Análise: O que aconteceu com o ex-líder da China Hu Jintao
Após imagens do ex-líder chinês escoltado para fora do Congresso Nacional e os momentos antes disso, analistas avaliam se Hu foi vítima de jogo de demonstração pública de poder
É um momento que, para muitos observadores, define o aumento do rigor do líder Xi Jinping sobre a China: seu antecessor visivelmente frágil, Hu Jintao, sendo escoltado para fora de uma importante reunião do Partido Comunista durante uma remodelação de liderança quinquenal – aparentemente a mando de Xi.
As imagens de dois homens conduzindo o idoso de 79 anos de seu assento e em direção à saída foram transmitidas pelo mundo quando o Congresso Nacional do partido chegou ao fim no sábado (22), levando a dias de especulação sobre se Hu foi vítima de um jogo deliberado de demonstração pública de poder.
Esta semana, esses rumores só cresceram – apesar de uma alegação da mídia estatal chinesa no Twitter de que Hu saiu devido a problemas de saúde – e é provável que a intriga aumente ainda mais com a divulgação de imagens mostrando os 90 segundos que antecederam sua remoção repentina.
A filmagem, divulgada pela emissora CNA de Singapura, nesta terça-feira (25), mostra uma série de conversas de alto nível entre líderes do partido, nas quais Hu é repetidamente impedido de olhar documentos oficiais que estavam à sua frente.
O vídeo mostra Li Zhanshu, o oficial número três do partido, que está sentado ao lado de Hu na mesa da frente no palco, pega os documentos da mão de Hu e os coloca embaixo de uma pasta vermelha. Quando Hu pega os documentos, Li os puxa.
Xi Jinping, que está sentado do outro lado de Hu Jintao, olha para os dois e convoca um assessor sênior com quem ele fala brevemente. Momentos depois, um segundo assessor se apressa, recebe uma instrução de Xi e fala com Hu, que está aparentemente perplexo.
De acordo com as imagens que circularam no sábado, Hu – que parece relutante em sair – é então levantado de sua cadeira, pego pelo braço e escoltado para fora.
Nenhuma das filmagens – divulgadas no sábado ou na terça-feira – foi transmitida na China. O incidente também não foi relatado na mídia de língua chinesa ou discutido nas mídias sociais chinesas, onde as conversas em torno de líderes seniores são altamente restritas.
No final da noite de sábado, a agência de notícias oficial da China, Xinhua, twittou em inglês que Hu “insistiu em participar” da cerimônia de encerramento, apesar de sua saúde debilitada, e foi escoltado para fora depois de se sentir mal. No entanto, na China, onde o Twitter é bloqueado, o incidente não foi mencionado.
Na rede social Weibo, os censores até restringiram os resultados da pesquisa para palavras-chave vagas, como “escoltado” ou “sair da reunião”, em um aparente esforço para impedir que os usuários fizessem referências veladas ao incidente, de acordo com Eric Liu, analista de censura do China Digital Times.
A imagem de terça alimentou especulações fervorosas sobre o que estava no documento e por que Hu não teve permissão para vê-lo – e deixou os observadores divididos sobre o motivo que provocou sua saída.
Alguns afirmam que foi provavelmente devido à saúde precária ou estado mental de Hu – depois de se aposentar em 2013, ele foi visto em público parecendo cada vez mais frágil. Outros sugerem que poderia ser um jogo de poder deliberado de Xi para mostrar sua autoridade incomparável.
Símbolo de uma nova era
Como muitos episódios inexplicáveis na caixa preta da política de elite chinesa, a verdadeira razão por trás da partida inesperada de Hu pode nunca ser conhecida. Mas especialistas dizem que o simbolismo – intencional ou não – é difícil de ignorar: tendo erradicado qualquer vestígio de influência dos mais velhos do partido ou facções rivais, Xi inaugurou uma nova era de governo de um homem só cercado apenas por fiéis leais.
Enquanto isso, se foram com Hu as muitas marcas que definiram sua década no poder, durante a qual ele presidiu um período de crescimento econômico de dois dígitos e abertura comparativa.
Hu também renunciou a seus cargos no partido e militares quando se aposentou em 2012, após dois mandatos no poder – recebendo elogios de Xi por “sua mente ampla e caráter nobre”.
Embora Hu nunca tenha sido tão poderoso quanto Xi é agora – em parte devido ao modelo de liderança coletiva e à influência equilibrada de várias facções e anciãos do partido, incluindo seu antecessor Jiang Zemin – ele foi associado a uma facção ligada à Liga da Juventude Comunista, um grupo outrora poderoso cuja influência diminuiu consideravelmente durante o governo de Xi Jinping.
Steve Tsang, diretor do Instituto SOAS China, da Universidade de Londres, disse que as últimas imagens sugerem que a saída dramática de Hu provavelmente não foi planejada.
“Por qualquer motivo, Xi ordenou que Hu fosse escoltado para fora quando ele deve ter pensado que Hu poderia não se comportar exatamente como Xi desejaria”, disse ele.
O novo vídeo foi interpretado por alguns como um sinal do suposto descontentamento de Hu com o resultado do Congresso, que viu Xi consolidar seu poder empilhando a nova equipe de liderança com seus leais aliados e protegidos.
O primeiro-ministro Li Keqiang e Wang Yang, chefe do principal órgão consultivo da China, ambos se aposentaram do Supremo Comitê Permanente do Politburo do partido, apesar de estarem um ano abaixo da idade não oficial de aposentadoria de 68 anos. Li e Wang são vistos como mais próximos da esfera de influência de Hu Jintao.
Em uma revelação ainda mais surpreendente no domingo (23), o vice-primeiro-ministro Hu Chunhua, outro protegido do velho Hu (os dois não são parentes), foi retirado do novo Politburo de 24 membros. Uma vez visto como uma estrela em ascensão sendo preparada para a liderança, o futuro político de Hu Chunhua foi reduzido sob a liderança de Xi Jinping.
Mas Wen-Ti Sung, cientista político da Universidade Nacional Australiana, disse que um expurgo público planejado no encerramento do congresso era improvável, dada a ênfase do partido na unidade. “O Partido Comunista Chinês valoriza a imagem de unidade e controle, e mais do que nunca durante a era Xi”, disse Sung.
Se Xi quisesse expurgar Hu para evitar que o ex-líder levantasse objeções em público, ele o teria feito antes que a imprensa estrangeira pudesse entrar no auditório, disse Sung.
“Um expurgo do alto escalão como Hu em um momento crítico como o 20º Congresso do Partido mostra a presença de dissidência e a noção de que Xi é pelo menos ‘desafiável'”, disse ele. “Nenhum deles é ótimo para a imagem de invencibilidade de Xi”.
“Sem empatia”
Muitos observadores também ficaram impressionados com a aparente frieza dos outros líderes no palco. Poucos mostraram alguma preocupação com Hu, e muitos evitaram olhar em sua direção.
“Não há empatia”, disse Alfred Wu, professor associado da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew, da Universidade Nacional de Singapura.
Para subir no partido, as autoridades aprenderam a esconder suas emoções e características pessoais, disse Wu: “Eles apenas tentam ser como uma máquina na máquina do partido”.
Ao sair, Hu Jintao deu um tapinha no ombro de seu protegido, o primeiro-ministro Li, que assentiu e se virou brevemente para vê-lo se afastar. Ao lado de Li, Wang sentou-se ereto e olhou para frente, aparentemente congelado.
Mais abaixo na beirada do palco, Hu Chunhua nem sequer lançou um olhar para o ancião do partido quando ele passou. Em vez disso, ele olhou para frente com uma carranca notável e os braços cruzados sobre o peito.
Mas mesmo que a verdadeira razão para a saída de Hu Jintao nunca fique clara, o incidente, no entanto, enviou uma mensagem inequívoca sobre o controle absoluto de Xi no poder, dizem analistas.
A retirada indigna de Hu Jintao mostrou que “Xi Jinping havia reduzido a outrora poderosa facção da Liga da Juventude (comunista) à insignificância”, disse Tsang, da Universidade de Londres.
“Sem sucessor à vista e o líder anterior humilhado, Xi projetou para o partido que […] ninguém no partido deveria olhar por cima do ombro para outro líder, seja ele o futuro ou o passado”, disse Tsang.
“Agora há apenas um líder na China”.