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      Luciana Temer - Advogada e presidente do Instituto Liberta

      Luciana Temer é doutora em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professora da mesma instituição.

      Tem ampla experiência na administração pública e no terceiro setor. Foi secretária de Estado da Juventude Esporte e Lazer do Governo de São Paulo, secretária de Assistência e Desenvolvimento Social do Município de São Paulo e coordenadora da assistência jurídica da Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam.

      Atualmente, é presidente do Instituto Liberta, de enfrentamento a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

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    Violência sexual infantil: basta de cortina de fumaça

    Inicio este artigo afirmando que a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil é um problema gigante e invisibilizado. Recentemente uma fala da Ministra Damares em um culto religioso causou grande polêmica nas redes sociais. No filme ela conta de violências sexuais extremas contra crianças muito pequenas, que teriam os dentes arrancados para facilitar a prática de sexo oral e de outras atrocidades do gênero, práticas estas que seriam comuns na região do Marajó. A partir desta história ela estabelece para sua audiência dois lados, o “do bem” que quer acabar com isso e o “do mal” que quer que isso continue.

    O claro uso político desta fala gerou controvérsia e questionamentos de muitas ordens, em especial sobre provas da ocorrência destes crimes e, em havendo, quais a medidas tomadas pelo governo federal, uma vez que ela, na condição de Ministra, teria obrigação de agir.

    O Instituto Liberta, que presido, se dedica ao enfrentamento das violências sexuais contra crianças e adolescentes no Brasil e tem trabalhos em parceria com o Governo e o Tribunal de Justiça do Pará. Tive, portanto, a oportunidade de ir algumas vezes ao Marajó e nunca ouvi histórias como essas. Não quero com isso dizer que a Ministra não possa ter ouvido sobre algo tão terrível, quero dizer apenas que esta não é a cara da violência sexual no Marajó, nem no Brasil. Mas e daí? Tem algum problema uma Ministra, agora senadora, fazer uma fala dessas? Tem! A desinformação que isso gera. Explico.

    Há quase 6 anos o Liberta vem fazendo campanhas informativas a fim de que a sociedade tome consciência da magnitude da violência sexual infantil no país e de suas consequências perversas, tanto do ponto de vista individual quanto social. Precisamos tirar o assunto da invisibilidade, fazer o Brasil falar sobre esta questão e, para isso, nos apoiamos em dados.

    Segundo levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado no Anuário Brasileiro de Segurança 2022, no ano de 2021 foram registradas 66.020 ocorrências de estupro, das quais 35.735 (61,3%) contra menores de 13 anos. Se fizermos as contas, isso dá 4 meninas de menos de 13 anos estupradas por hora no país. Em 86,7% dos registros o criminoso era conhecido da vítima, sendo que 40,8% era pai ou padrasto; 8,7% avô e 37,2% irmão, primo ou outro parente. Em 76,5% dos casos, o crime ocorreu na residência.

    Os dados existentes são assustadores, mas a realidade é ainda pior. Este ano encomendamos para o DataFolha uma pesquisa sobre violência sexual que resultou nas seguintes informações: 32% das pessoas adultas entrevistadas já tinham vivenciado algum tipo de violência sexual antes dos 18 anos; apenas 11% denunciaram; e 26% tiveram coragem de contar para alguém. Ou seja, temos uma subnotificação absurda, mas que é compreensível quando entendemos que se trata de uma violência, majoritariamente, intrafamiliar.

    Nós do Liberta acreditamos que o único caminho possível para mudança do quadro que vivemos hoje é jogar luz sobre a questão, esclarecer sobre as raízes e características desta violência, de forma séria e responsável, com consciência e sem sensacionalismo. Cortinas de fumaça, que distraem a atenção e desviam o foco do real problema, atrapalham o trabalho de conscientização social e adiam o enfrentamento destes crimes. Enfim, o problema não são os monstros demoníacos na fronteira, mas os monstros adequados dentro das famílias. E é sobre isso que precisamos falar!

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