15 anos da vitória de Evo: altos e baixos do 1º presidente indígena da Bolívia
Alta popularidade o fez ser reeleito duas vezes, mas manobras para disputar novos mandatos, além de acusações de corrupção, levaram à renúncia dele


No dia 18 de dezembro de 2005, a Bolívia elegeu o primeiro presidente indígena do país: Evo Morales. Com alta popularidade, ele conseguiu ser reeleito outras duas vezes, permanecendo no poder até novembro de 2019, quando decidiu renunciar em razão de pressões das ruas e das Forças Armadas, que o acusavam de fraude eleitoral.
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Após quase um ano em exílio em Buenos Aires, na Argentina, Evo decidiu voltar à Bolívia, depois da vitória do companheiro socialista Luis Arce nas eleições presidenciais do país em outubro de 2020.
Altos
• Início da vida política
Juan Evo Morales Ayma, de etnia indígena aimará, nasceu no dia 26 de outubro de 1959 e cresceu em uma comunidade agrícola rural da Bolívia. Quando era criança, ajudava os pais na criação de lhamas, e nunca terminou o ensino médio.
Uma severa seca que atingiu a Bolívia no começo da década de 1980 obrigou Evo e a família dele a se mudarem para uma região de cultivo de folhas de coca. Anos depois, ele se tornou líder sindical dos cocaleiros, dando início à vida política.
Disputou a presidência da Bolívia pela primeira vez em 2002, mas acabou ficando em segundo lugar, atrás de Gonzalo Sánchez de Lozada. O pleito foi considerado um dos mais disputados na história do país. Lozada acabaria renunciando ao cargo e fugindo para os Estados Unidos pouco depois de assumir o cargo.
• Chegada ao poder
Nas eleições seguintes, em 2006, Evo tentou novamente e desta vez obteve a vitória, tornando-se o primeiro presidente indígena do país, pelo partido MAS (Movimento ao Socialismo). Foi uma verdadeira conquista para a população indígena, que não tinha direito a voto até 1952.
Para muitos indígenas, Evo se parecia com eles e pensava como eles. Durante a campanha, o líder dos cocaleiros optou por camisas mais informais, em vez do tradicional terno e gravata, criando uma maior proximidade com os eleitores.
De ideologia socialista, Evo prometeu reduzir a desigualdade no país e governar em favor dos mais desfavorecidos.
• Governo Evo
Sob o mandato dele, mais de meio milhão de bolivianos saíram da pobreza. Além disso, a Bolívia deixou de ser o país mais pobre da América do Sul, duplicando o Produto Interno Bruto (PIB) em quatro anos, com uma política de projetos sociais e a estatização da indústria dos hidrocarbonetos, segundo uma declaração do então ministro da Economia – e hoje presidente –, Luis Arce, em dezembro de 2009, à agência de notícias Reuters. Evo também usou os recursos do gás para ampliar a precária infraestrutura do país.
Ele introduziu uma nova Constituição no país, garantindo cadeiras no Congresso a grupos indígenas. Apoiou abertamente o cultivo de coca pois acreditava que era uma parte da cultura indígena boliviana.
Crítico feroz da política externa dos Estados Unidos, Evo estabeleceu uma sólida aliança com os então líderes da Venezuela, Hugo Chávez, do Equador, Rafael Correa, e de Cuba, Fidel Castro.
Expulsou da Bolívia, em 2008, a Administração para o Controle de Drogas dos EUA e, alguns anos depois, afirmou que poderia conceder asilo a Edward Snowden, ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, em inglês) acusado de divulgar documentos secretos do governo norte-americano.
Por todos os feitos, conseguiu se reeleger em 2009 e em 2014.
Durante os mandatos, enfrentou a dura oposição da região mais rica do país, formada pelos estados de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando. Essas áreas de planície concentram a maior parte das riquezas do país e a população branca de origem europeia, em contraste com o altiplano andino, majoritariamente pobre e indígena. Liderados por Santa Cruz, os estados conduziram protestos por maior autonomia em 2008.
Essas manifestações acabaram perdendo força diante do forte crescimento econômico da Bolívia e a desarticulação da oposição a Evo.
Baixos
• Acusações de corrupção e abuso de poder
A situação de Evo começou a se complicar quando ele ainda tentava disputar o terceiro mandato. Em 2013, o Tribunal Constitucional do país determinou que ele poderia concorrer pela terceira vez à presidência, algo sem precedentes. Muitos opositores consideraram a decisão como abusiva.
Apesar do período de crescimento econômico do país, o cenário positivo começou a mudar a partir de 2014, com o fim do ciclo das commodities. Ao mesmo tempo, surgiam escândalos envolvendo Evo.
Em 2015, por exemplo, ele foi forçado a reconhecer um caso secreto com uma mulher que foi presa por desvio de dinheiro público. Casos de corrupção como este, além de acusações de abuso de poder, começaram a se tornar frequentes, incomodando até mesmo os partidários do líder indígena.
A disputa do terceiro mandato já havia sido polêmica, mas Evo queria concorrer mais uma vez. Para isso, convocou em 2016 um referendo para a população votar se aprovava uma nova reforma na Constituição que o permitiria se candidatar de novo em 2019. A maioria votou “não”, mas o Tribunal Constitucional agiu mais uma vez a favor de Evo, que disputou um quarto mandato.
• Eleições contestadas
No dia 20 de outubro de 2019, Evo parecia ter vencido mais uma votação. Contudo, suspeitas de fraude começaram a surgir em razão de falhas sem explicação na divulgação dos resultados.
O que aconteceu foi o seguinte: os resultados vinham sendo divulgados no sistema de contagem rápida do Tribunal Supremo Eleitoral e mostravam Evo em primeiro lugar por uma pequena margem, o que indicava que haveria um segundo turno com o rival Carlos Mesa.
No entanto, essa atualização parou por 24 horas. Quando voltou, apontou Evo como vencedor no primeiro turno, desencadeando acusações de que as eleições haviam sido fraudadas. A Organização dos Estados Americanos (OEA) chegou a falar em indícios de fraude. Meses depois, um estudo independente disse que a conclusão foi precipitada.
• Renúncia
A suspeita de fraude levou a mobilizações pelo país. Evo negou as acusações e insistiu que havia vencido as eleições. Parte dos bolivianos, principalmente nos estados mais ricos, saíram às ruas, apoiados principalmente por Luis Fernando Camacho, um dos líderes da oposição em Santa Cruz.
Durante semanas, parte da população foi pressionou pela saída de Evo e houve uma escalada nas tensões, com registros de manifestantes ateando fogo em urnas de votação e sedes eleitorais. Em áreas leais ao MAS, houve confronto com a polícia e ataques a lideranças pró-Evo
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Entidades e opositores continuavam falando em fraude eleitoral e Evo dizia que havia um golpe de estado em processo. Diante da situação, ele afirmou que realizaria um segundo turno se uma revisão da contagem de votos encontrasse provas de irregularidades na votação. Para isso, permitiu a condução de uma investigação das eleições, com a participação da OEA, na tentativa de acalmar os ânimos no país.
Mesmo assim, os protestos não cessaram e houve greves, bloqueios em estradas e exigência de novas eleições, além de episódios de violência em algumas cidades. Ao menos 30 pessoas morreram, 500 ficaram feridas e mais de 400 foram presas durante os confrontos entre manifestantes e policiais.
A situação se agravou ainda mais depois que as Forças Armadas disseram que não enfrentariam os manifestantes. A OEA apontou diversas irregularidades nas eleições e Evo anunciou que convocaria uma nova votação. Mesmo assim, o comandante-chefe das Forças Armadas e da Polícia da Bolívia pediu ao presidente que renunciasse com o objetivo de restaurar a lei e a ordem no país.
Horas depois, no dia 10 de novembro de 2019, Evo Morales renunciou à presidência da Bolívia.
Reabilitação
Dois dias após renunciar, Evo viajou ao México em busca de asilo político. Diversos outros altos membros do governo boliviano também renunciaram e a senadora opositora Jeanine Áñez assumiu a presidência interinamente, prometendo montar um novo conselho para o corpo eleitoral e convocar novas eleições – que não teriam Evo como candidato.
Evo queria ficar mais próximo da Bolívia. Então, no dia 12 de dezembro, chegou à Argentina, onde ficou por quase um ano, na condição de refugiado.
Áñez acusou o líder indígena de sedição e terrorismo e muitos líderes do MAS foram presos. Ela reverteu uma série de políticas do governo anterior, reatou relações com os EUA e reconheceu o opositor Juan Guaidó como presidente da Venezuela. Em meio às mudanças, a pandemia de Covid-19 chegou à Bolívia. Com isso, as eleições previstas para o começo do ano tiveram de ser adiadas.
Ex-ministro de Evo, Luis Arce anunciou a candidatura e liderou as pesquisas durante a campanha. A direita não conseguiu oferecer uma alternativa viável para a disputa. Com baixa popularidade, Áñez desistiu de apresentar candidatura.
Arce foi eleito em outubro, com 55% dos votos, no primeiro turno. Logo após a vitória, as acusações contra Evo e outros militantes do MAS foram retiradas e militares que participaram da violência pós-eleitoral em 2019 foram indiciados pela Justiça.
Evo voltou à Bolívia depois da vitória de Arce, a pé, pela fronteira com a Argentina, reabilitado pelo novo governo, mas com a promessa de não participar da nova gestão.
(Com informações da CNN Internacional e Reuters)