Análise: fazer “a coisa certa” pode custar a Mike Johnson o seu cargo
Presidente da Câmara há quase seis meses, republicano terá que escolher entre honrar uma visão convencional dos interesses nacionais dos EUA ou se aliar ao bloco de extrema-direita do seu partido, explica o analista
Demorou menos de seis meses para o presidente da Câmara dos Estados Unidos, Mike Johnson, atingir seu momento existencial.
O republicano da Louisiana chegou a uma encruzilhada fatídica mas familiar, onde terá que escolher entre honrar uma visão convencional dos interesses nacionais dos EUA ou se aliar às palhaçadas de demolição do bloco de extrema-direita do seu partido.
É uma escolha que os seus antecessores imediatos – Kevin McCarthy, Paul Ryan e John Boehner – enfrentaram antes dele. A recusa deles em levar os EUA a crises de dívida ou financeiras ou a comprometer o papel global da América acabou levando-os ao esquecimento político.
Agora, enquanto Johnson tenta transferir bilhões de dólares em ajuda à Ucrânia, Israel e Taiwan – vitais para proteger os aliados dos EUA do totalitarismo russo, iraniano e chinês e para preservar o poder e o prestígio dos EUA – ele tem que colocar o seu próprio cargo em risco para enfrentar extremistas republicanos que o acusam de trair a base do partido.
“Quando você faz a coisa certa, você deixa as fichas caírem onde podem”, disse Johnson em entrevista à CNN, na quarta-feira (17), antes de três dias críticos que podem decidir se ele conseguirá manter seu martelo.
As perspectivas para o presidente novato parecem sombrias. Sua pequena maioria significa que ele não pode se dar ao luxo de perder mais de um voto do Partido Republicano para aprovar um projeto de lei por votação partidária. E dois representantes linha dura, os deputados Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, e Thomas Massie, do Kentucky, estão ameaçando convocar uma votação para destituí-lo se ele colocar o projeto de lei sobre a Ucrânia no plenário.
Outros republicanos de direita alertam que Johnson deve condicionar US$ 60 bilhões em ajuda à Ucrânia a novas medidas duras de segurança nas fronteiras, apesar do partido ter destruído o compromisso de imigração mais conservador em décadas, a pedido do presumível candidato republicano, Donald Trump.
Cisma no Partido Republicano pode expulsar Johnson
A cisma no Partido Republicano destaca como Trump corroeu os princípios internacionalistas do partido em favor do seu credo “América Primeiro”. Legisladores como Greene e o deputado texano Chip Roy contrariam os argumentos tradicionais de segurança nacional alertando que não há maior interesse dos EUA do que proteger a fronteira sul, após elevados níveis de travessia de imigrantes indocumentados nos últimos meses.
Roy, que ainda não decidiu se apoiará um esforço para destituir Johnson, disse à CNN que ficou “decepcionado” com o presidente e “já passou do ponto de perdoá-lo”. A crescente vulnerabilidade de Johnson nessa questão é particularmente aguda, uma vez que ele também argumentou durante meses que não poderia haver ajuda à Ucrânia sem forçar a Casa Branca a introduzir medidas draconianas na fronteira dos EUA com o México.
A crescente oposição da direita aos seus planos de ajuda externa deixou Johnson em uma posição profundamente vulnerável. Até mesmo para aprovar uma regra que estabeleça uma série de votações em cascata nos projetos de lei nesse fim de semana, é quase certo que Johnson precisará de votos democratas.
O partido minoritário também poderá ter que salvá-lo se Greene invocar a sua moção para ele desocupar a cadeira de presidente da Câmara – um passo que vários democratas dizem estar preparados para tomar para garantir que a ajuda à Ucrânia seja aprovada em um momento em que Kiev avisa que perderá a sua guerra de sobrevivência sem a ajuda urgente.
Isso poderia salvar Johnson no curto prazo. Mas um presidente do Partido Republicano dependente de votos democratas será visto por muitos republicanos como uma ferramenta do partido minoritário e estaria com tempo emprestado.
O problema de Johnson é uma versão mais extrema daquele que tem perseguido os presidentes da Câmara republicanos durante anos. Um grupo forte mas pequeno de republicanos de direita eleitos em plataformas absolutistas em distritos vermelhos chega a Washington com uma agenda expansiva e inflexível de que não irão se comprometer com os democratas.
Mas falta a eles o poder ou os números para forçar a sua vontade, exceto nas raras fases em que os republicanos detêm o monopólio do poder de Washington. Os extremistas frustrados se voltam então contra os líderes do Partido Republicano e os acusam traidores – simplesmente porque vivem na terra da realidade política.
Por exemplo, a deputada Greene disse à CNN: “Não sei por quanto tempo as pessoas vão tolerar isso porque ele não está fazendo nada além de servir aos democratas”.
“Não conseguiremos tudo o que queremos”
Johnson, que enfrenta alegações de que está vendido, apesar de ser possivelmente o presidente da Câmara mais conservador da história, tentou explicar suas restrições. “Os republicanos governam a Câmara. Temos a menor maioria na Câmara. Os democratas estão no comando do Senado e da Casa Branca. Então, por definição, não conseguiremos tudo o que queremos”, disse ele.
A ideia, no entanto, de que o partido deve se contentar com algo menos do que uma posição absolutista não é uma ideia no Partido Republicano moderno, onde a política de dublês que funciona bem na mídia conservadores é tão importante como a legislação.
“Há certos membros que preferem apenas a minoria”, disse o deputado republicano do Texas, Dan Crenshaw, que apoia o envio de nova ajuda à Ucrânia, à CNN. “É mais fácil, você sempre pode ser contra alguma coisa, você nunca precisa realmente trabalhar”.
O presidente da Câmara pareceu ganhar algum tempo depois de viajar para Mar-a-Lago na semana passada para reforçar as falsas alegações de Trump sobre fraude eleitoral e garantir em troca o mais forte endosso público que o ex-presidente provavelmente dará. Johnson “está fazendo um trabalho muito bom”, disse Trump.
A lógica sugere que o presumível candidato do Partido Republicano tem interesse em adiar um terceiro desastre na eleição de um presidente da Câmara do Partido Republicano, uma vez que o partido obteve a maioria nas eleições de meio de mandato de 2022, porque isso poderia desviar a atenção da sua própria campanha para retomar a Casa Branca.
No entanto, Greene, uma deputada entre os principais apoiadores de Trump, não entendeu a sua sugestão e ainda está determinada a derrubar Johnson. O presidente da Câmara pode ser sábio em não confiar em Trump. A lealdade aos outros é um bem fungível para o ex-presidente. Quando Trump sente que um associado é vulnerável ou já não serve os seus interesses políticos, normalmente se afasta.
A pressão de Johnson para apresentar projetos de lei de ajuda externa separadamente, antes de uma possível tentativa de os juntar para enviar ao Senado – outra medida que enfurece a linha dura – pode ser uma solução lógica em uma Câmara normal. Dessa forma, aqueles que se opõem à ajuda à Ucrânia por princípio poderiam votar contra, permitindo aos democratas que a apoiam garantir a sua aprovação.
Poderia haver uma forte votação bipartidária para ajudar Israel, dias depois dos ataques aéreos do Irã, e para apoiar Taiwan, que é cada vez mais vulnerável à enorme escalada militar da China. E os republicanos poderiam obter cobertura votando a favor de um projeto de lei separado que Johnson planeja colocar em debate para fortalecer a segurança nas fronteiras.
Mas a extrema polarização da maioria republicana – e a falta de espaço de manobra de que Johnson dispõe depois que a “onda vermelha” não se materializou nas eleições de meio de mandato de 2022 – dá aos membros individuais a oportunidade de criar o caos e torna a governança praticamente impossível.
Na noite de quarta-feira, por exemplo, em outra derrota de Johnson, o Comitê de Regras da Câmara entrou em recesso porque não conseguiu aprovar uma regra sobre o projeto de lei de segurança fronteiriça, com os republicanos ameaçando votar contra a medida no comitê.
Mudança de tom de Johnson sobre a Ucrânia
Um dos aspectos mais interessantes da nova estratégia de Johnson é a forma como ele está agora argumentando veementemente sobre a necessidade dos EUA enviarem bilhões de dólares em ajuda aos seus aliados. (Para aplacar alguns republicanos, alguma ajuda econômica à Ucrânia foi transformada em empréstimo).
Johnson votou várias vezes contra o envio de mais fundos para a Ucrânia e tem sido cuidadoso nos seus seis meses como presidente da Câmara para não se adiantar muito aos críticos do Partido Republicano no que diz respeito ao financiamento do esforço de guerra de Kiev.
Mas na quarta-feira, ele apresentou o tipo de argumento de política externa que poderia ter sido expresso por qualquer líder do Partido Republicano, desde o presidente Dwight Eisenhower até ao presidente George W. Bush – um argumento que representava um claro afastamento do trumpismo.
“Vamos apoiar Israel, nosso aliado próximo e querido amigo, e vamos defender a liberdade e garantir que Vladimir Putin não marche pela Europa. Essas são responsabilidades importantes”, disse Johnson. “Desde a Segunda Guerra Mundial, na verdade, a responsabilidade pelo mundo livre foi transferida para os nossos ombros. E aceitamos esse papel. Somos uma nação excepcional”.
Johnson acrescentou: “Somos a maior nação do planeta e temos que agir como tal. E temos que projetar a Putin, a Xi, ao Irã, à Coreia do Norte e a qualquer outra pessoa que defenderemos a liberdade”.
Não ficou imediatamente claro o que motivou a mudança de ênfase de Johnson. A magnitude chocante do ataque de mísseis e drones do Irã a Israel na semana passada – mesmo que tenha sido em grande parte repelido pelas forças militares dos EUA, de Israel, do Reino Unido e da Jordânia – concentrou as mentes no Capitólio sobre a urgência de reabastecer o arsenal israelense.
A necessidade da Ucrânia é ainda mais urgente. A Rússia tem continuado ataques implacáveis a civis e infraestruturas, e tem havido vários avisos de autoridades sêniores da defesa e dos serviços secretos dos EUA de que, sem o pacote de ajuda vitalmente necessário de Biden, Kiev poderia perder a guerra.
“Acho que já estamos vendo as coisas no campo de batalha começarem a mudar um pouco a favor da Rússia”, disse o secretário de Defesa, Lloyd Austin, ao subcomitê de Dotações de Defesa da Câmara na quarta-feira.
As implicações para uma vitória russa seriam graves e criariam novas ameaças à segurança do Ocidente na Europa. E a possibilidade dos Estados Unidos abandonarem uma democracia semelhante sob ataque de um líder implacável do Kremlin destruiria a reputação do país no exterior e, como resultado, enfraqueceria o seu poder. Essa pode ser uma mancha que o presidente da Câmara não deseja na sua consciência ou como parte do seu legado.
Johnson, ao contrário dos seus membros extremistas, tem responsabilidades como presidente da Câmara – um dos grandes cargos de Estado que vão além dos interesses políticos de curto prazo. E tem estado sob pressão implacável de líderes estrangeiros, bem como da Casa Branca. Biden, por exemplo, alertou em um artigo do Wall Street Journal na quarta-feira que “tanto a Ucrânia como Israel estão sob ataque de adversários descarados que procuram a aniquilação”.
Se Johnson conseguir, de alguma forma, arquitetar a aprovação dos projetos de lei que ajudam Israel e a Ucrânia neste fim de semana, estaria reforçando um papel de liderança global que os EUA desempenharam durante décadas. É uma medida do quanto o Partido Republicano mudou que tal papel possa ser considerado aposta política e custar o seu cargo.
Mas ele disse aos jornalistas na noite de quarta-feira, ao mesmo tempo que defendia que a ajuda militar à Ucrânia era agora crítica: “Estou fazendo aqui o que acredito ser a coisa certa”.
“A história nos julga pelo que fazemos”.