2020 deve ser um dos três anos mais quentes já registrados, mesmo com La Niña
Relatório da Organização Meteorológica Mundial mostra que este ano é um dos três mais quentes, junto de 2016 e 2019
Imensos incêndios florestais. Uma temporada de furacões mortal. O gelo do mar Ártico no nível mais baixo de todos os tempos. Seca. Inundações. Ondas de calor.
O relatório climático anual da Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado na quarta-feira (2), parece uma longa lista de condições climáticas extremas e desastres naturais. Mas pode muito bem ser uma prévia do que está por vir no futuro próximo.
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Incluindo dados de janeiro a outubro e baseado em contribuições de dezenas de especialistas e organizações internacionais, o relatório afirma que 2020 está prestes a ser um dos três anos mais quentes já registrados na história, depois de 2016 e 2019. A temperatura global média está definida em cerca de 1,2 graus Celsius acima dos níveis pré-Revolução Industrial.
É preocupante que 2020 tenha sido excepcionalmente quente, apesar do efeito de resfriamento do La Niña. O fenômeno climático recorrente, que se desenvolveu em agosto e se intensificou em outubro, está normalmente associado a temperaturas da superfície do mar abaixo do normal no Oceano Pacífico, causadas por mudanças nos ventos, pressão atmosférica e precipitação. Embora o La Niña se limite ao Pacífico, seus efeitos atuam para resfriar as temperaturas de todo o planeta, como se fosse o ar-condicionado natural da Terra. No entanto, segundo a OMM, seu impacto foi mais do que compensado pelo calor retido na atmosfera pelos gases do efeito estufa.
Segundo o secretário-geral da organização, Petteri Taalas, no passado, anos excepcionalmente quentes (como 2016) coincidiram com um forte evento El Niño, que é o oposto do La Niña e causa temperaturas da superfície do mar acima da média e, portanto, temperaturas globais mais quentes. Mas não mais.
“Apesar das condições atuais do La Niña, este ano já mostrou um calor quase recorde comparável ao recorde anterior de 2016”, afirmou Taalas em um comunicado à imprensa que acompanha o relatório principal.
A OMM também disse que o período entre 2011 e 2020 será a década mais quente já registrada, com os seis anos mais quentes desde 2015. A tendência provavelmente continuará. Mesmo com a queda das emissões durante o lockdown do primeiro semestre, a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera atingiu um novo recorde este ano.
Taalas disse que agora há pelo menos uma chance em cinco de a temperatura média global exceder temporariamente os níveis pré-industriais em 1,5 grau Celsius até 2024, um limite crítico que o Acordo de Paris visa limitar para reduzir o aquecimento global.
Os efeitos desse aquecimento rápido foram sentidos em todo o mundo ao longo do ano, incluindo o calor extremo, incêndios florestais, inundações e uma temporada recorde de furacões no Atlântico. Taalas resumiu 2020 como “mais um ano extraordinário para o nosso clima”.
Milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas (algumas delas permanentemente) por causa de condições meteorológicas extremas e outros eventos causados ou exasperados pelas mudanças climáticas. Centenas morreram.
No final do ano passado e no início deste ano, a Austrália sofreu o que foi a pior temporada de incêndios florestais já registrada. Pesquisas mostraram que a crise climática tornou esses incêndios pelo menos 30% mais prováveis. Pelo menos 33 pessoas e, estima-se, 1 bilhão de animais morreram nos incêndios, de acordo com o parlamento da Austrália. Centenas morreram como resultado de exposição à fumaça.
Incêndios devastadores no oeste dos EUA mataram pelo menos 43 pessoas no segundo semestre. Em outubro, a Califórnia registrou o primeiro “gigafire”, termo adotado para definir um incêndio que queima pelo menos um milhão de acres (quase meio milhão de hectares) de terra na história moderna. Na América do Sul, o Pantanal, maior área alagada tropical do planeta, ficou em chamas por meses.
O ano de 2020 também trouxe muitas evidências para uma tendência sobre a qual os cientistas do clima vêm alertando há algum tempo: furacões, tufões e ciclones tropicais em todo o mundo estão se tornando mais fortes e potencialmente mais mortais com o aquecimento do globo.
O número de ciclones tropicais em todo o mundo ficou acima da média em 2020. A temporada de furacões do Atlântico Norte teve o maior número de tempestades batizadas já registrado. Muitos causaram morte e devastação. Pelo menos 100 pessoas morreram no mês passado quando o Eta atingiu a América Central. O furacão Iota, que atingiu a Nicarágua cerca de três semanas depois, foi o mais forte de 2020 no Atlântico e o mais intenso a atingir o país. Nos EUA, o furacão Laura matou pelo menos 27 pessoas em agosto. Nas Filipinas, dezenas de pessoas morreram quando dois tufões consecutivos arrasaram o país com dez dias de diferença em novembro.
Além disso, e forma crucial, os oceanos (bons indicadores do impacto real das mudanças climáticas) também continuaram a ficar mais quentes. Cobrindo quase três quartos da superfície da Terra, eles absorvem a grande maioria do calor do mundo. De acordo com o relatório da OMM, mais de 80% dos oceanos experimentaram uma onda de calor marinha em algum momento de 2020.
O relatório destacou o Ártico como uma área que passa por “mudanças drásticas” com o aumento da temperatura global. Em setembro, a quantidade de gelo marinho ártico diminuiu para o segundo nível mais baixo desde que os registros começaram em 1978. De acordo com o relatório, o manto de gelo da Groenlândia continuou a perder massa, embora a um ritmo mais lento do que o visto em 2019.
A cobertura de gelo desempenha um papel fundamental na regulação do clima global. Sua superfície alva e brilhante reflete o calor de volta para a atmosfera. Quando derrete ou não volta a congelar, a superfície mais escura do oceano absorve mais calor.
A OMM disse que 2020 também trouxe algumas ondas de calor excepcionalmente fortes, sobretudo no norte da Ásia e em particular no Ártico Siberiano. Em partes do norte da Sibéria, o ano até agora tem sido de 5 graus Celsius ou mais quente que a média, disse a OMM.
A América do Sul e grande parte da Europa também experimentaram ondas de calor e secas prolongadas.
Vários recordes de temperatura foram batidos em 2020. Em agosto, a temperatura mais alta conhecida no mundo nos últimos nos últimos 80 anos foi registrada quando os termômetros atingiram 54,4 graus Celsius no Vale da Morte, na Califórnia.
Enquanto algumas partes do mundo experimentaram ondas de calor e secas, outras áreas sofreram inundações mortais. De acordo com o relatório, mais de 2.000 mortes foram registradas durante a temporada de enchentes na Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh, Afeganistão e Mianmar.
(Texto traduzido, leia o original em inglês)