Análise: China sente que país não é patriótico o bastante – uma nova lei pretende mudar isso
Nova medida determina que o amor ao país e ao Partido Comunista Chinês seja incorporado no trabalho e no estudo para todos
Num dia animado de dezembro, estudantes do ensino secundário em Fuzhou, sudeste da China, foram a um parque rural para estudar os pensamentos do líder chinês Xi Jinping.
Tremulando uma faixa vermelha que declarava o seu passeio como uma “sala de aula ambulante de política e ideologia”, eles procuraram esclarecimento refazendo os passos que Xi deu na sua visita de 2021 ao bairro, de acordo com um meio de comunicação local afiliado ao Estado.
Outro grupo de jovens na cidade costeira de Tianjin, no norte do país, visitou um forte para refletir sobre “a trágica história da resistência do povo chinês à agressão estrangeira”.
As viagens fazem parte de um aumento da educação nacionalista na China nos últimos anos – agora codificada numa nova lei abrangente que entrou em vigor no início desta semana.
Essa “Lei da Educação Patriótica”, que visa “aumentar a unidade nacional”, determina que o amor ao país e ao Partido Comunista Chinês no poder seja incorporado no trabalho e no estudo para todos – desde as crianças mais novas até aos trabalhadores e profissionais de todos os setores.
O objetivo é ajudar a China a “unificar pensamentos” e “reunir a força do povo para a grande causa da construção de um país forte e do rejuvenescimento nacional”, disse um responsável da propaganda chinesa numa coletiva de imprensa no mês passado.
O impulso ao amor ao país e ao Partido Comunista está longe de ser novo na China, onde o patriotismo e a propaganda têm sido parte integrante da educação, da cultura empresarial e da vida desde que a República Popular foi fundada há quase 75 anos.
E o nacionalismo chinês prosperou sob Xi, o líder mais autoritário do país em décadas, que prometeu “rejuvenescer” a China para um lugar de poder e proeminência a nível mundial e incentivou uma diplomacia combativa de “guerreiro lobo” no meio de tensões crescentes com o Ocidente.
O ultranacionalismo floresceu nas redes sociais, onde qualquer pessoa que seja considerada menosprezadora da China – desde streamers e comediantes a marcas estrangeiras – enfrentará uma reação feroz e boicotes.
As novas regras marcam a mais recente expansão dos esforços de Xi para aprofundar a presença do partido em todos os aspectos da vida pública e privada.
Mas desta vez, também contam anos de controles rigorosos da Covid-19 na China, que terminaram no final de 2022, depois de jovens de todo o país terem saído às ruas em protestos sem precedentes contra o governo de Xi e as suas regras.
Também ocorrem num momento em que a economia cai e o desemprego juvenil atinge um máximo histórico – aumentando o potencial para mais descontentamento.
Especialistas dizem que Pequim pode ver o novo quadro jurídico como uma forma de angariar o nacionalismo e consolidar o poder para garantir a estabilidade social no meio dos desafios futuros.
A China há muito confia no seu povo para aceitar a sua visão como um “contato social” não escrito, mas agora está “enfrentando uma jornada difícil nos próximos anos”, disse Jonathan Sullivan, professor associado especializado em política chinesa na Universidade de Nottingham.
“Poderão existir desafios nesse sentido se houver uma recessão econômica prolongada. Eles estão fazendo o trabalho para garantir que a forma de pensar politicamente correta seja completamente bloqueada, consolidando, sem sombra de dúvida, que o caminho do partido é o único caminho para a China, e que se você ama a China, você deveria amar o partido”, disse ele.
Essa mensagem foi difundida em Hong Kong, outrora franca, após os enormes protestos pela democracia que eclodiram lá em 2019.
Desde então, Pequim deixou claro que quer uma nova geração de patriotas incubada na cidade, implementando regras de educação patriótica e restrições políticas que proíbem qualquer pessoa considerada antipatriótica de se candidatar a cargos públicos.
A introdução da lei também coincide com o 75º aniversário da fundação da República Popular da China, no próximo dia 1º de Outubro. As autoridades estarão sob pressão para garantir uma celebração do patriotismo – e para eliminar qualquer possibilidade de dissidência.
Currículo patriótico para todos
Segundo a lei, os profissionais – desde cientistas a atletas – devem ser incentivados a professar “sentimentos e comportamentos patrióticos que tragam glória ao país”.
As autoridades locais são obrigadas a aproveitar os bens culturais, como museus e festivais tradicionais chineses, para “aumentar os sentimentos pelo país e pela família” e intensificar a educação patriótica através de reportagens, transmissões e filmes.
Os organismos religiosos também devem “fortalecer o sentimento patriótico do pessoal religioso e dos seguidores” e a sua consciência do Estado de direito – uma estipulação em linha com o esforço da China para “sinicizar” [modificar-se sob influência chinesa] e reforçar o seu controle sobre a religião.
A legislação mais recente segue uma diretiva de 2016 do Ministério da Educação para introduzir a educação patriótica generalizada em cada fase e em todos os aspectos da escolaridade, o que desempenha um papel importante na nova lei unificada.
Também segue esforços anteriores, como aplicações de smartphones para as pessoas “aprenderem sobre o novo pensamento socialista” – incluindo uma lição sobre como “o avô Xi nos conduziu para a nova era” – e para os adultos lerem e responderem a questionários sobre as mais recentes teorias de Xi.
Este último foi considerado um sucesso em termos de downloads – uma vez que todos os 90 milhões de membros do Partido Comunista foram obrigados a utilizá-lo juntamente com muitos funcionários de empresas estatais.
As novas regras afirmam que a educação patriótica será integrada nas disciplinas escolares e nos materiais de ensino “em todos os níveis e em todos os tipos de instituições”, enquanto os pais em casa são obrigados a orientar os seus filhos e incentivá-los a participar em atividades patrióticas.
“[Isto tem a ver] com a consolidação do poder de Xi. Ele quer que a educação patriótica comece cedo”, disse Alfred Wu, professor associado da Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew, da Universidade Nacional de Singapura.
Ele disse que a medida visa cultivar uma mentalidade leal para com Xi desde tenra idade, ao mesmo tempo que envia uma mensagem ao público de que o foco de Pequim está agora na consolidação do poder de Xi após o boom econômico da última década.
A nova lei também ordena que os estabelecimentos culturais, como museus e bibliotecas, sejam transformados em locais de atividades de educação patriótica e os destinos turísticos em locais que “inspiram o patriotismo”.
As escolas são obrigadas a organizar viagens para os alunos visitarem estes locais, que as autoridades chamam de “salas de aula ambulantes de política e ideologia”.
Tais viagens não eram incomuns no passado, mas a lei impõe agora oficialmente um mandato legal para as escolas o fazerem.
A China tem outra legislação destinada a erradicar o comportamento antipatriótico, como a proibição da profanação das bandeiras nacionais e dos insultos aos soldados.
E, nos últimos anos, sob Xi, qualquer dissidência na China – mesmo sob a forma de comentários online que não seguem a linha do partido – é suficiente para colocar as pessoas em problemas com as autoridades.
Mas a lei mais recente parece sugerir a introdução de sanções para atos que ainda não são puníveis ao abrigo das leis existentes, de acordo com Ye Ruiping, professora sênior de direito da Universidade Victoria de Wellington, na Nova Zelândia.
Por exemplo, afirma que comportamentos “que defendem, glorificam e negam atos de invasão, guerras e massacres” e “danificam instalações de educação patriótica” podem estar sujeitos a punições, disse ela.