A bola está com Sanders
No debate democrata de domingo, que terá transmissão exclusiva com tradução simultânea na CNN Brasil, cabe ao senador mirar em Biden ou em Trump
É o ex-vice-presidente Joe Biden quem lidera as primárias democratas. Paradoxalmente, será o senador Bernie Sanders quem definirá o rumo do debate desta noite em Washington, transmitido pela CNN Internacional a partir de 21h, e pela CNN Brasil, com tradução simultânea, às 23h (horários de Brasília). Cabe a Sanders decidir se usa o debate para tentar virar a mesa ou para reagrupar os democratas em torno do objetivo comum de derrotar o presidente Donald Trump em novembro.
No dia seguinte a mais uma derrota expressiva na “Miniterça”, quando a distância entre ele e Biden aumentou de 100 para 150 delegados aproximadamente, Sanders prometeu pressionar o seu adversário no debate de hoje, com perguntas como: “Joe, você votaria contra uma proposta de saúde pública universal?”
O senador tem usado outros argumentos, como por exemplo que, quando vice de Barack Obama (2009-2016), Biden defendeu a destinação de recursos públicos para evitar a quebra de bancos, no calor da crise financeira de 2008/2009. A acusação pode cair bem na fatia mais à esquerda do eleitorado, mas, como ficou provado nas primárias, essa fatia representa no máximo um terço.
Sanders liderou inicialmente porque o campo moderado estava muito disputado. As vitórias contundentes de Biden na Carolina do Sul, dia 29, e na Superterça, dia 3, seguidas da desistência de todos os outros candidatos moderados, transformaram o ex-vice em favorito.
Nesse sentido, o Michigan traz uma lição importante: no berço da indústria automobilística, o eleitorado branco sem diploma e sindicalizado preferiu Biden a Sanders, que havia ali derrotado Hillary Clinton, ainda que por pequena margem, em 2016. Entre a retórica socialista de Sanders e o slogan da campanha à reeleição de Obama em 2012, “Bin Laden está morto e a General Motors está viva”, os democratas do Michigan preferem o segundo. De maneira que, lembrar que Biden atuou para resgatar as grandes empresas pode funcionar mais como apoio do que acusação.
Nesse momento em que os americanos acordam para a realidade potencialmente dramática do coronavírus, a saúde tende a se tornar um tema central nesse debate. Em oposição à proposta de Sanders de um modelo “europeu” ou “canadense” de saúde pública universal, Biden defende a continuidade, com correções, da Lei de Atendimento Acessível, mais conhecida como Obamacare.
“Aqui não é o Canadá”, tem repetido Biden, argumentando que o contribuinte americano não vai querer trocar a livre escolha de um plano de saúde privado pelo aumento de impostos para custear uma rede pública universal.
O Obamacare introduziu desincentivos tributários para aqueles americanos — que ainda somam 27 milhões — que não têm plano de saúde. Ele também instituiu uma regulação semelhante à do Brasil para garantir a cobertura de doenças preexistentes, e um sistema de subsídio cruzado para que as empresas ofereçam convênios aos seus funcionários e os mais pobres também possam ter um plano.
Trump, de sua parte, prometeu desregulamentar e aumentar a concorrência entre as empresas de planos de saúde e as fabricantes de remédio, de modo a baixar os preços e ao mesmo tempo preservar a liberdade de escolha. Muitos americanos consideram que isso não deu certo e apontam um aumento de preços tanto nos planos quando nos medicamentos. A desregulamentação aparentemente pode ter encarecido os planos com as coberturas amplas previstas antes pelo Obamacare.
Essa foi a principal razão, segundo pesquisas de boca-de-urna, para a derrota republicana nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, na qual os democratas recuperaram a maioria.
O cruzamento de estatísticas mostrou que os distritos eleitorais que deram a vitória a Trump em 2016, virando o voto de democrata para republicano, tinham em comum, mais do que qualquer outra coisa, altos índices de problemas de saúde, associados ao abuso de antidepressivos, alcoolismo, hipertensão e diabetes. Dois anos depois, parte desse voto retornou para os democratas, em grande medida por causa da inflação no setor de saúde.
Diante da pandemia do coronavírus, a saúde pode se tornar o tema central dessas eleições. É cedo para fazer qualquer afirmação categórica, sem saber que impacto a pandemia terá sobre a economia americana, que vinha tão bem. Mas é possível que Biden tenha encontrado um ponto de equilíbrio entre Trump e Sanders. E, com ele, uma vantagem competitiva sobre ambos.