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    Análise: eleição confirma Uruguai como democracia excepcional na América Latina

    Yamandú Orsi, candidato da Frente Ampla e considerado "filho político" Pepe Mujica, foi eleito com uma vantagem de 95 mil votos sobre o candidato governista, Álvaro Delgado

    Ángela Reyes Haczekda CNN

    A esquerda voltará a governar no Uruguai após a vitória do candidato Yamandú Orsi no segundo turno das eleições, o que demonstrou, mais uma vez, que o país mantém uma solidez democrática considerada uma exceção na região. Segundo analistas consultados pela CNN, trata-se de uma mudança, mas dentro do sistema político: é o retorno de uma opção já conhecida, ao contrário das apostas de outros países em outsiders.

    Orsi, do centro-esquerdista Frente Ampla e a quem o ex-presidente José Mujica apresentou durante a campanha como seu “filho político”, superou o candidato do governo Álvaro Delgado por pouco mais de 95 mil votos, de acordo com os resultados da Corte Eleitoral, quando 100% dos votos haviam sido apurados no domingo à noite.

    No entanto, o país não precisou esperar pelos resultados da autoridade eleitoral para que o governo reconhecesse sua derrota: quando as empresas de pesquisa publicaram suas primeiras projeções de apuração, que antecipavam a vitória de Orsi, Delgado enviou uma mensagem clara de aceitação, rodeado de seus aliados políticos.

    “A gente tem que respeitar, acima de tudo, a decisão soberana”, disse, acrescentando que agora seu adversário tinha as chaves para “buscar e encontrar os acordos nacionais”.

    Minutos depois, Orsi subiu ao palco e se comprometeu a ser aquele que “convocará o diálogo nacional”, em uma mensagem na qual afirmou que triunfou o país “da liberdade, da igualdade, também da fraternidade, que é, nada mais nada menos, do que a solidariedade e o respeito pelos outros”.

    Orsi desejou “longa vida aos partidos políticos do Uruguai” e ao “sistema democrático” em um discurso no qual também se dirigiu àqueles que não apoiaram sua candidatura: “Continuem abraçando as bandeiras das ideias, porque a partir do debate de ideias se constrói uma sociedade melhor, um país melhor e, acima de tudo, uma república democrática com futuro. Não há futuro se colocarmos um muro nas ideias”.

    Para o cientista político Adolfo Garcé, a mensagem de união proposta por Orsi é credível. “Orsi vem da escola do Pepe Mujica, o Pepe Mujica que realmente tentou unir, o Pepe Mujica que envelheceu bem: dividiu quando era jovem, uniu quando envelheceu”, afirmou em declarações ao Canal 12 local, destacando o papel de Orsi como “discípulo” do ex-presidente, que esteve muito ativo —e não isento de polêmicas— durante a campanha eleitoral.

    Uruguai escolhe o que já conhece

    A maioria da população demonstrou certo descontentamento com o governo e buscou uma mudança dentro das opções conhecidas, disse à CNN o cientista político Daniel Buquet. Embora não se trate de uma maioria ampla: a apuração mostrou que Orsi obteve 1.196.603 votos e Delgado 1.101.185.

    Em termos da solidez do sistema de partidos e do tipo de alternância que ocorre no Uruguai, acredito que estamos em uma situação absolutamente excepcional, que se assemelha mais a de alguns países europeus com sistemas mais consolidados, como a Alemanha, e até mesmo a Espanha, onde as principais alternativas são as mesmas de antes, explicou.

    De forma resumida, as pessoas buscam uma mudança, mas não fora do sistema, disse, ao contrário do que tem ocorrido em outros países da região, onde outsiders têm ganhado espaço.

    Na mesma linha, foi a análise do sociólogo e ensaísta Felipe Arocena, que afirmou em entrevista à CNN que a mensagem foi que o uruguaio decidiu por uma alternância, mas não por uma alternância de alguém que não conhece, e sim uma alternância por uma força de esquerda que foi governo durante 15 anos.

    Pode-se pensar que o Uruguai é um país tão pequeno (…) e então é muito simples manter o jogo democrático, mas não é assim, não nos enganemos, porque há países tão pequenos quanto o Uruguai que são totalitários, que são ditaduras, refletiu, lembrando que o Uruguai é um dos menos de 30 países considerados democracias plenas no mundo, de acordo com o índice elaborado pela The Economist.

    Foco nas políticas sociais

    No dia 1º de março de 2025, Orsi assumirá o cargo de presidente, substituindo Luis Lacalle Pou, que levou a centro-direita ao poder após uma década e meia de governos de esquerda sob a liderança de Tabaré Vázquez (presidente nos períodos de 2005-2010 e 2015-2020) e Mujica (presidente no período de 2010-2015). Orsi assumirá junto a Carolina Cosse, eleita como vice-presidente, e com maioria no Senado, mas não na Câmara dos Representantes.

    As mudanças no Uruguai são graduais, afirmou Buquet, por isso não devemos esperar uma modificação nos equilíbrios macroeconômicos. “Os governos da Frente Ampla foram bastante ortodoxos” em questões econômicas, refletiu, e analisando a equipe de Orsi e a situação global, é provável que agora o governo seja ainda mais ortodoxo, segundo seu critério.

    “Os focos estarão provavelmente em algumas políticas sociais”, opinou, dando como exemplo a possibilidade de maior investimento em educação e certos ajustes na área de seguridade social, como um possível aumento nas contribuições dos empregadores.

    Arocena, por sua vez, considera que o governo se concentrará em tentar evitar que o salário real diminua e em alcançar uma redução da desigualdade. “O foco da centro-esquerda está na redistribuição da riqueza, acredito que essa será a mudança mais importante que podemos esperar”, resumiu.

    A plataforma de Orsi “se assemelha à combinação de políticas amigáveis ao mercado e programas de bem-estar que caracterizaram o mandato da Frente Ampla entre 2005 e 2020”, diz a análise da agência AP após a divulgação dos resultados. “Ela coincide em grande parte com seu oponente nas principais preocupações dos eleitores, como a necessidade de uma redução na taxa de pobreza infantil, que atualmente é de impressionantes 25%, e o combate ao recrudescimento do crime organizado, que abalou a nação, considerada por muito tempo uma das mais seguras da América Latina”.

    Como se modifica o mapa da América Latina

    Ao analisar o resultado sob uma perspectiva regional, Arocena destaca que é necessário valorizar como o Cone Sul —Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai— latino-americano é “uma região que se mantém no jogo democrático há várias décadas”, apesar das diferenças entre os países que a compõem.

    Buquet, por sua vez, prevê uma “mudança na orientação da política externa”, embora, assim como no caso da economia, não seja radical. “(O presidente do Brasil) Lula vai ficar contente porque o governo da Frente Ampla será um governo mais amigo de Lula e, claro, não será próximo de (Javier) Milei, embora ainda tenha relações perfeitamente cordiais com a Argentina também”, disse, refletindo sobre o bloco do Mercosul, do qual os três países fazem parte. De fato, está previsto que Lacalle Pou apresente seu sucessor durante a próxima cúpula do Mercosul em dezembro, assim como seu antecessor, Tabaré Vázquez, fez com ele.

    O Ministério das Relações Exteriores da Argentina publicou no domingo (24) uma mensagem sóbria parabenizando “o povo uruguaio pela sua exemplar jornada cívica” e “o presidente eleito Yamandú Orsi pela sua vitória”. “Ratificamos nosso compromisso de trabalhar junto ao Uruguai para fortalecer a agenda compartilhada e o bem-estar de ambos os países”, escreveu no X (antigo Twitter).

    Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, foi um dos primeiros mandatários a publicar nas redes sociais uma mensagem sobre o Uruguai após a divulgação dos resultados. “Quero felicitar o povo uruguaio pela realização de eleições democráticas e pacíficas e, em especial, ao presidente eleito Yamandú Orsi, à Frente Ampla e ao meu amigo Pepe Mujica pela vitória de hoje. É uma vitória para toda a América Latina e o Caribe”.

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