Serviço de cuidadores deve ser política pública
Costumo dizer que sou um exemplo prático da máxima de que sozinho não se chega a lugar algum. Sem a parceria e a dedicação de uma cuidadora, eu não poderia sair da cama. Não chegaria nem perto de lugares e postos que conquistei ao longo da vida, mesmo depois de quebrar o pescoço e perder movimentos de braços e pernas.
Ser psicóloga, fundadora de ONG, secretária municipal, vereadora, deputada por duas vezes, representante em um comitê na ONU e senadora. Tudo isso só foi possível porque tive o apoio de um profissional cuidador.
Contudo, ter o serviço de um cuidador no Brasil ainda é privilégio para poucos, quando na verdade deveria ser um direito. Não temos em nosso país uma política de cuidado nem ao menos um único programa de apoio aos cuidadores familiares. Durante a pandemia o drama dessas famílias ficou claro, com mães e pais que temiam a contaminação pelo vírus e não ter como cuidar de seus filhos.
Quem precisa do serviço de um cuidador – a maioria de mães mais pobres – é obrigado a abandonar o mercado de trabalho para se dedicar a quem mais precisa. Cria-se um ciclo vicioso de pobreza e dependência do Estado.
Mudar esse cenário é o que venho lutando há muitos anos. Ainda na Câmara dos Deputados, protocolei projetos sobre a temática e agora no Senado conseguimos, depois de muitas pesquisas e estudos, elaborar uma proposta robusta sobre a temática. Junto aos senadores Flavio Arns e Eduardo Gomes, apresentei o Projeto de Lei 2797 com a proposta de instituir uma Política Nacional do Cuidado.
Além de regulamentar a profissão de cuidador, o projeto prevê que pessoas idosas, com deficiência e com doenças raras que precisam de auxílio para as atividades rotineiras e cotidianas disponham de cuidadores custeados pelo sistema público de assistência social.
A proposta reúne os trabalhos de três subcomissões da Comissão de Assuntos Sociais do Senado: Subcomissão de Acompanhamento das Políticas Públicas para as Pessoas com Doenças Raras, Subcomissão de Assuntos Sociais das Pessoas com Deficiência e Subcomissão de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa, que mergulharam nesta temática por meio de pesquisas quantitativas e qualitativas sobre o público a ser atendido.
Os resultados do trabalho apontam para um grande desafio, uma vez que não existem estimativas confiáveis do número de cuidadores de pessoas com doenças raras e de pessoas com deficiência no Brasil. O número que se tem traz apenas dados sobre esse serviço para a população idosa.
De acordo com o Ministério da Economia, a profissão de cuidador de idoso é a que mais cresce no país. Entre 2004 e 2017, o número desses profissionais aumentou de 4.313 para 34.051. Esse cenário se deve a uma mudança demográfica fundamental no país: além do crescimento da população de idosos, o aumento da expectativa de vida tem permitido que eles vivam por mais tempo.
Atualmente, nosso país tem mais de 28 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa 13% da população. Esse percentual tende a dobrar nas próximas décadas, segundo o IBGE.
Falar deste tema me faz lembrar do meu próprio passado, pois antes de me tornar uma pessoa que depende de tal serviço, eu já fui cuidadora de um idoso e de uma moça que, assim como eu, era tetraplégica. À época, sem imaginar que um dia estaria nas mesmas condições, tentei levar a ela um pouco mais de saúde, incorporando movimentos e produtividade em sua vida.
Com uma política de cuidados em nosso país, ampliaremos muito mais nossa mão de obra trabalhadora, deixando de onerar a saúde pública em vários setores e proporcionando a muita gente qualidade de vida e, acima de tudo, o direito à felicidade, devolutiva básica que um gestor público deveria esperar como resultado de seu trabalho.
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