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    Análise: Onde estavam os apoiadores de Putin após a rebelião do Grupo Wagner?

    Em 1991, uma tentativa de golpe para depor o então presidente Mikhail Gorbachev foi frustrada pela própria população

    Putin agradeceu às forças de segurança no Kremlin na terça-feira por ajudar a Rússia a evitar a "guerra civil".
    Putin agradeceu às forças de segurança no Kremlin na terça-feira por ajudar a Rússia a evitar a "guerra civil". Sergei Guneev/Sputnik/Reuters

    Frida Ghitisda CNN*

    Os eventos que se desenrolaram na Rússia no fim de semana paralisaram e confundiram o mundo. Ainda há muito que não sabemos, depois que o chefe do grupo mercenário russo Wagner, Yevgeny Prigozhin, enviou suas forças na estrada para Moscou no que parecia ser o início de uma tentativa de golpe ou mesmo de uma guerra civil. A rebelião de curta duração provocou uma reação furiosa de seu patrono, o presidente russo Vladimir Putin, o normalmente frio czar moderno.

    Há uma razão para as declarações oficiais mais comuns em todo o mundo serem do tipo “estamos monitorando os eventos”. E, no entanto, sob a espessa névoa da rebelião, algumas coisas eram totalmente visíveis. Ou devo dizer… invisíveis.

    Em um breve e irado discurso à nação na noite de segunda-feira (26), Putin afirmou que o motim acabou porque “toda a sociedade russa se uniu e reuniu todos”. Apontando para a “solidariedade civil”, ele insistiu que a “rebelião armada teria sido reprimida de qualquer maneira”. Mas esses comentários não combinam com o que o mundo inteiro testemunhou.

    Onde estavam as multidões de apoiadores de Putin? Putin não é o presidente com índices de aprovação consistentemente estratosféricos?

    Ao longo dos meus muitos anos no ramo jornalístico, testemunhei vários golpes, tentativas de golpe e insurreições. Várias vezes, quando eu fazia parte da equipe da CNN, fui acordada por um telefonema me instruindo a ir para Moscou naquele mesmo dia porque um golpe estava em andamento. A implantação rápida na Rússia tornou-se quase rotineira. A palavra “putsch” entrou no meu vocabulário.

    Em 1991, eu estava em Moscou com Wolf Blitzer e uma equipe de lendários, corajosos e brilhantes jornalistas da CNN quando a KGB, trabalhando com o ministro da defesa e outros funcionários do alto escalão soviético, tentou depor o presidente soviético Mikhail Gorbachev, que estava tentando reformar o União Soviética em um esforço inútil para evitar seu colapso. Os líderes do golpe prenderam Gorbachev em sua casa de férias na Crimeia.

    Os golpistas impuseram toque de recolher, mas o povo ignorou. Centenas de milhares foram às ruas, construindo barricadas e desafiando os tanques.

    Nosso escritório da CNN em Moscou fervilhava de ação. Equipes iam e vinham. Trabalhamos o tempo todo, como sempre fizemos com as principais notícias de última hora. O mundo pôde ver na CNN, em tempo real, o que estava acontecendo na Rússia. Foi a história sendo feita.

    A equipe local estava mais tensa do que qualquer um. Para nós, foi um grande acontecimento noticioso, um ponto de inflexão geopolítico. Para esses russos, era sua vida, seu país.

    Desta vez, os russos pareciam bastante desengajados. Incrivelmente, até os moscovitas brincaram sobre comprar pipoca para acompanhar o drama, como os ucranianos, sem surpresa, fizeram.

    O golpe de 1991 foi reprimido pelo povo russo, liderado pelo recém-eleito presidente da Rússia, a república mais importante da União Soviética, que abraçava a democracia. Boris Yeltsin ficou famoso sobre em um tanque, desafiando aqueles que impediriam a transformação da Rússia.

    Fotos: A revolta do Grupo Wagner

    Gorbachev voltou a Moscou; Yeltsin e as forças da democracia saíram vitoriosos. Alguns dias depois, a Ucrânia declarou sua independência.

    Grandes multidões ajudaram a derrotar golpes em outros lugares. Em 2016, tanques invadiram as ruas de Ancara, a capital turca. Os militares anunciaram que a administração do presidente Recep Tayyip Erdogan havia “perdido toda a legitimidade”.

    O povo turco estava – e ainda está – profundamente dividido sobre Erdogan. Mas mesmo muitos de seus oponentes rejeitaram a ideia de um golpe militar. Os manifestantes saíram correndo, deitando-se na frente dos tanques, subindo neles para forçá-los a parar. Erdogan sobreviveu.

    Da mesma forma, os apoiadores também salvaram o venezuelano Hugo Chávez em 2002, depois que líderes militares o forçaram a renunciar.

    Não se deve deixar de notar que os golpes fracassados não enfraqueceram Erdogan ou Chávez. Erdogan expurgou os militares, a academia, os tribunais e a polícia, removendo seus críticos. O golpe deu a ele a desculpa de que precisava para solidificar seu domínio. Ele chamou isso de “um presente de Deus”. Ele agora começou sua terceira década no poder.

    O presidente turco Tayyip Erdogan se dirige a apoiadores em Ancara, Turquia / 29/05/2023 REUTERS/Umit Bektas

    Chávez também permaneceu no poder até sua morte, pouco mais de uma década depois, e seu sucessor escolhido a dedo, Nicolás Maduro, governa a Venezuela hoje.

    Putin pode muito bem usar a experiência para apertar seu controle e se vingar. Mas se ele quiser remover supostos leais que não o apoiaram, ele pode ficar ocupado por muito tempo.

    Não eram apenas os russos comuns que pareciam desinteressados em defender seu presidente, mesmo depois que ele apelou aos cidadãos para unir forças em um discurso inflamado na manhã de sábado condenando a “traição” de Prigozhin, sem nomeá-lo, e alertando que “a Rússia está lutando ferozmente por seu futuro” contra “uma ameaça mortal ao nosso estado, a nós como nação”.

    Os mercenários de Prigozhin entraram na cidade-chave de Rostov-on-Don – quartel-general do comando sul da Rússia, que dirige a operação na Ucrânia – sem enfrentar qualquer resistência. O povo apertou as mãos dos lutadores do grupo Wagner e trouxe-lhes comida e água.

    A marcha do grupo Wagner em direção a Moscou parecia enfrentar pouca resistência dos militares ou do povo. E mais tarde naquele dia, quando o drama parecia terminar tão repentinamente quanto começou, e Prigozhin ordenou que suas forças invertessem o curso e partissem, algumas pessoas de Rostov pareciam totalmente desapontadas, aplaudindo calorosamente seus invasores que partiam.

    Assim como a invasão não provocada de Putin na Ucrânia revelou a incompetência das outrora respeitadas forças armadas da Rússia, a rebelião de Prigozhin revelou o vazio do apoio de Putin.

    Os mercenários de Wagner invadiram Rostov-on-Don. / Roman Romokhov/AFP/Getty Images

    E, no entanto, qualquer um que pense que a fraqueza de Putin anuncia um futuro de democracia e paz para a Rússia e seus vizinhos fariam bem em adiar os planos de colocar a champanhe para gelar.

    Putin praticamente esmagou a oposição liberal e democrática. Seus líderes mais proeminentes foram assassinados, presos ou levados ao exílio. Um grande número de russos, incluindo críticos de Putin, deixou o país.

    Prigozhin, que foi aplaudido, é um criminoso condenado. Claro, ele revelou que a invasão da Ucrânia foi lançada sob falsos pretextos, que a Ucrânia e a Otan não eram uma ameaça para a Rússia. Mas sua principal crítica é que o exército corrupto tem sido incompetente e que deveria lutar mais e melhor contra a Ucrânia.

    A Rússia – um país com armas nucleares – está agora mais instável do que antes no fim de semana passado. Putin provavelmente tentará reprimir e mostrar que ainda está no controle. Mas quanto suporte ele tem? Quantos outros pretensos homens fortes irão conspirar para ultrapassá-lo? Ao mesmo tempo, a perspectiva de mudança abre outros caminhos, inclusive mais positivos.

    Depois de cada golpe, cada revolução, cada revolta que testemunhei, a realidade inevitável é que não sabemos como isso vai acabar.

    A Rússia permanece um enigma, e os eventos que acabaram de acontecer ainda estão envoltos em mistério. Se até o passado recente permanece um mistério, o futuro é ainda mais irreconhecível.

    *Nota do editor: Frida Ghitis, ex-produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. Ela é colaboradora de opinião da CNN, colunista colaboradora do The Washington Post e colunista da World Politics Review. As opiniões expressas neste comentário são dela.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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