Análise: discurso de Lula tenta mostrar independência do Brasil em relação à guerra na Ucrânia
Presidente deu recados críticos ao ocidente, à Rússia e às organizações internacionais

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta quarta-feira (23), na Cúpula dos Líderes dos Brics tentou mostrar a independência do país em relação ao conflito na Ucrânia.
Num texto cuidadosamente escrito, o presidente fez críticas e deu recados, simultaneamente, aos Estados Unidos, ao Ocidente, à ONU e também à Rússia.
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Em primeiro lugar, ao escolher falar sobre o tema minutos antes de discurso similar do presidente russo, Vladimir Putin, parceiro do Brasil nos Brics, Lula quis mostrar para o Ocidente que o tema não é tabu no grupo e que tem opinião independente sobre o conflito.
“Não podemos nos furtar a tratar o principal conflito da atualidade, que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais. O Brasil tem uma posição histórica de defesa da soberania, da integridade territorial e de todos os propósitos e princípios das Nações Unidas”, destacou.
Essa frase foi entendida como uma crítica à Rússia, lembrando que o Brasil foi o único país dos Brics que votou contra a invasão russa nas votações sobre a guerra ocorrida na ONU. China, Índia e África do Sul se abstiveram.
De maneira muito inteligente, no entanto, Lula evitou comentar sobre as causas do conflito, focando muito mais nas consequências – especialmente nos países pobres e no mundo em desenvolvimento.
Ao fazer isso, o presidente brasileiro diminuiu potenciais atritos com Putin, parceiro no bloco.
Ele também fez um gesto que pode ser considerado até como positivo pelo Kremlin, ao pedir um cessar-fogo imediato, seguida por uma negociação de paz. Essa proposta, que não é aceita de nenhuma forma por Kiev, congelaria o status da guerra e manteria os soldados russos nos quase 20% de território ucraniano.
Falando logo na sequência de Lula, o presidente Putin defendeu a posição da Rússia e culpou o Ocidente, mais uma vez, pelo conflito.
“Nossas ações na Ucrânia são apenas uma coisa: colocar um fim na guerra lançada pelo Ocidente contra as pessoas no Donbass”, disse. “Agradecemos nossos colegas no Brics que tomaram medidas ativas na tentativa de colocar um fim a essa situação, para alcançar uma solução justa por meios pacíficos”, acrescentou.
Sem citar nenhum país, Lula adotou um tom bem mais crítico ao Ocidente e às organizações internacionais, transferindo parte da responsabilidade para eles e afirmando que os Brics têm uma postura diferente.
“Em poucos anos, retrocedemos de uma conjuntura de multipolaridade benigna para uma que retoma a mentalidade obsoleta da Guerra Fria e da competição geopolítica. Essa é uma insensatez que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo”, disse.
Os países dos Brics costumam culpar ações dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais pelo que percebem como essa “mentalidade de guerra fria”. A China, por exemplo, faz essa crítica constantemente – repetida justamente na cúpula dos Brics pelo presidente Xi Jinping.
Por fim, Lula não desperdiçou a oportunidade de, mais uma vez, criticar a ONU, seu Conselho de Segurança e as instituições internacionais.
“A guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança. Os Brics devem atuar como uma força pelo entendimento e pela cooperação. Nossa disposição está expressa nas contribuições da China, da África do Sul e de meu próprio país para os esforços de solução do conflito na Ucrânia”, afirmou, prestigiando os outros parceiros do bloco.