Análise: a principal conclusão do discurso de Biden
Falas do atual Presidente dos EUA vêm na esteira da eleição de 2024
A tarefa do Presidente Joe Biden, ao olhar para os Estados Unidos a partir do Salão Oval, era explicar qual o motivo de uma nação cansada pelos próprios atoleiros estrangeiros e divergências políticas deveria enviar US$ 100 bilhões para ajudar outras pessoas a lutarem as próprias guerras.
A resposta dele foi que Israel e Ucrânia estavam travando lutas existenciais e que as guerras deles não eram apenas suas, mas eram críticas para a segurança de cada norte-americano que assistisse ao seu discurso em horário nobre na quinta-feira (19).
Mas a conclusão mais profunda daquele que foi apenas o segundo discurso no Salão Oval foi: embora Biden tenha agendado a aparição para discutir que duas nações lutam pela sua sobrevivência contra ataques externos, o verdadeiro tópico foi o próprio EUA – e as ameaças aos valores fundamentais em uma era política volátil.
Ele implorou ao país que honre o papel global que consolidou uma ordem mundial estável desde a Segunda Guerra Mundial e que rejeite a conciliação de terroristas e tiranos. E em comentários que prenunciaram uma candidatura à reeleição, que ajudará a decidir o caráter norte-americano e o seu lugar no mundo nos próximos anos, ele procurou inspirá-la para rejeitar a intolerância enquanto a política amarga assola o país.
Biden fez o discurso horas depois de retornar de Israel e se encontrar com as vítimas dos ataques terroristas do Hamas que mataram mais de 1,4 mil civis, e meses depois de uma ousada viagem a outra zona de guerra na Ucrânia.
Enquanto falava, os primeiros sinais de uma potencial incursão israelense na Faixa de Gaza começaram a surgir, sugerindo que uma crise, que procurou conter com a viagem na quarta-feira (18), está prestes a piorar.
“Sei que esses conflitos podem parecer distantes e é natural perguntar: porque isso é importante para os EUA?”, disse Biden. “Então, deixe-me compartilhar com vocês por que garantir o sucesso de Israel e da Ucrânia é vital para a segurança nacional norte-americana.”
O presidente implorou aos norte-americanos que compreendessem que se o “mal puro e autêntico” do Hamas e a tentativa do presidente da Rússia, Vladimir Putin, de “apagar” a independência da Ucrânia prevalecessem, o terrorismo vindo do Oriente Médio ameaçaria novamente os norte-americanos, e a Rússia colocaria em perigo a paz global.
O discurso de Biden será, provavelmente, visto pelos historiadores como um momento marcante na presidência devido às mensagens que enviou aos aliados e inimigos no estrangeiro e à forma como mostrou sua visão para uma nação profundamente dividida.
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Biden falou enquanto caos político assolava Washington
As palavras de Biden não ocorreram no vácuo. Elas tiveram como pano de fundo uma eleição iminente, que provavelmente enfrentará o ex-presidente Donald Trump.
Em 2024, assim como nas duas eleições anteriores, a nação provavelmente enfrentará uma escolha entre o internacionalismo e a estadismo convencional de Biden – e de todos os antecessores recentes, exceto Trump – e o nacionalismo “América Primeiro” do movimento “Tornar a América Grande Novamente (MAGA)”, que despreza as alianças estrangeiras e o tradicional papel de liderança global dos EUA.
Os republicanos pró-Trump não hesitam em defender Israel, por razões parcialmente enraizadas na importância para os eleitores evangélicos, mas deixariam a Ucrânia indefesa contra um desses tiranos.
Biden procurou dar sentido aos acontecimentos confusos e assustadores no estrangeiro, diagnosticando o perigo e sugerindo um caminho a seguir consistente com a liderança norte-americana, os valores e o status norte-americano como a “nação indispensável” do mundo.
Veja imagens do conflito entre Israel e Hamas
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Ele está pedindo ao Congresso que aprove US$ 100 bilhões para ajudar Israel e a Ucrânia a se defenderem – uma impossibilidade atual com metade do poder legislativo essencialmente congelado sem um presidente da Câmara e a estreita maioria do Partido Republicano no caos.
O caos global, porém, é amigo de Trump, pois ele promete restaurar a liderança forte e argumenta que somente ele pode manter os norte-americanos seguros. O ex-presidente alerta que Biden corre o risco de desencadear a Terceira Guerra Mundial e sinalizou que procuraria um acordo com Putin em vez de defender a democracia ao estilo ocidental na Ucrânia.
Logo após o discurso de Biden, a campanha de Trump divulgou um vídeo apresentando a turbulência na retirada dos EUA do Afeganistão, atingindo a ajuda dos EUA à Ucrânia e destacando o recente ataque terrorista em Israel. Terminou com uma legenda. “Joe Biden. Tolo. Incompetente. Fraco.”
O primeiro ponto que Biden referiu no discurso – que o mundo se encontra em um “ponto de inflexão” – é confirmado por acontecimentos que ameaçam influenciar a vaidade de Trump. Uma frente de concentração que se opõe ao poder dos EUA foi encapsulada esta semana, com Putin viajando a Pequim para se encontrar com o presidente da China, Xi Jinping, o chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, estava na Coreia do Norte, e Israel sofreu com os ataques terroristas do Hamas, que recebe financiamento e armas do Irã.
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O ex-presidente também mudaria a estrutura dos EUA ao prometer restabelecer a proibição da imigração muçulmana de alguns países se reconquistar a Casa Branca – uma medida que os críticos consideram uma violação da mesma tolerância religiosa constitucionalmente consagrada, que Biden argumentou ser essencialmente americano.
Dias depois do horrível esfaqueamento de um menino norte-americano de seis anos de ascendência palestina em Chicago, Biden alertou: “Aqui nos EUA, não esqueçamos quem somos. Rejeitamos todas as formas, todas as formas de ódio, seja contra muçulmanos, judeus ou qualquer pessoa. É isso que grandes nações fazem. E somos uma grande nação.”
O imediato problema político de Biden
Embora tenha enraizado o argumento em grandes apelos ao propósito dos Estados Unidos, Biden enfrenta um incômodo problema político. O apoio à manutenção da salvação multibilionária da Ucrânia – que pretende acrescentar mais US$ 60 bilhões – está diminuindo em uma nação que ainda sofre os efeitos secundários da pandemia, da inflação elevada e do impacto punitivo das altas taxas de juro.
Os republicanos estão aumentando a oposição para que a Ucrânia continue sendo financiada – uma posição que ameaça a capacidade de Kiev de prolongar a resistência a Putin.
Embora exista um amplo apoio bipartidário ao envio de mais ajuda vital a Israel antes da esperada ofensiva contra o Hamas em Gaza, o Congresso está paralisado. O colapso da maioria republicana na Câmara está oferecendo uma previsão de como poderá ser um potencial regresso total ao poder por parte das forças do MAGA em Washington.
O fracasso do Partido Republicano em chegar a um acordo sobre o novo Presidente, após a destituição de Kevin McCarthy, há mais de duas semanas, não está apenas levantando dúvidas sobre a ajuda vital dos EUA para reforçar as lutas de Israel e da Ucrânia. Está enviando uma mensagem de disfunção e fraqueza interna dos EUA a rivais como Rússia, China e Irã, cujas políticas externas estão ambas enraizadas e desafiam a ordem internacional liderada pelos EUA e no enfraquecimento do poder norte-americano.
A decisão de Biden de combinar os pedidos de ajuda a Israel e à Ucrânia desencadeará um forte conflito político em Washington. Assim como a afirmação de que ambos são aliados dos EUA envolvidos em uma luta semelhante pela sobrevivência e pelos valores democráticos ao estilo dos EUA.
O presidente disse que o pedido de um orçamento de emergência era, na verdade, para “financiar a segurança nacional dos Estados Unidos”, apoiando “parceiros críticos, incluindo Israel e Ucrânia”. O governo também informou aos deputados que planeja buscar US$ 14 bilhões para a segurança das fronteiras no novo pacote de financiamento, informou Priscilla Alvarez, da CNN, na noite de quinta-feira (19).
Biden enfrenta resistência dos republicanos – especialmente na Câmara – que estão felizes em financiar a luta de Israel contra o Hamas, mas que não veem a Ucrânia como um interesse crítico dos EUA. Embora tenha uma maioria no Partido Republicano do Senado a favor de ajudar a Ucrânia, o senador republicano de Ohio, J.D. Vance, resumiu as opiniões da ala pró-Trump sobre a guerra em uma publicação nas redes sociais após o discurso do presidente.
“O que Biden está fazendo é nojento. Ele está usando crianças mortas em Israel para vender a desastrosa política para a Ucrânia aos norte-americanos céticos”, escreveu Vance no X (antigo Twitter). “Não são os mesmos países, não são os mesmos problemas, e esse esforço para usar Israel como cobertura política é ofensivo. De jeito nenhum.”
As sondagens mostram que os norte-americanos não aceitam, necessariamente, a posição de Biden de que as ameaças à Ucrânia e a Israel são as mesmas. Em uma pesquisa CNN/SSRS, divulgada em agosto, 55% dos entrevistados disseram que o Congresso não deveria autorizar mais financiamento para apoiar a Ucrânia.
Porém, imediatamente após os ataques terroristas do Hamas em Israel, 76% dos norte-americanos em uma pesquisa da CBS/YouGov mostraram que os EUA deveriam enviar ajuda humanitária a Israel, com cerca de metade do apoio ao envio de armas e suprimentos.
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O discurso de Biden, com o cenário familiar das bandeiras dos EUA e da presidência no Salão Oval, pareceu um retrocesso a uma época anterior – quando os Presidentes interrompiam o horário nobre de alguns canais de televisão em um momento de crise nacional. Na era do TikTok, e de uma mídia fraturada e partidária onde reinam as teorias da conspiração, a ideia de que um comandante-chefe pode convocar um momento de unidade nacional parece estranha.
Como muitos dos discursos de Biden, esse parecia melhor no papel do que como espetáculo político. Apesar dos argumentos poderem ser comparados com as declarações presidenciais clássicas do passado, o discurso dele não teve nenhuma cadência inspiradora, por exemplo, da promessa do presidente John F. Kennedy de que os Estados Unidos “pagaria qualquer preço, suportaria qualquer fardo” para garantir a sobrevivência da liberdade no estrangeiro.
Os frequentes tropeços verbais de Biden, uma tosse incômoda e os olhos contraídos pela idade, significaram que estava longe de ser um apelo estimulante – e apenas alimentarão o debate sobre se ele conseguiria cumprir os deveres de um possível segundo mandato, que começaria quando ele tivesse com 82 anos.
Como o presidente Harry S. Truman, as viagens de Biden ao púlpito são marcadas mais pela simples truculência do que pela eloquência linguística. Mas, ainda havia a sensação de um presidente que confiava no país em um momento de perigo nacional.
Os próximos meses dirão se um número suficiente de norte-americanos está preparado para ouvir um presidente cujos baixos índices de aprovação refletem os esforços para cumprir a promessa de 2020 de restaurar a normalidade e a estabilidade global.