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    Análise: Mídia estatal chinesa destoa da reação mundial aos ocorridos em Bucha

    Enquanto mantém uma posição aparentemente neutra diplomaticamente, China assume parte das narrativas russas na mídia doméstica

    Simone McCarthyYong Xiongda CNN , Em Hong Kong

    Imagens chocantes que mostram corpos de civis espalhados pela cidade de Bucha, subúrbio da capital ucraniana Kiev, despertaram horror globalmente nos últimos dias e suscitaram a urgência de investigações em progresso sobre supostos crimes de guerra cometidos pela Rússia. Mas uma narrativa surpreendentemente diferente se desenrola na mídia estatal chinesa.

    Lá, as reportagens da mídia doméstica sobre as mortes de civis em Bucha logo enfatizaram a refutação russa, com duas reportagens televisivas proeminentes da emissora nacional CCTV esta semana destacando alegações infundadas de Moscou de que a situação foi encenada depois que as forças russas se retiraram da área.

    Em uma das matérias, uma legenda citando as palavras russas “ucranianos fizeram um bom espetáculo”, brilha sobre imagens turvas da cidade na Ucrânia.

    Não há evidências que sugiram que esse seja o caso. Imagens de satélite sugerem que alguns dos cadáveres estão no local desde 18 de março, enquanto testemunhas oculares dizem que a carnificina começou há semanas.

    Separadamente, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) disse na terça-feira (5) que as imagens chocantes de Bucha mostravam “todos os sinais” de que civis foram “alvos diretos e diretamente assassinados”. Ainda na terça-feira, o chefe da ONU, António Guterres, somou-se aos clamores internacionais por uma investigação de crimes de guerra na morte dos civis.

    Homem caminha em meio aos escombros de um prédio habitacional em Bucha, na Ucrânia
    Homem caminha em meio aos escombros de um prédio habitacional em Bucha, na Ucrânia / Alexey Furman/Getty Images

    As alegações de crimes de guerra aumentaram as expectativas de uma posição da China. O aparente apoio de Pequim à propaganda russa é consistente com sua posição desde o início da invasão, que recusa condenar a Rússia – domésticamente ou diplomaticamente – mesmo com o crescimento das mortes civis.

    Ao contrário, Pequim busca mostrar-se como um ator neutro, pedindo paz e culpando os Estados Unidos pela situação.

    Isso foi mostrado em um editorial publicado no tabloide nacionalista Global Times na quarta-feira, que aparentou questionar a veracidade do que chamou, entre aspas, de “incidente de Bucha” e absolver a Rússia da responsabilidade.

    “É lamentável que após a exposição do ‘incidente de Bucha’, os EUA, inaugurador da crise na Ucrânia, não mostraram nenhum sinal de clamar por paz e promover diálogos, mas estão prontos para exacerbar as tensões entre Rússia e Ucrânia”, disse o editorial.

    “Não importa como o ‘incidente de Bucha’ ocorreu, ninguém pode negar ao menos uma coisa: a guerra em si é a maior culpada pelo desastre humanitário”, acrescentou.

    Adversário comum

    As tensões crescentes com os EUA aproximaram Moscou e Pequim nos últimos anos, com o presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping declarando que a parceria entre os países “não tem limites” semanas antes da invasão russa.

    Desde a invasão feita pela Rússia, Pequim está sob pressão considerável para condenar as ações russas e se juntar a países ao redor do mundo na imposição de sanções. Oficiais chineses, ao contrário, se recusaram a usar o termo invasão para descrever as ações da Rússia, e disseram repetidamente que trilharão seu próprio caminho na resposta.

    Na sessão especial do Conselho de Segurança da ONU na terça-feira, o embaixador chinês Zhang Jun reconheceu que as imagens das mortes de civis em Bucha eram “profundamente pertubadoras”, mas na hora de atribuir a culpa pela situação, ele pediu que “todos os lados exercitem a conteção e evitem acusações infundadas.”

    “As circunstâncias relevantes e causas específicas do incidente devem ser verificadas e estabelecidas. Qualquer acusação deve ser baseada em fatos”, disse Zhang.

    Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, durante encontro em Moscou / Reuters

    Comentários similares foram feitos em uma atualização corriqueira na quarta-feira, pelo porta-voz do ministro de Relações Exteriores Wang Wenbin, que disse que “problemas humanitários não devem ser politizados”.

    “Todas as partes devem exercitar a contenção e evitar acusações infundadas” antes das apurações serem concluídas, disse Wang, acrescentando que a China “pretende continuar a trabalhar juntamente à comunidade internacional para evitar prejuízos aos civis”.

    Mas em casa, a China está transmitindo uma mensagem mais precisa, uma que está alinhada ao histórico entre as mídias estatais russa e chinesa de reforçar as narrativas uma da outra – em questões como o tratamento de opositores russos, protestos pró-democracia em Hong Kong, as origens da Covid-19 – enquanto procuram refutar as caracterizações de oficiais e mídia do Ocidente.

    Um exemplo dessa convergência ocorreu na terça-feira, quando a agência do Serviço de Notícias da China publicou na plataforma de mídia Weibo, uma espécie de Twitter popular no país, uma mensagem com a hashtag “Rússia mostra vídeo para provar que o incidente em Bucha foi encenado”, em referência a uma reportagem da agência de notícias estatal da Rússia.

    Enquanto a China amplifica a retórica russa nas reportagens domésticas, uma parte cética do público pode ser vista, mesmo nas plataformas altamente moderadas da China.

    Em um exemplo recente, um influenciador militar amplamente seguido escreveu no domingo que os ucranianos foram responsáveis por um “massacre” de civis – mas diversos usuários nos comentários sugeriram que os detalhes da publicação estavam errados.

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