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    Análise: Índia adota discurso antiguerra, mas ações sustentam o regime de Putin

    Contradições do país asiático começam a chamar a atenção do Ocidente

    Rhea Mogulda CNN

    Quando o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, disse a Vladimir Putin que “a era de hoje não é de guerra” no mês passado, o Ocidente recebeu o comentário como um sinal de que a maior democracia do mundo estava finalmente saindo do muro sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia.

    O presidente francês, Emmanuel Macron, elogiou Modi, e a Casa Branca saudou o que chamou de “declaração de princípio”.

    Mas a realidade, dizem os analistas, é menos direta.

    Em vez de cortar os laços econômicos com o Kremlin, a Índia minou as sanções ocidentais ao aumentar suas compras de petróleo, carvão e fertilizante russos – dando a Putin uma salvação financeira vital.

    Nova Délhi se absteve diversas vezes de votos condenando a Rússia na Organização das Nações Unidas (ONU) – dando a Moscou um “verniz de legitimidade internacional”.

    Além disso, em agosto, a Índia participou dos exercícios militares de larga escala da Rússia ao lado da China, Belarus, Mongólia e Tadjiquistão – situação em que Moscou desfilou seu vasto arsenal.

    Na semana passada, a Índia se absteve de outro projeto de resolução da ONU condenando a Rússia por seus falsos referendos em quatro regiões da Ucrânia, que foram usados ​​como pretexto para anexar ilegalmente o território ucraniano – aumentando significativamente as apostas na guerra.

    A Índia está “profundamente perturbada” pelos acontecimentos na Ucrânia, disse Ruchira Kamboj, representante permanente da nação na ONU, mas não atribuiu culpa e pediu um “cessar-fogo imediato e resolução do conflito”.

    Essa aparente contradição exemplifica a posição única da Índia na guerra: distanciando-se verbalmente da Rússia, enquanto continua a manter laços cruciais com Moscou.

    A “linguagem mais forte de Modi para Putin” deve ser vista no contexto do aumento dos preços de alimentos, combustíveis e fertilizantes, e as “dificuldades que estavam criando para outros países”, avaliou Deepa Ollapally, professora de pesquisa e diretora da Rising Powers Initiative na Escola Elliott de Relações Internacionais, da Universidade George Washington.

    “Há um certo nível de impaciência (pela Índia) com a intensificação da guerra. Há uma sensação de que Putin está forçando os limites da Índia porque, de certa forma, ela se colocou em risco. E não é uma posição confortável para o país”, acrescentou.

    “Um conto de duas Índias”

    Enquanto as tropas russas se concentravam na fronteira da Ucrânia, em dezembro do ano passado, Modi recebeu Putin em Nova Délhi, durante a 21ª Cúpula Anual Índia-Rússia.

    “Meu querido amigo, presidente Vladimir Putin, seu apego à Índia e seu compromisso pessoal simbolizam a importância das relações Índia-Rússia e sou muito grato a você por isso”, destacou.

    Nova Délhi tem fortes laços com Moscou desde a Guerra Fria, e a Índia continua fortemente dependente do Kremlin para equipamentos militares – um elo vital, dadas as tensões contínuas em sua fronteira compartilhada do Himalaia com uma China cada vez mais assertiva.

    Mas, de acordo com analistas, a Índia está preocupada que o crescente isolamento de Putin possa aproximar Moscou de Pequim – e isso exige agir com cuidado.

    As manobras contorcidas de Nova Délhi em sua posição sobre a agressão da Rússia à Ucrânia estavam em evidência quando, ao lado da China, participou dos exercícios militares em Vostok – um movimento criticado por seus parceiros ocidentais.

    “Isso pode ser visto como um conto de duas Índias. Por um lado, eles estão contra a China e, em seguida, exercendo junto com a China e a Rússia, dando à Rússia uma certa legitimidade”, afirmou Ollapally.

    Pelo menos superficialmente, a Índia e a China também parecem ter posições semelhantes na guerra da Ucrânia. Ambos se posicionaram como espectadores neutros em vez de oponentes vocais. Ambos também pediram paz – mas se recusaram a condenar a invasão.

    Mas é aí que as semelhanças parecem terminar, dizem os analistas.

    A China condenou as sanções ocidentais e culpou os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pelo conflito, repetindo a visão da Rússia de que a Otan precipitou a crise expandindo-se para o leste.

    A mídia estatal chinesa também amplificou os pontos de discussão e desinformação russos. A Índia, por outro lado, evitou criticar o bloco militar e usou uma linguagem mais forte para pedir paz à medida que a guerra se intensifica.

    Mas, apesar da crescente proximidade da Índia com o Ocidente, ela está priorizando os perigos em seu próprio quintal, dizem analistas.

    “A China continua sendo a grande ameaça nas fronteiras da Índia e a Índia não gostaria que a aliança Rússia-China se tornasse muito forte”, ressaltou Sushant Singh, membro sênior do Centro de Pesquisa Política de Nova Délhi. “Isso não é do interesse da Índia.”

    Postura de princípios

    O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, usa desde o início a guerra para reforçar sua campanha global pela democracia.

    “A Ucrânia e seu povo estão na linha de frente lutando para salvar sua nação. E sua resistência corajosa é parte de uma luta maior por princípios democráticos essenciais que unem todas as pessoas livres”, colocou ele durante um discurso em março.

    Embora os laços de Nova Délhi com o Ocidente tenham se aproximado cada vez mais desde a eleição de Modi em 2014, a Índia, a maior democracia do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes, não pensa da mesma forma que os EUA.

    Durante anos após sua independência, as relações internacionais do país foram definidas por sua política de não alinhamento, a postura da época da Guerra Fria, que evitou tomar o lado dos EUA ou da União Soviética.

    Apesar de a aliança contemporânea da Índia com o Ocidente e da pressão dos EUA para tomar uma posição mais forte, essa política continua a funcionar, dizem os analistas. E de acordo com Singh, as ações tomadas “têm sido para proteger seus próprios interesses”.

    Falando nos bastidores durante uma reunião cara a cara com Putin na cúpula da Organização de Cooperação de Xangai no mês passado, Modi disse que o mundo enfrenta desafios, incluindo escassez de alimentos e energia, que afetam particularmente os países em desenvolvimento.

    “Sei que a era de hoje não é de guerra e falamos com você muitas vezes por telefone sobre o assunto de que democracia, diplomacia e diálogo são todas essas coisas que tocam o mundo”, observou Modi a Putin.

    E sob o governo de Modi – que foi condenado por reprimir a liberdade de expressão e políticas discriminatórias em relação a grupos minoritários – a Índia corre o risco de ser chamada de hipócrita por fazê-lo, de acordo com Singh.

    “A Índia tem hesitado muito em levantar questões sobre a democracia, porque tem sido criticada repetidamente por sua natureza autoritária e atos antidemocráticos contra minorias religiosas”, advertiu Singh.

    Mas enquanto Ollapally pontuou que o que a Índia estava fazendo é “compreensível” como uma nação em desenvolvimento, Nova Délhi poderia fazer mais para defender os princípios democráticos descritos no preâmbulo da Constituição do país.

    “Acho que certamente há mais que (a Índia) poderia fazer nessa frente, pelo menos em suas declarações, porque realmente não tem muito a perder fazendo essas declarações”, finalizou.

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