Adolescente luta por sua vida após ser queimada por suposto estuprador na Índia
Homem de 18 anos e sua mãe foram presos por tentativa de homicídio após serem acusados de derramar querosene na garota e incendiá-la ao saber que estava grávida
Crescem os temores pela sobrevivência de uma menina de 15 anos, que está internada em um hospital no norte da Índia, queimada supostamente por um membro de sua família que também é acusado de estuprá-la.
Em um caso que chocou o país, a polícia do estado de Uttar Pradesh prendeu um homem de 18 anos e sua mãe na segunda-feira (10) por tentativa de homicídio por supostamente derramar querosene na menina e incendiá-la ao saber que estava grávida, segundo os policiais.
“A situação é crítica. Os médicos estão tentando salvá-la, mas pode haver nenhuma esperança de sobrevivência”, declarou a mãe da menina à CNN na quinta-feira (13).
A CNN não irá identificar a suposta vítima ou sua mãe para proteger suas identidades.
A menina sofreu queimaduras em cerca de 80% do corpo, de acordo com o Dr. SP Singh, superintendente médico da Universidade de Ciências Médicas, que a está tratando.
“Ela ainda não está fora de perigo”, explicou Singh.
Em média, a Índia relata um estupro a cada 17 minutos, de acordo com os últimos números do governo, e ativistas dizem que o caso da menina destaca o quão profundamente arraigados valores misóginos e patriarcais estão no país de 1,3 bilhão de habitantes.
O problema é exacerbado na Índia rural porque as mulheres permanecem, em grande parte, sem educação e o estigma em torno da agressão sexual é desenfreado, alegam os especialistas.
“Este caso mostra como as meninas ainda correm grande risco de violência sexual”, afirmou Jayna Kothari, advogada sênior da Suprema Corte da Índia. “O fato é que esses casos estão se tornando mais violentos porque não há responsabilização dos perpetradores. As pessoas continuam esses atos impunemente porque não há medo”.
O suposto ataque
A menina foi supostamente estuprada há cerca de três meses por seu primo de 18 anos, e posteriormente engravidou, de acordo com Kamlesh Kumar Dixit, um oficial da polícia em Uttar Pradesh, e a mãe da menina.
Mas a menina não contou à mãe sobre o suposto ataque e, em vez disso, como muitos sobreviventes de agressão sexual, viveu em silêncio.
Quando sua mãe finalmente soube da gravidez, ela concordou em casar a vítima com seu suposto agressor.
“Minha cunhada [a mãe do suposto estuprador] disse que pagaria pelo aborto e os casaria. Como somos da mesma família, resolvemos o assunto”, expôs a mãe da menina, acrescentando que agora quer que o suposto estuprador seja enforcado.
A ideia de uma vítima se casar com seu suposto estuprador não é inédita na Índia, onde agressão sexual e gravidez fora do casamento são vistas com um “profundo sentimento de vergonha e estigma”, segundo Kothari.
“É difícil mudar essas atitudes regressivas”, declarou. “As meninas são vistas como um fardo. Ela teria enfrentado violência e sua família teria enfrentado violência, então a família teria querido casá-la”, prosseguiu.
Mas quando a garota foi à casa de seu suposto estuprador com o pretexto de se casar em 6 de outubro, ele e sua mãe supostamente jogaram querosene nela e a incendiaram, disse Dixit.
O motivo do suposto ataque ainda não está claro. A polícia informou que está investigando.
A casa da vítima fica em um bairro de baixa renda na cidade de Mainpuri, em Uttar Pradesh, o estado mais populoso da Índia. Barracas de chá, frutas e lanches se alinham na calçada lamacenta, enquanto riquixás e motocicletas correm soltos nas estradas irregulares. Cabras e vacas pastam em restos de comida ao longe.
Se Uttar Pradesh fosse um país, seria o quinto maior do mundo, com uma população de mais de 200 milhões de pessoas.
O estado é um dos principais alvos da campanha “Beti Bachao Beti Padhao” (Salve a Garota Eduque a Garota, em tradução livre) do primeiro-ministro Narendra Modi, que visa melhorar a igualdade de gênero no país. Mas a medida parece ter tido pouco impacto e atos horríveis de violência têm feito parte frequentemente de manchetes.
A ativista Yogita Bhayana disse que muitos homens ainda veem o estupro como um “ato de poder” sobre as mulheres e, na maioria das vezes, a violência não é denunciada por medo.
Em dezembro de 2019, uma mulher morreu no estado depois de ser incendiada enquanto viajava para testemunhar no julgamento de dois homens acusados de estuprá-la – destacando os perigos que os sobreviventes de agressão sexual enfrentam ao se manifestar.
“Quando as mulheres vão às autoridades, elas podem enfrentar ainda mais danos”, explicou Kothari. “Em vez de a justiça seguir seu curso, eles são confrontados com mais violência.”
Vergonha, sigilo e um atraso legal
O suposto envolvimento de uma mulher neste caso demonstra a escala da misoginia internalizada na sociedade, dizem os ativistas – e não é a primeira vez que algo assim acontece.
Em janeiro deste ano, o cabelo de uma mulher foi cortado e seu rosto pintado de preto antes de desfilar por uma rua na capital da Índia, Nova Delhi, onde algumas pessoas em uma multidão pediram que ela fosse estuprada. A maioria das pessoas que clamavam eram mulheres.
As mulheres são ensinadas a defender os valores patriarcais desde certa idade, dizem os ativistas. E, apesar das várias tentativas do governo de fortalecer as leis de estupro da Índia, pouco fez para conter o nível de violência sexual no país, que foi classificado como o lugar mais perigoso do mundo para ser uma mulher em uma pesquisa de especialistas da Thompson Reuters Foundation de 2018 sobre questões femininas.
O problema persiste por causa de questões sociais, que continuam mais difíceis de mudar, dizem os ativistas, já que as vítimas são frequentemente ensinadas que são as culpadas por qualquer irregularidade.
Além disso, o sistema de justiça da Índia é “notoriamente lento” e pode ser “traumático” para a vítima de agressão, de acordo com Kothari.
Em 2019, o governo central aprovou um plano para abrir mais de 1.000 tribunais em toda a Índia para ajudar a acabar com o acúmulo de casos de estupro e crimes sexuais contra menores.
No entanto, de acordo com dados apresentados pelo ministro da Lei e da Justiça na Câmara Alta do Parlamento em dezembro de 2021, menos de 700 desses tribunais foram criados.
“O processo é tão punitivo para as mulheres”, disse Kothari. “Mesmo sendo vítimas, podem acabar sendo vilipendiadas nas delegacias e nos tribunais.”