Forças ucranianas disparam míssil GRAD contra tropas russas na região do Donbass, em 10 de abril de 2022 • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldado ucraniano com veículo de disparo de míssil GRAD contra tropas russas na região do Donbass; há grande expectativa pelo envio de armas por parte de aliados do Ocidente • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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“Estamos preparados para usar qualquer tipo de equipamento, mas ele precisa ser entregue com muita rapidez. E temos a capacidade de aprender a usar novos equipamentos. Mas precisa ser rápido", disse Zelensky • Wolfgang Schwan/Anadolu Agency via Getty Images
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”A artilharia não chegou, e isso faz com que os ucranianos estejam ainda em condições inferiores nesse combate. Os russos têm apoio por terra, mar — Ucrânia não tem mais marinha — e tem duas pontes sob o Estreito de Kerch que ajudam na logística russa”, disse à CNN o professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF e pesquisador de Harvard, Vitelio Brustolin • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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O movimento russo pode também tentar “completar o cerco e tomar Odessa e Kherson”, localizadas no sul ucraniano, o que tiraria o acesso da Ucrânia ao mar. “90% dos países que não têm acesso ao mar são pobres”, observou Brustolin • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass em 11 de abril de 2022 • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass em 11 de abril de 2022 • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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“É por isso que é muito importante para nós não permitirmos que eles se mantenham firmes, porque esta batalha pode influenciar o curso de toda a guerra”, disse Zelensky sobre a batalha em Donbass • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass, leste da Ucrânia, em 12de abril de 2022, disparando um projétil de artilharia • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Bunker ucraniano em Donbass • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Soldados ucranianos na linha de frente no Donbass em 11 de abril de 2022 • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
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Tanque na linha de frente no Donbass • Diego Herrera Carcedo/Anadolu Agency via Getty Images
Até agora, a guerra de Putin produziu quase exatamente o oposto do que ele queria, fortalecendo o senso de nacionalidade da Ucrânia, unificando a Otan e o Ocidente, manchando a imagem das forças militares e estrategistas da Rússia, e assim por diante.
No entanto, o presidente russo tem sido bem-sucedido em esconder esses fatos do povo russo, fechando a mídia independente e levando os jornalistas da Rússia a fugir do país. Isso deixou quase todos os russos consumindo apenas mídia controlada pelo Estado, que é pouco mais que propaganda.
Mas, mesmo os ditadores precisam se preocupar com sua posição doméstica. Se o povo russo encarar a aventura ucraniana de Putin como o desastre que foi até agora, seu poder pode enfraquecer.
Mesmo sob informações controladas pelo Estado, alguns fatos podem eventualmente se tornar impossíveis de ocultar. Os soldados voltarão para casa para contar suas histórias a amigos e parentes. Milhares não voltarão. E um pequeno segmento da população ainda pode receber notícias do exterior.
Enquanto isso, o povo russo, sofrendo em apuros devido às sanções e à saída de muitas empresas estrangeiras de seu país, poderá em breve atingir um ponto de ruptura econômico. De qualquer forma, lentamente a verdade vai se infiltrar.
É por isso que Putin precisa urgentemente mostrar sua campanha como triunfante.
Em 9 de maio, Putin quase certamente estará na Praça Vermelha, em um palco construído em frente ao mausoléu onde o corpo embalsamado do líder soviético Vladimir Lenin foi exposto por mais de 90 anos, e fingirá que tudo está bem em sua frente ocidental. Ele revisará cerimonialmente as tropas – quantos os militares puderem poupar do destacamento maciço na Ucrânia.
Veremos se o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, aparece. Até o ano passado, ele desempenhou um papel importante, seu peito enfeitado com medalhas, resplandecente após vitórias sangrentas na Síria e na Chechênia.
Hoje em dia, ele lidera uma força humilhada e rumores persistentes de sua morte se recusam a morrer.
Nesse dia, Putin provavelmente anunciará algo sobre Donbass. Talvez ele declare que foi “libertado” dos “nazistas” que ele afirma governar a Ucrânia (uma alegação absurdamente falsa, já que o presidente ucraniano é judeu).
Talvez a Rússia realize um referendo falso, como fez depois que capturou a Península da Crimeia, na Ucrânia, em 2014. Se a Rússia liberar um referendo mostrando a maioria das pessoas em Donbass ansiosas para se juntar à Rússia, lembre-se de que uma pesquisa independente recente não apoia essa afirmação.
Pouco depois do desfile do Dia da Vitória de 2021, Putin divulgou um artigo argumentando que russos e ucranianos são as mesmas pessoas.
Foi um sinal sinistro de que Putin tentaria apagar a identidade ucraniana, a nacionalidade e suas próprias fronteiras logo depois. A maioria das pessoas em Donbass, a única área da Ucrânia onde se esperaria simpatia pela análise histórica de Putin, rejeita firmemente essa visão.
Em uma pesquisa exclusiva da CNN, menos de um em cada cinco concordou que russos e ucranianos são “um só povo”. Ainda assim, esse é um elemento-chave ou razão para a guerra de Putin.
Outra vitória estratégica para Putin pode acontecer se a cidade portuária de Mariupol cair, enquanto as forças russas tentam estabelecer um corredor terrestre entre os territórios que controlam em Donbass e na Crimeia.
Isso fortaleceria o controle de Moscou sobre um grande segmento da Ucrânia, somando muito mais do que uma vitória simbólica. Seria um golpe moral, estratégico e econômico para a soberania ucraniana.
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Boris Johnson e Volodymyr Zelensky recebem galo de cerâmica em Kiev, item que tornou-se símbolo da resistência ucraniana à invasão russa ao permanecer intacto após bombardeios na região de Borodyanka • Getty Images
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Primeiro-ministro britânico visitou a capital da Ucrânia, Kiev, no sábado, 9 de abril de 2022 • Ukrainian Presidency/Anadolu Agency via Getty Images
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Johnson participou de uma reunião individual com o presidente ucraniano Zelensky, em uma "demonstração de soliedariedade com o povo ucraniano", de acordo com um porta-voz de Downing Street • Ukrainian Presidency/Anadolu Agency via Getty Images
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Segundo o porta-voz do premiê, eles discutiram o apoio de longo prazo do Reino Unido à Ucrânia e um novo pacote de ajuda financeira e militar • Ukrainian Presidency/Anadolu Agency via Getty Images
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Zelensky agradeceu ao Reino Unido e ao primeiro-ministro britânico por ter prestado apoio militar à Ucrânia • Ukrainian Presidency/Anadolu Agency via Getty Images
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Primeiro-ministro britânico também condenou um ataque russo a uma estação de trem no leste da Ucrânia • Anadolu Agency via Getty Images
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Líderes caminharam pelas ruas de Kiev e tiveram discussões sobre novos pacotes de ajuda à Ucrânia por parte do Reino Unido e aliados • Anadolu Agency via Getty Images
Para garantir tal vitória até 9 de maio, Putin quase certamente desencadeará ainda mais fúria no leste da Ucrânia. Isso será recebido com ferocidade intransigente pela Ucrânia.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse à CNN que a Ucrânia não abrirá mão de território no leste para parar a guerra. Se Donbass cair, ele acredita, Putin terá como alvo Kiev novamente.
Para resistir ao novo ataque, a Ucrânia precisa de ainda mais ajuda do Ocidente. E a Ucrânia precisa disso rápido. O desejo de Putin de declarar vitória em três semanas trará mais sofrimento. Mas também colocou o líder russo em perigo potencial. O que quer que ele anuncie em 9 de maio tem que ser crível. Caso contrário, Putin sabe que se tornará perigosamente vulnerável.
Afinal, o desfile está acontecendo em Moscou, não em Kiev.